Martinho Júnior | Luanda
Foi
lançado o terceiro livro em que comparticipo, desta feita com Leopoldo Baio,
que foi o Director do desaparecido semanário “ACTUAL”.
O
livro “Angola – Séculos de solidão – do colonialismo à democracia –
cronologia histórica baseada numa pesquisa analítica” da Editora LeArtes,
tem nesta primeira edição uma tiragem de 1000 exemplares, com produção numa
gráfica de Luanda e em resultado de alguns financiamentos locais (Banco
Económico e ENSA).
Foi
graças ao esforço e à tenacidade de Leopoldo Baio que o livro deu à estampa.
O
livro enquadra-se, em época eleitoral, na necessidade de reforçar as linhas
progressistas do MPLA, tendo em conta muitas lições que nos acodem não só do
seu passado de luta, mas também e inclusive da contemporaneidade.
Frisei
na minha intervenção no acto de lançamento no auditório do Banco Económico em
Luanda, a necessidade dum constante balanço entre o que realmente é da
civilização e o que é da barbárie, essencialmente por que África (e obviamente
Angola) está ávida de civilização, por que nunca deixou de experimentar a
barbárie imposta ao fim e ao cabo, pelo domínio de uns quantos sobre o resto da
humanidade!
Por
isso África (e Angola), deve voltar-se em reflexão sobre os fenómenos correntes
da globalização, mas sobretudo sobre si própria e ir buscar ao estudo e à
investigação aquela consciência e aquele conhecimento que sempre lhe tem sido
negado, em relação às suas forças, às suas energias e ao relacionamento de
todas as questões que se prendem com os factores físico-geográfico-ambientais
com as questões que se prendem aos factores humanos, de modo a estabelecer os
parâmetros duma longa luta contra o subdesenvolvimento inscritos numa
geoestratégia de desenvolvimento sustentável que leve em atenção a dialética
entre os espaços da água interior (um dos pulmões tropicais do globo e uma das
mais ricas biodiversidades do planeta) e os grandes desertos quentes, o que será
ao mesmo tempo um rumo no quadro da lógica com sentido de vida, tão urgente
para a humanidade, como cada vez mais urgente para o planeta!
Mais
do que ler neste balanço global, continental e nacional permanente, devemos
reflectir também sobre a equação guerra e paz de forma a elaborar as premissas
do futuro, que levam à formação da inteligência nacional, à mobilização da
juventude e das futuras gerações, à educação de todo o povo angolano e de
África, bem como à pedagogia necessária capaz de enfrentar a nocividade da
inteligência elitista em vigor em África desde os alvores da revolução
industrial com Cecil John Rhodes!
Quanto
a revolução industrial e a nova revolução tecnológica têm trazido de
nocividade?
Quanto
a “civilização judaico-cristã ocidental” não se tem nutrido dessa
nocividade para garantir seus programas de domínio, em nome dos interesses duma
aristocracia financeira mundial que se vem estabelecendo desde os tempos das
guerras napoleónicas?
Quanto
em nome duma civilização a que África aspira, não se tem que identificar como
pertencendo ao passado de solidão e barbárie, para além das tensões, conflitos
e guerras de que África tem sido vítima em função do seu papel secularmente
ultraperiférico, marginalizado e oprimido, sem melhores horizontes?
O
livro, para aqueles que assumem a sensibilidade dolorida do sul, vale mais pelo
que suscita e desafia, do que pelo seu próprio conteúdo!
SÉCULO
XXI
MAIS
UM SÉCULO “VIRTUALMENTE” PERDIDO PARA ÁFRICA?
“Quando
me encontro em companhia de alguém, ou quando as pessoas se divertem com seus
jogos, ou quando estou sozinho numa carruagem de comboio, eu penso sobre a
minha grande ideia … é a melhor companhia que tenho”, Cecil John Rhodes – 1877.
Durante
a segunda metade do século XIX, a concentração da riqueza numa aristocracia
financeira que controlava acções preponderantes em todo o mundo, o
desenvolvimento das ciências e da tecnologia e a passagem para uma economia de
mercado tipicamente capitalista, foram cenários que contribuíram para uma
espectacular revolução industrial e para a edificação dos impérios coloniais em
África, a partir duma convenção sobre a sua partilha, que pura e simplesmente
não levava em consideração os próprios africanos.
