Martinho Júnior | Luanda
Em
saudação ao 11 de Novembro de 2017, 42º aniversário da independência de Angola,
com uma atenção especial em relação a Cabinda.
Nota
prévia:
As
fontes angolanas e cubanas estão a ser relativamente desprezadas na apreciação
histórica sobre muitos dos acontecimentos relativos à história contemporânea de
Angola (desde 1950 até nossos dias), ou em alguns casos são fontes vistas “sob
suspeita”, alegadamente “por que não preenchem os quesitos objectivos do
estudo dos acontecimentos”?...
Desse
modo as narrativas que tendem a surgir na primeira linha das atenções são as de
alguns historiadores portugueses (os que na esteira spinolista dos 25 de Novembro
de 1975 tenho apontado como continuadores da “mentalidade não
descolonizada”) e sul-africanos identificados antes com o próprio “apartheid”,
ou de correntes que fazem aproveitamentos delas (inclusive com intervenientes
que se dizem angolanos), havendo casos das narrativas serem produzidas por
autores que são parte integrante da própria história.
Isso
reflecte também a capacidade e poder de difusão das editoras, assim como a
previsão do espaço humano a que se destinam os livros, os leitores e registe-se
que as edições cubanas são as que mais dificilmente estão disponíveis em
Portugal, em Angola, pior ainda na África do Sul e, em muitos casos, há em
relação a elas medidas que são autêntica contrapropaganda sustentada sobretudo
nos e a partir dos Estados Unidos, ou África do Sul.
Assim
as fontes em Portugal reportam “reflexos condicionados” em relação
aos processos coloniais, escapando quantas vezes ao contraditório, tal como
acontece no que à África do Sul diz respeito, agravadas pelo facto do “apartheid” ter
sido mais longevo que o colonialismo português e os autores estarem de algum
modo ligados aos instrumentos do poder do “apartheid” e das suas
sequelas, entre elas as sequelas “mentais” de referência opcional.
Desse
modo, enquanto num espaço (Portugal e África do Sul), as narrativas são feitas
muitas vezes por apreciações e focos dos temas em função das doutrina e
ideologias que compõem a “civilização judaico-cristã ocidental”, o que
implica uma“instrumentalização” da observação histórica, a que estão muito
atentos, por exemplo, os que compõem as fileiras de correntes como as do “Le
Cercle”, (exemplo: Jogos Africanos de Jaime Nogueira Pinto), já no espaço de
Angola e de Cuba as posições de observação e aproximação aos fenómenos
históricos são outros, ligados a correntes afins à revolução (em Cuba) ou mais
ao patriotismo identificado com Agostinho Neto (em Angola).
Enquanto
houverem paredes e linhas de pensamento estruturalista em processos
sintomaticamente dominantes, vão haver tendências que se podem aproximar de, ou
mesmo fomentar, correntes actuais de ingerência e manipulação, por que em
bastas“linhas mentais” portuguesas e do “apartheid”, identificáveis
nas opções de suas doutrinas, filosofias e ideologias, fazem-se as leituras que
tendem a suportar as correntes originalmente etno-nacionalistas, reflectindo
aliás as leituras que por exemplo fazem da“descolonização” (exemplo
português, que quantas vezes dá preferência às correntes spinolistas e
social-democratas do após 25 de Novembro de 1975), ou da batalha do Cuito
Cuanavale, no caso das abordagens sul-africanas, por via de correntes que dão
continuidade às “amarras mentais” do “apartheid”.
Por tudo isso vale a pena conhecer a leitura de “ALCORA, o acordo secreto do colonialismo”, para melhor se compreenderem as muitas sequelas que se reflectem no plasma da sociedade angolana do momento e alimentam (pre)conceitos nos quadros de muitas opções portuguesa e sul-africana de investigação e abordagem histórica.
