Manuel
Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
O
debate político em torno do Orçamento do Estado (OE), dominado nos meios de
Comunicação Social pela Direita, trouxe consigo inúmeras perplexidades. Ouvimos
repetidas vezes que o OE para o próximo ano é despesista e que os ganhos
fiscais do atual crescimento económico, que reforçam as receitas do Estado,
deveriam estar consagrados ao pagamento da dívida pública. Para enganar o povo,
a Direita compara de forma simplista o OE a um orçamento familiar, esquecendo
que, ao contrário do que acontece com as famílias, as decisões de despesa e de
investimento dos OE influenciam as receitas que serão obtidas e, logo, o saldo
final.
Observa-se
um enorme esforço argumentativo no sentido de voltarem a convencer os
portugueses de que as causas da crise que explodiu em 2007/2008 foram os gastos
do Estado com políticas sociais e pensões de reforma, com educação e saúde, com
salários da Administração Pública (AP), quando está provado até à exaustão que
ela emergiu de uma crise financeira internacional - demolidora para países como
o nosso - e se agravou por efeito da podridão do nosso sistema bancário, dos
negócios promíscuos entre o Estado e grandes interesses privados e pela falta
de uma estratégia de desenvolvimento articulada e sustentada. A austeridade e
os cortes a ela associados foram injustos e indignos para a esmagadora maioria
dos portugueses e só trouxeram recessão, falências, desemprego, regressão
social e um aumento do peso da dívida no PIB.
Nos
últimos três anos, tem sido graças à reposição de rendimentos e direitos das
pessoas que o consumo interno cresce, ajudado também pelo bom comportamento do
turismo. Este crescimento, que se traduz em mais receita fiscal, pode gerar um
crescimento económico nominal suficiente para colocar a dívida pública numa
trajetória descendente. Por outro lado, não esqueçamos que quando o Estado
corta na despesa com saúde, ensino ou proteção social está a retirar
rendimentos às pessoas.
Uma
variante do discurso da Direita é o da injustiça social deste OE que, dizem,
traz ganhos aos trabalhadores do setor público em detrimento dos trabalhadores
do privado. Significa isto que a Direita está preocupada com a melhoria das
condições de trabalho e de vida dos trabalhadores do setor privado? Não. Os
objetivos da Direita são outros: i) evitar discutir a justiça das medidas em
causa, nomeadamente no que ao descongelamento das carreiras diz respeito; ii)
retirar do debate público a descida do IRS que resultará em ganhos salariais
para todos os trabalhadores; iii) tentar, pela enésima vez, colocar os
funcionários públicos contra os trabalhadores do setor privado, como ainda
recentemente colocava os "privilegiados" da Autoeuropa contra os do
setor da restauração e amanhã colocará os portugueses contra os estrangeiros;
iv) dificultar a reposição salarial na AP e tentar evitar que ela possa
influenciar positivamente as negociações salariais no privado; v) travar o mais
possível a subida do SMN ou a reanimação da contratação coletiva, tão
necessários para melhorar a vida dos trabalhadores do setor privado.
Em
suma, a Direita procura, a todo custo, passar a normalidade duradoura o que foi
antes apresentado como "estado de exceção" devido à crise. Para
atingir os seus objetivos vale tudo na sua propaganda. Mentem quando dizem que
não houve desemprego de professores e na Administração Pública, quando comparam
salários dos funcionários públicos com os do privado sem considerarem qualificações.
E é elucidativo ver que esquecem os argumentos do pagamento da dívida quando
reclamam redução de impostos sobre rendimentos do capital ou de património.
Esta
histeria à Direita não pode, no entanto, dar azo a complacência à Esquerda. O
garrote europeu em torno do Orçamento e da dívida mantém-se, como ficou bem
claro em declarações feitas esta semana por dirigentes da União Europeia.
Continuamos numa situação de grande vulnerabilidade económico-financeira face a
qualquer instabilidade internacional que pode fazer com que a dívida se torne
novamente num enorme problema, não por causa de infundados despesismos
públicos, mas devido a determinações dos poderes que nos são alheios,
nomeadamente da finança internacional e suas instituições políticas.
*Investigador
e professor universitário
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