Os
impérios coloniais que foram estabelecidos essencialmente com a Conferência de
Berlim, que ocorreu entre Novembro de 1884 e Fevereiro de 1885, acabaram por
dividir África em função dos interesses entre as potências emergentes de então,
essencialmente seguindo os critérios da Grã-Bretanha, da Alemanha e da França,
cada qual determinando o regime de alianças com outros estados europeus de
menor potencialidade, mas também interessados e com a intervenção dos Estados
Unidos (que apoiou a coroa belga na sua pretensão em relação ao Congo).
A
partir dessa altura, as potências coloniais iniciaram um amplo esforço, no
sentido de conhecer um continente, em relação ao qual normalmente os esforços
não iam muito além do seu litoral, até por que esse conhecimento, concorria
para a multiplicação de acções no sentido do enquadramento na economia mundial
emergente, implicada na revolução industrial.
Numa
posição privilegiada, enquanto superpotência majestática, a coroa britânica,
mercê do desenvolvimento em curso com a revolução industrial e garantindo a
concentração de meios financeiros numa aristocracia poderosa, ambiciosa, com
visão e cobiça planetária, que em relação à África Austral, assumiu uma
posição-chave, ao controlar a colónia do Cabo e ao se decidir, a partir dela,
num conjunto de dinâmicas acções que estiveram na base do acesso, conquista,
ocupação e desenvolvimento do interior do continente.
De
entre as personalidades que mais contribuíram para a construção do império
britânico em África, sobressaiu Cecil John Rhodes, um bem-sucedido homem de
negócios, que impulsionou a“De Beers” , consolidou o papel da colónia do
Cabo no contexto da África do Sul, fez emergir o conceito e a capacidade anglo
saxónico no esforço de penetração no interior do continente, esteve na origem
da conquista e criação da Rodésia e, galvanizado pela pretensão de ligar o Cabo
ao Cairo, foi determinante nas linhas de desenvolvimento capitalista que se
foram criando pelo interior do continente africano, a partir da África do Sul.
Os
caminhos-de-ferro e as estradas de acesso ao interior (os caminhos-de-ferro e
as estradas são estruturas e infra estruturas características da revolução
industrial, autênticas espinhas dorsais dos impactos sócio culturais
característicos dessa fase do capitalismo), foram sendo estabelecidos por
dentro do continente, com sentido sul-norte e atingindo paulatinamente, o
Botswana, a então Federação das Rodésias e Niassalândia (Zimbabwe, Zâmbia e
Malawi) e, por fim, entraram pelo sul da Colónia do Rei Leopoldo, soberano dos
belgas.
A
partir desse eixo erguido como se fosse uma coluna vertebral (vencendo as
primeiras etapas na ligação do Cabo ao Cairo), caminhos-de-ferro e estradas com
sentido transversal vieram-se depois a suceder, em direcção aos portos do
litoral Atlântico e Índico, interligando todos os sistemas, aparentemente
desconexos.
As
pretensões de Cecil John Rhodes no seu plano de ligação do Cabo ao Cairo,
chocaram com a ocupação, por parte dos alemães, essencialmente do Sudoeste
Africano, assim como a distinta filosofia de penetração dos portugueses.
Em
relação aos alemães, a sua derrota na Iª Guerra Mundial, acabou por conferir
toda a vantagem ao sistema emergente a partir da África do Sul, que passou a
ser a potência administradora do Sudoeste Africano e, com isso, tornando a
Namíbia, economicamente complementar da África do Sul.
Em
relação aos portugueses, a coroa britânica, ciosa dos planos pioneiros de Cecil
John Rhodes para África, estreitamente implicada com os interesses das
explorações minerais que se tornavam imprescindíveis para a própria revolução
industrial e para aqueles que financeiramente a promoviam, impôs-se através dum
Ultimatum, firmado em 10 de Janeiro de 1890, impedindo o plano da coroa
portuguesa, de ligar “Angola à contra costa”, isto é, o Atlântico
angolano, ao Índico moçambicano, pelo interior do continente, conforme a um
mapa conhecido como “Mapa Cor-de-Rosa”.
Enfraquecido
e periférico em relação à revolução industrial, admitido como potência colonial
em África, apenas em função da velha aliança com a coroa britânica, as
pretensões portuguesas saíram derrotadas e submissas, o que muito contribuiu
aliás, para o fim da monarquia em Portugal e o início da república.
Se
em relação à geo estratégia sobre a África Austral, o esforço português saía
derrotado, todos os governos que se foram sucedendo, incluindo com o advento da
república, mantiveram-se fieis aos critérios de penetração de exploradores como
Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e Serpa Pinto, quando tiveram capacidade
para alicerçar políticas de ocupação e desenvolvimento do território angolano,
garantindo uma filosofia distinta, que se foi tornando complementar à de Cecil
John Rhodes.
