Martinho Júnior | Luanda
1-
Podemos não estar de acordo (e eu sou um deles) em relação à "invasão" de "arranha-céus" que
a capital angolana vem ostentando, marcando os impactos de carácter neoliberal
da época. e as gritantes assimetrias "selvagens", inerentes à
sociedade luandense da actualidade…
Na
mesma dimensão de espaço que caracterizava o atrofiamento mental do
colonialismo português (em contraste com a megalomania da “dilatação da fé
e do império”), em termos de urbanização (as cidades foram construídas como se
vivêssemos num país com 14 vezes menos área que Angola), têm sido construídos
esses edifícios, não levando em conta exigências de toda a ordem, desde as
ambientais, às de consumo de energia e água, passando pelas manutenções,
saneamento e as questões que se prendem à gestão eficiente dos imóveis!
A
ostentação tem um preço tão elevado, que em relação à crise se vai tornando
insustentável, (algo que para mim era previsível).
Podemos
não estar de acordo situando-nos na visão da capital no seu contacto com o mar,
com o que em relação a muitas estruturas e infaestruturas foi feito (e eu sou
um deles), podendo citar o exemplo da conexão entre o Porto de Luanda e os
Caminhos de Ferro de Luanda, pasto dos estímulos e investimentos também de
carácter neoliberal, que têm trazido resultados nefastos ao cômputo da própria
economia nacional e vão dando corpo a elites nacionais com comportamento
próprio de mercenários, ao invés de fomentarem comportamento patriótico...
Longe
de ser alvo de acções de guerra, as acções tipicamente neoliberais que
impactaram no Porto de Luanda, enquanto servidor das linhas de penetração no
território, entre elas a do traçado do Caminho de Ferro de Luanda, dividiram
(para melhor reinar) o que havia sido executado como estrutura única e
integrada, destruindo entre outras coisas o feixe ferroviário que nele havia
sido criado, para júbilo das iniciativas privadas dos rodoviários que garantem
o trânsito das mercadorias (encarecendo os produtos) e para que as ferrovias
ficassem tão malparadas, anémicas, palúdicas e com doença do sono, conforme
estão hoje!...
Se
há alguma coisa desde já a corrigir, agora que está aberto o tempo para
reflexões, essa é gritante!
2-
Há todavia algo de muito importante que estou de acordo: é necessário em
relação ao acervo histórico, antropológico e cultural, assim como em relação
aos monumentos, marcar-se o que em independência e soberania da jovem Angola se
assumiu, fruto do Movimento de Libertação em África o que, sob o ponto de vista
estrutural, está a ser feito um pouco por todo o país e também na capital...
No
anfiteatro da Marginal 4 de Fevereiro, onde os sinais da época colonial e dos
seus vários ciclos são evidentes, em desafio a eles e às mostras dos impactos
neoliberais que marcam a arquitectura e a engenharia contempoânea dos edifícios
e do perfil marítimo de Luanda, alguns museus e monumentos têm sido criados e o
último foi inaugurado ontem pelo camarada Presidente José Eduardo dos Santos: o
Monumento ao Soldado Desconhecido.
O
monumento é um sinal que cumpre necessidades de memória que se impõem, onde
quer que ele fosse erigido (também aí haveriam outras opções, entre elas, por
exemplo, a do Cemitério-Monumento do Kuito, onde cada campa é de um soldado
desconhecido)…
Foi
erigido na Marginal 4 de Fevereiro e faz juz a essa memória, à Luta pela
independência e a soberania de Angola e do que ela trouxe em benefício das
regiões Centrais, do Golfo da Guiné e Austrais do continente africano,
ombreando com outras memórias, como o Mausoléu dedicado ao Presidente Agostinho
Neto, ou o monumento sobre a batalha épica do Cuito Cuanavale, ou o monumento
marcante da batalha de Quifangondo!
3-
Os ciclos modernos da vida nacional em grande parte ainda são um arrasto
estrutural e humano do que advém do passado, das decisões que foram tomadas
pelo homem nesse passado, consequência duma visão sustentada a partir de quem
chega por mar à costa angolana e, nesse sentido, têm tudo a ver ainda com o que
o colonialismo implantou ao longo de séculos, quando Angola mal preparada está
ainda para os desafios próprios e compatíveis do século XXI.
Sintomaticamente
o Monumento ao Soldado Desconhecido veio ocupar o espaço onde existia outra
memória: a de um padrão dos tempos da dilatação da fé e do império colonial,
numa cidade capital onde existe a maior concentração de fortalezas coloniais em
todo o espaço nacional!
É
evidente que a construção da identidade nacional tem esse tipo de suportes e
contrastes, próprios dos pólos de desenvolvimento que apressadamente foram
construídos no período derradeiro do colonialismo, mas não se poderá resumir a
eles e as visões de futuro que se impõem para o país, legitimam aspirações que
são contraditórias aos enredos estruturantes que advêm do passado, em especial
desse passado colonial.
A
memória do Soldado Desconhecido é assim uma nota no compasso do tempo histórico
e antropológico angolano, implantado num ambiente feito de contrastes, mas é
também um incentivo, até por causa desse seu enquadramento, no sentido de que a
visão de futuro sobre Angola em paz, não se limite mais ao que prende o homem à
amenidade relativa do mar, mas o impulsione em direcção ao imenso espaço vital
interior, onde a construção da identidade nacional tem sido tão decisiva quanto
marcada pelas principais batalhas que os angolanos foram obrigados a travar
para serem soberanos e independentes, contribuindo para a independência e a
soberania de outros povos e nações e darem seguimento na construção duma pátria
digna para todos os seus filhos!
Martinho
Júnior | Luanda,
24 de setembro de 2017
Fotos
do imediatamente antes e do depois, no mesmo local fronteiro à Marginal 4 de
fevereiro de Luanda.
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