Após
onda de protestos contra donos do mundo, mídia alemã ataca os “radicais de
esquerda”. É truque para esconder déficit global de democracia
Tainã
Mansani, de Berlim | Outras Palavras
O
encontro da cúpula do G20, que reuniu as 19 principais economias do mundo mais
a União Europeia, aconteceu na última semana em Hamburgo, na Alemanha, e ficou
marcado por uma série de protestos violentos nas ruas e pela criminalização dos
assim chamados “radicais da esquerda” por causa dos confrontos com a polícia.
Foi também um encontro marcado por uma série de contradições.
Cerca
de 20 mil policiais foram deslocados para conter manifestantes que protestavam
contra as políticas do G20 na cidade anfitriã da cúpula. Um evento em que
apenas as mais importantes economias tomam decisões a respeito da ordem
econômica e política que rege o mundo. Apesar dos mais de duzentos países
existentes, apenas vinte têm chance de participação na seleta cúpula.
E,
nos noticiários, predominou a discussão sobre os encapuzados “terroristas” e
“radicais” de esquerda, munidos de estilingues e garrafas – ainda que as
informações sobre a violência em Hamburgo sejam controversas. Quem esteve na
cidade relata que a polícia, e não apenas manifestantes, contribuiu em várias
situações para o início do confronto.
Sabe-se,
além disso, que nem todos os manifestantes foram violentos. O protesto do
sábado, que reuniu cerca de 70 mil de pessoas contra as políticas neoliberais,
contra o capitalismo e por um mundo mais justo, não teve o mesmo destaque que a
violência.
De
fato, nenhum outro tema – nem mesmo a discussão mais crítica sobre o verdadeiro
sentido do G20– foi tão falado como o confronto entre a polícia e alguns
manifestantes. Os argumentos das pessoas que protestaram pacificamente foram
completamente ignorados.
Contradições
Para
os que protestavam pacificamente, a existência do G20 é, em si, uma grande
contradição. Ali estavam reunidos os governantes dos países que agora defendem
a paz, ao passo que são os que mais têm lucrado com o comércio de armas no
mundo por causa das guerras que são frutos de suas intervenções em outros
países.
Se
as guerras são violentas, também não acontecem sem armas. Entre 2010 e 2014, os
principais países exportadores de armamentos foram os Estados Unidos, a Rússia,
a China, a Alemanha e a França, segundo dados de um estudo do Instituto
Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (SIPRI), na Suécia.
Por
outro lado, entre os países que mais compraram armamentos estão aqueles
envolvidos direta ou indiretamente nos principais conflitos e guerras: a
exemplo da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e do Paquistão, segundo
dados da mesma instituição.
De
acordo com a emissora norte-americana CNN, o comércio global de armas atingiu
nos últimos anos, seu ponto mais alto desde o fim da Guerra Fria. E de todas as
armas exportadas pelos EUA, 47% foram parar no Oriente Médio, onde a guerra
civil, apenas na Síria, já deixou mais de 300 mil mortos e cerca de 5 milhões
de refugiados, apontam dados do Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH)
e da ONU.
Certamente, um ponto positivo do G20 em
Hamburgo foi o acordo de cessar-fogo no sudoeste da Síria, já em vigor, entre
os presidentes dos EUA, Donald Trump, e o seu homólogo russo Vladimir Putin.
Entretanto,
na Síria, especialistas como Eurico de Lima Figueiredo, citado pela Agência
Brasil, reconhecem interesses geopolíticos no petróleo como um dos principais motivos
dessa guerra desde seu início, e que tem intervenção das principais potências
do G20. É um país localizado numa região estratégica para escoamento, com saída
para o Mar Mediterrâneo. http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-04/entenda-causas-do-conflito-na-siria
África:
nós daqui e eles lá
O
governo alemão não poupou esforços para pôr na agenda do G20 o tema dos investimentos
privados na África. Porém, trata-se de uma política para evitar a imigração
africana acreditando-se em algum benefício para as populações locais, explicou
a especialista em África da Oxfam, Barbara Sennholz-Weinhardt, ao Outras
Palavras.
“É
um problema acreditar que investimentos beneficiam diretamente às pessoas. Isso
é falso”; acrescentou Sennholz-Weinhardt. Os grandes investidores
internacionais têm muito mais benefícios do que os produtores locais. Grandes
empresas disputam com pequenos agricultores os mesmos recursos, como a água, e
com frequência têm mais vantagem.