A
África Austral, na génese dos impérios que emergiram com a Conferência de
Berlim passou a assistir a duas geoestratégias capitalistas de desenvolvimento,
com uma delas (a britânica), a ser factor determinante e a outra (a
portuguesa), a garantir complementaridade, com as seguintes características:
A
visão transversal do continente africano, da colonização portuguesa, entre as
costas do Atlântico e do Índico, que foi transmitida ao longo do século XX,
como orientação para o desenvolvimento de Angola, a partir de polos de
desenvolvimento do litoral para o interior.
A
visão longitudinal do continente africano, no sentido de se procurar ligar o
Cabo ao Cairo, que foi transmitida ao longo de todo o século XX, como
orientação das multinacionais mineiras e dos estados que lhes eram tutelares
(particularmente a África do Sul), a partir do sistema implementado pela
própria aristocracia financeira mundial, de forma a garantir primeiro a
exploração das riquezas que contribuíam para a revolução industrial,
sensivelmente um século depois, as riquezas que concorriam para a revolução
tecnológica típica da era da globalização, post Guerra Fria, que caracteriza os
nossos dias.
Essas
duas filosofias, eram no fundo decorrentes do seguinte:
Do
estágio de mais, ou menos desenvolvimento capitalista em que se encontravam as
potências colonizadoras e da subalternidade de umas (como Portugal), em relação
a outras (como a Grã-Bretanha que foi decisiva na África Austral).
Das
potencialidades físicas e humanas dos territórios das potências colonizadoras
tutelares, bem como das potencialidades dos próprios territórios.
Da
capacidade económica e financeira para investir e desenvolver esses
territórios, tendo em conta a localização, quase sempre no interior, das
maiores riquezas naturais (especialmente os minérios típicos da revolução
industrial e aqueles que, para além dela, garantem hoje materiais para as novas
tecnologias típicas da “Nova Era Global”).
Desse
modo, com a implantação das multinacionais mineiras no interior do continente
africano, multinacionais mineiras essas que eram produto dos investimentos da
aristocracia financeira mundial em franco ascendente com a assunção
anglo-saxónica de que Cecil John Rhodes foi um dos principais mentores, a
geoestratégia longitudinal de desenvolvimento capitalista, tornou-se
preponderante em África e particularmente na África Austral, não só na fase
tipificada pela ocupação do território, ao jeito do imperialismo britânico, mas
também na actual fase, em que prevalecem as leis do mercado capitalista,
capazes de aglutinar os interesses das nações, em “novas” geoestratégias,
como acontece, no caso da África Austral, com a SADC.
Para
escoar os produtos minerais do interior, foram sendo estabelecidos os
caminhos-de-ferro, que os levavam do interior para o litoral, sendo daí
transportados para as indústrias transformadoras instaladas nos territórios
mais industrialmente desenvolvidos, com preponderância daquelas situadas em
território da potência hegemónica mundial, que na sequência do império
britânico, passou a ser o catalizador das políticas globais do mercado
capitalista, ao ponto de se vir a tornar em potência hegemónica.
Os
mercados mundiais de matérias-primas, passaram desse modo a estar tutelados
exclusivamente por aqueles que, financiando os investimentos da revolução
industrial, garantiam o funcionamento e incremento das economias capitalistas e
os seus tentáculos por todo o mundo, espalhando-se principalmente, onde havia
disponíveis as maiores riquezas naturais.
Nesse
sentido, se tudo começou para o capitalismo, com a substituição do músculo
humano, pela máquina, a evolução tecnológica veio a garantir ainda mais: o cérebro
humano pode hoje ser substituído pelas novas tecnologias, com todas as
vantagens que algumas características dessa operação comportam, entre elas, a
vantagem do poder, sobre todos os circuitos económicos e políticos que se “ramificam” à
escala global.
Se
com a revolução industrial, para se alcançar as imprescindíveis
matérias-primas, era necessário ocupar territórios, hoje para a expansão dos
mercados, basta o domínio tecnológico e a liderança do comércio Internacional,
não havendo nem fronteiras, nem nações, nem povos, que resistam.
A
orla costeira africana, ao longo de todo o século XX, assistiu ao florescimento
de portos que se tornava entrepostos do enorme sistema económico global que
constituía o capitalismo moderno, que se foi inexoravelmente estabelecendo,
apesar da IIª Guerra Mundial, do fim do olonialismo e da Guerra Fria.
