domingo, 26 de novembro de 2017

Angola | 11 DE NOVEMBRO DE 1975 – UMA EPOPEIA DECISIVA - III



 Martinho Júnior | Luanda 

Em saudação ao 11 de Novembro de 2017, 42º aniversário da independência de Angola, com uma atenção especial em relação a Cabinda.

Nota prévia:

As fontes angolanas e cubanas estão a ser relativamente desprezadas na apreciação histórica sobre muitos dos acontecimentos relativos à história contemporânea de Angola (desde 1950 até nossos dias), ou em alguns casos são fontes vistas “sob suspeita”, alegadamente “por que não preenchem os quesitos objectivos do estudo dos acontecimentos”?...

Desse modo as narrativas que tendem a surgir na primeira linha das atenções são as de alguns historiadores portugueses (os que na esteira spinolista dos 25 de Novembro de 1975 tenho apontado como continuadores da “mentalidade não descolonizada”) e sul-africanos identificados antes com o próprio “apartheid”, ou de correntes que fazem aproveitamentos delas (inclusive com intervenientes que se dizem angolanos), havendo casos das narrativas serem produzidas por autores que são parte integrante da própria história.

Isso reflecte também a capacidade e poder de difusão das editoras, assim como a previsão do espaço humano a que se destinam os livros, os leitores e registe-se que as edições cubanas são as que mais dificilmente estão disponíveis em Portugal, em Angola, pior ainda na África do Sul e, em muitos casos, há em relação a elas medidas que são autêntica contrapropaganda sustentada sobretudo nos e a partir dos Estados Unidos, ou África do Sul.

Assim as fontes em Portugal reportam “reflexos condicionados” em relação aos processos coloniais, escapando quantas vezes ao contraditório, tal como acontece no que à África do Sul diz respeito, agravadas pelo facto do “apartheid” ter sido mais longevo que o colonialismo português e os autores estarem de algum modo ligados aos instrumentos do poder do “apartheid” e das suas sequelas, entre elas as sequelas “mentais” de referência opcional.

Desse modo, enquanto num espaço (Portugal e África do Sul), as narrativas são feitas muitas vezes por apreciações e focos dos temas em função das doutrina e ideologias que compõem a “civilização judaico-cristã ocidental”, o que implica uma“instrumentalização” da observação histórica, a que estão muito atentos, por exemplo, os que compõem as fileiras de correntes como as do “Le Cercle”, (exemplo: Jogos Africanos de Jaime Nogueira Pinto), já no espaço de Angola e de Cuba as posições de observação e aproximação aos fenómenos históricos são outros, ligados a correntes afins à revolução (em Cuba) ou mais ao patriotismo identificado com Agostinho Neto (em Angola).
Enquanto houverem paredes e linhas de pensamento estruturalista em processos sintomaticamente dominantes, vão haver tendências que se podem aproximar de, ou mesmo fomentar, correntes actuais de ingerência e manipulação, por que em bastas“linhas mentais” portuguesas e do “apartheid”, identificáveis nas opções de suas doutrinas, filosofias e ideologias, fazem-se as leituras que tendem a suportar as correntes originalmente etno-nacionalistas, reflectindo aliás as leituras que por exemplo fazem da“descolonização” (exemplo português, que quantas vezes dá preferência às correntes spinolistas e social-democratas do após 25 de Novembro de 1975), ou da batalha do Cuito Cuanavale, no caso das abordagens sul-africanas, por via de correntes que dão continuidade às “amarras mentais” do “apartheid”.

Por tudo isso vale a pena conhecer a leitura de “ALCORA, o acordo secreto do colonialismo”, para melhor se compreenderem as muitas sequelas que se reflectem no plasma da sociedade angolana do momento e alimentam (pre)conceitos nos quadros de muitas opções portuguesa e sul-africana de investigação e abordagem histórica.


8- O brigadeiro Themudo Barata, portou-se no cargo de Governador de Distrito de Cabinda como um spinolista “federalista”, que pretendia dar corpo à FLEC catapultando para dentro dela as Tropas Especiais às ordens de Alexandre Tati e com isso contribuir para fomentar mais um etno-nacionalismo em Angola, tal como antes as autoridades coloniais fizeram com o enquadramento e projecção de Savimbi (Operação Madeira).

O brigadeiro Themudo Barata é finalmente deposto a 31 de Outubro de 1974, em acontecimentos que deram sequência (e estão associados) à derrota do próprio general António Spínola em Lisboa, a 28 de Setembro de 1974...

Foi o MPLA e o Movimento das Forças Armadas Portuguesas que derrotaram o plano spinolista em desespero de causa em Cabinda, depois da derrota do general António Spínola em Lisboa e nenhum outro etno-nacionalismo estava em 1974 presente naquele então Distrito…

A unidade de acção entre os progressistas do MFA e o MPLA desde logo em Cabinda, reflectia a declaração política de contingência do camarada Presidente Agostinho Neto no Alvor: que o Movimento das Forças Armadas Portuguesas deu um sinal no sentido de se assumir como o 4º movimento de libertação!