8-
O brigadeiro Themudo Barata, portou-se no cargo de Governador de Distrito de
Cabinda como um spinolista “federalista”, que pretendia dar corpo à FLEC
catapultando para dentro dela as Tropas Especiais às ordens de Alexandre Tati e
com isso contribuir para fomentar mais um etno-nacionalismo em Angola, tal como
antes as autoridades coloniais fizeram com o enquadramento e projecção de
Savimbi (Operação Madeira).
O
brigadeiro Themudo Barata é finalmente deposto a 31 de Outubro de 1974, em
acontecimentos que deram sequência (e estão associados) à derrota do próprio
general António Spínola em Lisboa, a 28 de Setembro de 1974...
Foi
o MPLA e o Movimento das Forças Armadas Portuguesas que derrotaram o plano
spinolista em desespero de causa em Cabinda, depois da derrota do general
António Spínola em Lisboa e nenhum outro etno-nacionalismo estava em 1974
presente naquele então Distrito…
A
unidade de acção entre os progressistas do MFA e o MPLA desde logo em Cabinda,
reflectia a declaração política de contingência do camarada Presidente
Agostinho Neto no Alvor: que o Movimento das Forças Armadas Portuguesas deu um
sinal no sentido de se assumir como o 4º movimento de libertação!
Em
Portugal, o PPD (mais tarde PSD), o CDS e o PS de Mário Soares, não surgem como
apoiantes directos do general António de Spínola… pois tentavam já antecipar os
ganhos que a social-democracia portuguesa teria com e desde o 25 de Novembro de
1975.
Assim
eram correntes conservadoras e de ultradireita (o Partido do Progresso e o
Partido Liberal) que foram “queimados” nesse apoio, vindo a ser
dissolvidos pouco depois do 28 de Setembro de 1974…
O
Jornal Avante recorda os acontecimentos em Portugal a 28 de Setembro de 1974:
“O
ultimato de Spínola ao Governo no dia 27 [...] levou o PCP,[...] a tomar
durante toda a noite medidas para impedir, pela acção das massas populares, a
manifestação e o golpe. [...]
Spínola
considerava [...] a «manifestação da maioria silenciosa» como imparável e a
batalha como ganha. [...]
Não
contou porém com a posição contrária à manifestação, assumida por comandos
militares em algumas regiões.
Nem
com as declarações públicas e manifestações unitárias.
Nem
com a espontânea participação de soldados nas acções populares.
Nem
com medidas, embora atrasadas, designadamente a proibição das actividades
fascistas dos partidos «Liberal» e «do Progresso», e a publicação dos seus
jornais, a realização de buscas às sedes, a apreensão de documentos
comprometedores e a prisão, anunciada no mesmo dia 28, de cerca de uma centena
de conhecidos e destacados fascistas (antigos ministros e dirigentes da ANP).
[...]
E
não contou sobretudo com dois factores que se revelaram decisivos:
Um,
a força das massas populares demonstrada na resistência ao avanço da ofensiva
contra-revolucionária, na vigilância, na preparação organizativa e psicológica
para a resposta no próprio dia 28.
Outro, a
capacidade do PCP e do movimento operário para, após o inesperado ultimato, nas
poucas horas de uma noite, mobilizarem as massas para uma intervenção, que
teria de ser poderosa para derrotar a gigantesca operação contra-revolucionária
em curso.”
9-
Aqueles que se têm vindo a debruçar em Angola, sobre as grandes batalhas que
foram travadas no país, têm tido tecnicamente dificuldade em definir conceitos
que são inerentes aos aspectos militares desses acontecimentos, podendo
contribuir para lançar a confusão por um lado entre a ordem táctica e a
estratégica, bem como acerca das definições necessárias sobre batalhas,
operações e combates, além das características de que lhes está associado e
respectivos “timings”.
De
facto o camarada general Paulo Lara levantou recentemente essa questão, na sua
intervenção sob o título O MEMORIAL DA BATALHA DO CUITO CUANAVALE E A HISTÓRIA,
publicado no Novo Jornal.