Outro
exemplo, o fundo AATIF (em português, Fundo de Investimento e Comércio em
Agricultura para África, tradução livre) prevê um acordo cujo princípio é o de
que o setor privado deve ser o beneficiário direto dos lucros. Já as grandes
perdas são arcadas primeiramente pelo Estado – ou seja, pelos contribuintes
alemães. As informações foram veiculadas pela reportagem da emissora pública
alemã ARD “G20: Quem Ganha com o Plano Marshall para África”, de 06.07.
De
fato, a formação de um fundo como este que agora se vê para a África é proibida
até mesmo na Alemanha, revela a mesma reportagem. http://www1.wdr.de/daserste/monitor/videos/video-g-gipfel-wer-profitiert-vom-marshall-plan-fuer-afrika-100.html
Por
outro lado, durante o G20 pouco se ouviu sobre taxar as grandes riquezas e
permitir a absoluta e livre circulação de pessoas.
Desigualdades:
“uma construção” da esquerda?
Já
em relação às manifestações contra o G20 em Hamburgo, “o conflito entre ricos e
pobres é uma construção da esquerda, e dos extremistas de esquerda”, afirmou o
cientista político da Universidade Livre de Berlim, Klaus Schroeder, em
entrevista à emissora pública alemã ZDF; acrescentando que “entre nós [alemães]
essa divisão já não cresce”.
Dados
do portal de pesquisas estatísticas Statista, revelam que isso não é bem
assim. Os 36 bilionários mais ricos da Alemanha detêm a mesma riqueza – 297
bilhões de dólares – dos 50% da população que é mais pobre neste país.
Ainda
que as desigualdades sejam menores na Alemanha do que em outros países do
mundo, isso não implica a existência de um mundo menos desigual. Devido mesmo
às políticas econômicas defendidas pelos membros do G20 que colocam alguns
países como eternos exportadores de matérias-primas. Essa é a essência da atual
ordem econômica mundial.
A
retórica do terrorismo
Na
Alemanha, especialistas também analisam o medo de perder direitos sociais e do
desemprego como fenômenos que assustam boa parte da classe média do país,
sobretudo, face à presença de imigrantes. Um argumento instrumentalizado com
frequência pela direita conservadora e que explica, em partes, a ascensão do
movimento anti-imigração na Alemanha e na Europa.
O
discurso anti-imigração, que inclui ações neonazistas, tem motivações
econômicas, mas também xenófobas e racistas. Contudo, ao protestar contra o
G20, a esquerda foi taxada de terrorista ao lado dos neonazistas, embora seu
fundamento ideológico seja bem diferente, defendem ativistas.
“Os
nazistas são contra imigrantes. Se esses fossem quisessem seu país ‘livre’ dos
mesmos deveriam sair às ruas contra as políticas econômicas defendidas pelo
G20, pois elas são a causa das migrações em massa que eles repudiam – elas são
a razão da riqueza de alguns e da pobreza de outros”, explica a ativista de
esquerda Anne Greiff*.
De
fato, desde 1990, na Alemanha, entre 80 e 180 pessoas foram mortas por
extremistas de direita, enquanto não há informações dessa natureza contra a
esquerdistas, segundo dados veiculados nesta quinta-feira (13.07) pelo
semanário alemão Der Freitag.
“Enquanto
os neonazistas direcionam sua violência contra as pessoas para aniquilá-las –
foi assim no Holocausto –, o que se viu em Hamburgo por parte de alguns foi a
violência contra o Estado”, relata Anne Greiff, “Além do mais, nem toda a
esquerda compartilha dessa forma violência, por isso é um erro taxar a esquerda
como ‘terrorista’ ao lado dos neonazistas”, acrescenta.
Ao
passo que o grupo das maiores economias do mundo segue implementando políticas
muito boas para alguns grupos econômicos, a retórica do terrorismo usada contra
a esquerda é também interessante para manter essa ordem. É bom para quem está
no poder.
Ao
G20, grupo das maiores economias do mundo mais a União Europeia, interessa
manter a ordem política e econômica que legitima a sua existência. E também a
ordem de um sistema político e econômico que segue sendo assim, tão cheio de
contradições.
*Os
nomes dos entrevistados foram alterados para preservar a segurança dos mesmos.
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