A
colonização portuguesa de Angola, foi sendo absorvida por esses interesses e a
criação do“Caminho de Ferro de Benguela”, assim como do porto do Lobito,
correspondia à necessidade de escoamento do cobre, do estanho e de outros
minerais que as multinacionais exploravam no interior (Katanga e Zâmbia), em
função da visão geoestratégia longitudinal de Cecil John Rhodes, que
implementou, desde a fase de exploração e penetração, o interior do continente
africano.
Os
investimentos realizados no “Caminho de Ferro de Benguela”, eram
provenientes das mesmas entidades que investiram no “copperbelt” interior,
ou que detinham o capital das companhias marítimas de navegação, que
transportavam os minérios (como a “Companhie Maritime Belge”, que escalou
durante muitos anos o porto do Lobito, ou a “Delta Line”, com navios
matriculados em New Orleans), ou que eram proprietárias das grandes fábricas
instaladas nas áreas mais desenvolvidas e detinham uma posição preponderante
nos mercados mundiais em expansão.
Portugal,
pouco desenvolvido em termos de implantação das novas indústrias e “descapitalizado”,
viu ascender o Estado Novo, a partir duma burguesia essencialmente agrária e, a
sua visão política, a sua geoestratégia reflectia o estágio de precariedade
sócio, cultural e económica do país: continuava a sua orientação geoestratégia
em Angola, visando a dinamização dos polos de desenvolvimento do litoral
(regiões de ocupação) para criar condições no interior (regiões de
intervenção), procurando através das explorações agrícolas e pecuárias, ir
ocupando o“hinterland”.
Esse
facto, marcou com toda a evidência o consulado colonial de Salazar em relação a
Angola: enquanto era dada prioridade à ocupação do território, incluindo com a
abertura sistemática de colonatos, com vista à criação de impactos sócio
culturais em áreas rurais, mas também a crescentes investimentos na agricultura
e na pecuária, a exploração mineral, foi relegada para um segundo plano,
atribuindo-se à “De Beers”, no quadro da “Diamang”, uma das excepções
(as outras ocorreram com capitais japoneses, em relação ao ferro e com capitais
norte-americanos e belgas, em relação ao início das explorações de petróleo,
neste último caso, a níveis muito reduzidos).
Em
relação à implantação político administrativa, à economia do país, às
estruturas e infra estruturas, à ocupação do território, a visão que se seguiu
em Angola, sob o ponto de vista geoestratégico do desenvolvimento capitalista,
foi mesmo assim, até ao fim do colonialismo, uma visão transversal do
continente, progredindo o esforço do litoral para o interior, baseada numa
economia agrária em franca expansão, acabando por garantir a complementaridade,
às latitudes de Angola e de Moçambique.
Por
isso mesmo, todo o sudeste de Angola se manteve em estado de quase abandono,
aguardando a sua hora, sujeitando-se às intervenções (e coligações) militares
que foram feitas para fazer face ao Movimento de Libertação (MPLA), primeiro no
período final do colonialismo, depois, após a independência, para os maiores
campos de batalha da Luta contra o regime do “apartheid”.
A
situação estrutural e de geoestratégia basicamente portuguesa, no que diz
respeito a Angola, com a independência, em nada se alterou, pois manteve-se a
guerra, que impedia mudanças substantivas, tornando-se o Cuando Cubango palco
das maiores batalhas da “Guerra Fria”, que entretanto ocorreram em África,
uma vez que o Cuando Cubango, no seu canto sudeste, tornava-se território que
compunha uma verdadeira “testa-de-ponte” das SADF em relação a Angola
e a outros países da “Linha da Frente”.
Quer
durante o período que levou até à retirada das SADF da Namíbia, quer durante os
anos que se seguiram, isto é, ao longo das décadas de 80 e 90, Savimbi orientou
a UNITA e posteriormente a sua organização marginal que dava corpo aos “diamantes
de sangue”, para tirarem resolutamente partido da situação.
Por
um lado, passou a explorar as gemas aluviais do país, de forma a conseguir
capacidade financeira para continuar a alimentar a guerra (“diamantes de
sangue”), por outro, orientou toda a sua estratégia do seguinte modo:
Tirando
partido dos aspectos contraditórios dos conceitos filosófico e geoestratégicos
seguidos pelas duas visões do continente africano, em relação ao espaço
nacional e periférico angolano.