Interessa
reter dessa publicação a seguinte transcrição:
“E
é igualmente importante:
que
tenha existido o cuidado de homenagear nominalmente o maior número dos heróis
tombados durante o período da BCC com os seus nomes devidamente evidenciados;
que
o Memorial esclareça a confusão criada entre os conceitos de “Batalha”,
“Operação” e “Combate” e principalmente entre a “Batalha do Cuito
Cuanavale” e o “Combate do Tumbo”;
que
esteja esclarecida a extensão e profundidade da BCC; as Regiões, Agrupações e
Unidades que nela participaram; as datas em que ela iniciou e terminou; as
principais operações e combates que a integraram; identificados os principais
comandantes aos diferentes níveis; o sistema de direcção criado desde o
estratégico ao tactico. [É nosso entender que se se considera a Batalha do
Cuito Cuanavale como símbolo da derrota contra as SADF e consequentemente da
libertação da Namíbia e termino do regime do apartheid, a Frente do Cunene onde
se realizou o golpe final contra as SADF ser parte integrante da BCC];
que
esteja explicado o funcionamento e papel desempenhado pelo Centro de
Direcção das Operações (CDO) dirigido pelo Comandante em Chefe das FAPLA e que
integrava o Ministro da Defesa e o Chefe do Estado Maior General assim como os
Chefes da Missão Militar Cubana [MMCA] e a da Missão Militar
Soviética em Angola [MMSA];
que
estejam integrados neste Memorial e explicados os principais “combates”
realizados como os de Setembro de 1987 no rio Lomba, os de Outubro no
Lungue-Bungo (Moxico), os de Novembro em Chambinga com a 16ª Brigada; os de
Fevereiro de 1988 no famoso duelo de tanques entre forças da 21ª, 59ª Brigadas,
Grupo Tactico Cubano e as SADF (forças sul-africanas) entre outros;
que
no Memorial esteja referenciado, para além das SADF, o papel exercido pelas
FALA (Forças Armadas da UNITA) e a sua Direcção ao longo do período da BCC nas
diferentes frentes;
que
no Memorial esteja clarificado o papel das forças cubanas e assessores
soviéticos ao longo da BCC, na sua real dimensão e isenta de reinterpretações a
posteriori, suceptíveis de serem feitas por qualquer das partes intervenientes;
que
seja rigorosamente verificada a linguagem utilizada na terminologia militar ou
na identificação de objectos ou localidades, para não corrermos o risco de
que termos como “Triângulo do Tumpo” ou “Caixa de Chambinga” de origem das SADF
sul-africanas passem a fazer parte do nosso vocabulário.
que
não se deixe de referenciar a importância da BCC no surgimento da primeira
doutrina militar elaborada unicamente por oficiais angolanos – “O Novo
Pensamento Militar”, que viria a alterar profundamente a organização
político-militar e operacional no teatro de operações militares nos anos
seguintes.”
10-
Creio que em relação aos acontecimentos prévios no que a Cabinda diz respeito,
há que passar em revista as narrativas dos partícipes angolanos do MPLA, para
depois melhor perceber os factos da batalha propriamente dita por alturas das
disputas da independência de Angola a 11 de Novembro de 1975, com a vantagem de
também Cabinda nesse aspecto ser um laboratório: é relativamente mais fácil
definir o campo de manobra, os timings, os fenómenos humanos do antes, do
durante e do depois em relação à batalha de Cabinda, do que em relação a Quifangondo
e ao Ebo!
Na
primeira fase das operações do MPLA em Cabinda entre 25 de Abril de 1974 e o 11
de Novembro de 1975, o contencioso agravou-se em torno da posição spinolista do
brigadeiro Themudo Barata, então governador daquele distrito até 31 de Outubro
de 1974, que à revelia dos acordos protegeu a FLEC, dando assim sequência
ao trabalho do colonialismo português envolvendo Alexandre Tati e os seus
subordinados (Tropas Especiais), dentro e fora do território.
O
ano de 1975, já sem os impactos directos do “spinolismo”, mas com eles
transferidos para a gerência de Mobutu e da CIA, possibilita a noção dos
contenciosos decisivos de então e da correlação de forças entre os que se
aliaram ao movimento de libertação em África e os arquitectos e engenheiros de
tudo que ao etno-nacionalismo dissesse respeito, algo que é obrigatório
levar-se em atenção até aos nossos dias, pois a FLEC sendo um artifício
etno-nacionalista que se arrasta no tempo, tem o vigor que os interesses seus
aliados quiserem!
Observar
também esse campo de manobra não perdendo de vista o alcance, em termos de
sequelas, do Exercício ALCORA, o pacto secreto do colonialismo português, com
os rodesianos e o “apartheid” e tendo em conta que os partidos
portugueses social-democratas do após 25 de Novembro de 1975 em Portugal (os
partidos do “arco de governação”) terem fluído entre os apoios com que
contou o general António Spínola é sensível pois “descolonizar as mentes”,
vai continuar a demorar muito mais do que as descolonizações físico-geográficas
de então!
A “descolonização
mental” implica uma constante e acérrima crítica à social-hipocrisia e,
uma vez mais, afirmar-se indígena a justa apreciação histórica inerente ao
próprio movimento de libertação em África, que foi e só pode continuar a ser
enquanto capacidade dialética de entender os fenómenos, sem que alguma vez ela,
essa apreciação, possa fazer parte dos antigos e dos novos processos de
assimilação!
Martinho
Júnior | Luanda,
22 de Novembro de 2017
A
consultar de Martinho Júnior (além do sugerido nos dois números anteriores):
Angola
– 11 de Novembro de 1975 – Uma epopeia decisiva – I – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/11/angola-11-de-novembro-de-1975-uma.html
Angola
– 11 de Novembro de 1975 – Uma epopeia decisiva – II – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/11/angola-11-de-novembro-de-1975-uma_19.html
Ainda
o sonho africano do Che – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/ainda-o-sonho-africano-do-che.html
OS
CONFLITOS CONTEMPORÂNEOS NA ÁFRICA SUB-SAHARIANA – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/08/os-conflitos-contemporaneos-na-africa.html
A
consultar (para além do sugerido nos dois números anteriores):
AVANTE
– sobre o 28 de Setembro de 1974 – http://www.avante.pt/pt/1556/temas/2310/
O
28 de Setembro e a Maioria Silenciosa | Excerto de "Anos 70: Imagens duma
Década" – https://www.youtube.com/watch?v=EGFDiDRoIyc
A
conspiração da maioria silenciosa – http://etcetaljornal.pt/j/2014/11/28-de-setembro-a-conspiracao-da-maioria-silenciosa/
28
de Setembro – as histórias desse dia – http://videos.sapo.pt/IZhV3tqdtaZTCPGjnFmF
40
anos depois da “maioria silenciosa”: memórias do lado que perdeu – http://observador.pt/especiais/40-anos-depois-da-maioria-silenciosa-memorias-lado-que-perdeu/
Full
text of "State Dept cable 1977-257748" – https://archive.org/stream/State-Dept-cable-1977-257748/State%20Dept%20cable%201977-257748_djvu.txt
Um
dos homens sombra nos enredos de África em 1974 e 1975 – Tiny Rowland, a
very British spy? – https://www.dailymaverick.co.za/article/2017-10-16-declassified-apartheid-profits-tiny-rowland-a-very-british-spy#.WhbMVCaDNUF
O
MEMORIAL DA BATALHA DO CUITO CUANAVALE E A HISTÓRIA – http://paginaglobal.blogspot.com/2017/10/angola-o-memorial-da-batalha-do-cuito.html
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