Tirando
partido essencialmente do sudeste do país, onde além da inexistência de
ocupação político administrativa e demográfica, não haviam estruturas, ou infra
estruturas, num território “no fim do mundo”, sem melhores acessos senão
aqueles que se estabeleceram na Namíbia, durante a ocupação sul-africana,
aproveitando a faixa do Caprivi e no Botswana.
Essas “vantagens”,
foram naturalmente sendo conseguidas em função dum conjunto de factores
favoráveis, inclusive segundo o ponto de vista histórico, resultantes da forte
implantação dos sistemas de inteligência do regime do “apartheid”, que
sobreviveram ao fim desse regime, com o aproveitamento que o cartel tradicional
de diamantes quis, entre eles o plano “OUZTI” (em relação ao qual,
Angola acaba “oficialmente” por ingressar).
A
ideologia por ele expressa em “Combates pela África e pela Democracia”, um
título só por si bastante sugestivo, de acordo com a entrevista que deu ao
historiador togolês Atsutsé Kokouvi Agboli, alicerçava-se na seguinte
arquitectura:
Nos
condicionalismos físico-geográficos do território angolano, em especial o facto
do centro geográfico do país, corresponder à Região Central das Grandes
Nascentes, o que significava que era um excelente nó de comunicações, para
qualquer via que a guerrilha viesse a utilizar para estabelecer os seus quadros
operacionais no país.
Levava
em conta a visão transversal do colonialismo português, particularmente nas
suas implicações político-administrativas, estruturais, económicas, sociais e
demográficas, até porque a Região Central das Grandes Nascentes, era garante da
maior densidade da população em todo o território devido à sua riqueza em água
e riqueza de solos.
Procurava
finalmente tirar partido da visão longitudinal de Cecil John Rhodes, em
especial nas implicações do investimento do grande capital, na indústria
mineira, nos caminhos-de-ferro, nas estradas e na formação de enormes polos de
desenvolvimento no interior do continente, com o advento da revolução
industrial, de modo a fazer prevalecer a sua vontade.
A
dialéctica de Savimbi, em relação a questões tão importantes quanto África,
Cultura e Racismo, estabelecida a partir da sua interpretação do contexto
geo-estratégico, contrapunha assim:
Sob
o ponto de vista da Geografia Político Cultural o “interior” versus
o “litoral”; a“identidade negro africana” contra a “cultura luso
crioula”; os “autênticos nacionalistas africanos”, contra a “cultura
lusitana”, que se propunha à “discriminação racial”; osautóctones negros
que permanecem no campo”, opondo-se à “concentração nas cidades onde se
presumem mais civilizados”.
Sob
o ponto de vista de atitude política – a “maioria negra”, que se opunham
aos “mulatos em primeira linha”; “nada de paz na humilhação”, contra
aqueles que eram “anti nacionalistas, sectários e oportunistas”; “nacionalistas
clarividentes”, que contrariavam a“coalisão perpetuando a dominação colonial e
racial”.
Sob
o ponto de vista de composição humana das duas forças que para ele passaram a
ser antagónicas, para ele era indispensável, no sentido de mobilizar para o
esforço de guerra, todos os que se “identificassem com o sofrimento do
povo”, contra as “elites de mulatos e assimilados”.
Sob
o ponto de vista de apoios, ele identificava assim a dialéctica antagónica –
dum lado o“nacionalismo africano autêntico”, do outro o “mundo ibero
americano” e “as grandes potências”, mascarando por completo o papel
do cartel tradicional dos diamantes, em relação aos seus “diamantes de
sangue”.
Todas
essas concepções, formuladas em tempo de ascensão da globalização, refutam por
si, a atribuição que alguns fazem de guerra civil, para definir o caso
angolano.
A
última guerra, vivida numa enorme extensão da região a norte da SADC,
englobando territórios como a RDC, os países dos Grandes Lagos, Angola e a
Zâmbia, tem todos os condimentos, conforme aliás se poderá constatar nos
Relatórios que, por exemplo, a ONU foi elaborando, duma guerra em que as
componentes externas se tornaram muito evidentes, dados os interesses
existentes em relação a todas as matérias-primas existentes e também em relação
à água interior.
Se,
com a presença das SADF no Sudoeste Africano, Savimbi manipulava já imensos
recursos naturais, complementando o financiamento de sua organização, com a
independência da Namíbia e os sucessivos Acordos de Gbadolite, Bicesse a
Lusaka, sob o olhar silencioso da mesma “De Beers” que um dia Cecil
John Rhodes ergueu até ao ponto de se tornar incontornável durante todo o
século XX, em matéria de prospecção, exploração, lapidação e comércio de
diamantes e de outros metais preciosos (tendo em conta a criação e geminação
dum conglomerado de consórcios, entre eles a “Anglo American Corporation”,
ou a “Anglo Gold”, a título de exemplos), ele estimulou o corolário de sua
própria “grande ideia” e do seu ego.
Aproveitando
e evolução política e operativa, ele ergueu à sua maneira e cada vez mais à sua
própria imagem, uma organização que a nível interno, de 1990 a 1999, estava
essencialmente polarizada no seguinte:
Um
enorme braço, que fisicamente controlava várias bacias aluviais (como o Cuango
e o Alto Cuanza), estava implicado na exploração e venda de diamantes, gerando
substanciais capacidades financeiras, indispensáveis para garantir o esforço de
guerra.
Um
outro braço, em resultado dos dividendos conseguidos, comprava as armas e os
equipamentos necessários para pôr uma nova força militar, cada vez mais “regular”,
em marcha.
O
sudeste do país, manteve-se sempre como sua coutada, a sua reserva, incrustada no
sistema de apoio que lhe era garantido pelas estruturas, infra estruturas e
muitas entidades implicadas nas acções promovidas no âmbito da “OUZTI”,
sem que fosse propiciada outra contrapartida a Angola, que não fosse a sua
máquina com dois braços – o de fazer dinheiro e o de fazer a guerra.
Se
nos outros países da “OUZTI”, as economias se orientavam, tendo como base
o sector industrial, como ênfase e impacto económico essencial (particularmente
nas acções de mineração do ouro, platina, cobre, estanho, zinco, diamantes e
outros), os serviços (estruturas e infra estruturas dos transportes incluídos)
e, por fim, o ambiente e o turismo, como produto refinado e último de todo o
processo económico, tudo de forma integrada e tentacular, conforme comprovamos nos
estudos que fizemos, em Angola, à deliquescência do estado, alvo dos sucessivos
assaltos de Savimbi, conseguia-se em benefício dele e do seu projecto de
guerra:
Que
as multinacionais se mantivessem em letargia, na expectativa do crescimento da
UNITA, ou da sua organização armada.
Que
nenhuma acção de desenvolvimento, em termos capitalistas, fosse estabelecida na
maior parte do território angolano, muito menos nas “terras do fim do
mundo”.
Que
a longo prazo se garantisse a acção da visão geoestratégia longitudinal, da
aristocracia financeira mundial, das multinacionais e das potências implicadas
no moderno processo de globalização, ainda que se hesitasse entre as opções
mais conservadoras (mais “anglo-saxónicas”), das entidades provenientes
da “Round Table” (de que Cecil John Rhodes foi fundador e um
dos mentores) e as opções mais consensuais duma “Trilateral”.
Os
interesses globais estão assim, mais do que nunca numa posição de vantagem, na
hora de colocar os investimentos económicos em Angola, tirando partido dos
enormes desequilíbrios internos e com os países periféricos integrados na “OUZTI”,
particularmente no facto do sudeste ter continuado a ser, sem ainda haver outra
perspectiva, “a terra do fim do mundo”.
É
evidente que é a superestrutura económica e financeira que está acima do estado
angolano, acima da África do Sul e acima da SADC, as multinacionais que
exploram os minérios e o cartel tradicional dos diamantes, em qualquer dos
casos sob tutela da aristocracia financeira mundial, que tenderá a tirar o
melhor proveito da situação alcançada, até por que a latitude de Mavinga, é a
continuidade das latitudes de Kimberley e de Orapa.
As “novas
elites Angolanas” ao fim e ao cabo, esperaram como ninguém a evolução
nesse sentido, pois o que as preocupa, mais que as antigas geoestratégias, é a
sua inserção tão vantajosa quanto o possível nos mercados capitalistas típicos
da “Nova Era Global” e colocar o estado angolano sem outra resposta
alternativa, senão seguir os conceitos de interioridade e de longitude, que
aliás ganham um novo vigor, no quadro da SADC.
Essa
situação, podendo aparentemente combinar parcerias nacionalistas e próprias da
globalização, estão de facto a reduzir o espaço de manobra de qualquer tipo de
nacionalismo em Angola, até por que os partidos existentes no país, não possuem
mais qualquer identificação com uma (possível) esquerda e, dadas as
manipulações características da guerra dos “diamantes de sangue” e as
manipulações que se lhes têm seguido, coarctam pela via económica e financeira,
toda a ilusão duma saudável democracia.
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