Em Portugal, o PPD (mais tarde PSD), o CDS e o PS de Mário Soares, não surgem como apoiantes directos do general António de Spínola… pois tentavam já antecipar os ganhos que a social-democracia portuguesa teria com e desde o 25 de Novembro de 1975.

Assim eram correntes conservadoras e de ultradireita (o Partido do Progresso e o Partido Liberal) que foram “queimados” nesse apoio, vindo a ser dissolvidos pouco depois do 28 de Setembro de 1974…

O Jornal Avante recorda os acontecimentos em Portugal a 28 de Setembro de 1974:

“O ultimato de Spínola ao Governo no dia 27 [...] levou o PCP,[...] a tomar durante toda a noite medidas para impedir, pela acção das massas populares, a manifestação e o golpe. [...]

Spínola considerava [...] a «manifestação da maioria silenciosa» como imparável e a batalha como ganha. [...]

Não contou porém com a posição contrária à manifestação, assumida por comandos militares em algumas regiões.

Nem com as declarações públicas e manifestações unitárias.

Nem com a espontânea participação de soldados nas acções populares.

Nem com medidas, embora atrasadas, designadamente a proibição das actividades fascistas dos partidos «Liberal» e «do Progresso», e a publicação dos seus jornais, a realização de buscas às sedes, a apreensão de documentos comprometedores e a prisão, anunciada no mesmo dia 28, de cerca de uma centena de conhecidos e destacados fascistas (antigos ministros e dirigentes da ANP). [...]

E não contou sobretudo com dois factores que se revelaram decisivos:

Um, a força das massas populares demonstrada na resistência ao avanço da ofensiva contra-revolucionária, na vigilância, na preparação organizativa e psicológica para a resposta no próprio dia 28.

Outro, a capacidade do PCP e do movimento operário para, após o inesperado ultimato, nas poucas horas de uma noite, mobilizarem as massas para uma intervenção, que teria de ser poderosa para derrotar a gigantesca operação contra-revolucionária em curso.”

9- Aqueles que se têm vindo a debruçar em Angola, sobre as grandes batalhas que foram travadas no país, têm tido tecnicamente dificuldade em definir conceitos que são inerentes aos aspectos militares desses acontecimentos, podendo contribuir para lançar a confusão por um lado entre a ordem táctica e a estratégica, bem como acerca das definições necessárias sobre batalhas, operações e combates, além das características de que lhes está associado e respectivos “timings”.

De facto o camarada general Paulo Lara levantou recentemente essa questão, na sua intervenção sob o título O MEMORIAL DA BATALHA DO CUITO CUANAVALE E A HISTÓRIA, publicado no Novo Jornal.

Interessa reter dessa publicação a seguinte transcrição:

“E é igualmente importante:
que tenha existido o cuidado de homenagear nominalmente o maior número dos heróis tombados durante o período da BCC com os seus nomes devidamente evidenciados;
que o Memorial esclareça a confusão criada entre os conceitos de “Batalha”, “Operação” e “Combate” e principalmente entre a “Batalha do Cuito Cuanavale”  e o “Combate do Tumbo”;
que esteja esclarecida a extensão e profundidade da BCC; as Regiões, Agrupações e Unidades que nela participaram; as datas em que ela iniciou e terminou; as principais operações e combates que a integraram; identificados os principais comandantes aos diferentes níveis; o sistema de direcção criado desde o estratégico ao tactico. [É nosso entender que se se considera a Batalha do Cuito Cuanavale como símbolo da derrota contra as SADF e consequentemente da libertação da Namíbia e termino do regime do apartheid, a Frente do Cunene onde se realizou o golpe final contra as SADF ser parte integrante da BCC];
que esteja explicado o funcionamento e  papel desempenhado pelo Centro de Direcção das Operações (CDO) dirigido pelo Comandante em Chefe das FAPLA e que integrava o Ministro da Defesa e o Chefe do Estado Maior General assim como os Chefes da  Missão Militar Cubana [MMCA] e a da Missão Militar Soviética em Angola [MMSA];
que estejam integrados neste Memorial e explicados os principais “combates” realizados como os de Setembro de 1987 no rio Lomba, os de Outubro no Lungue-Bungo (Moxico), os de Novembro em Chambinga com a 16ª Brigada; os de Fevereiro de 1988 no famoso duelo de tanques entre forças da 21ª, 59ª Brigadas, Grupo Tactico Cubano e as SADF (forças sul-africanas) entre outros;
que no Memorial esteja referenciado, para além das SADF, o papel exercido pelas FALA (Forças Armadas da UNITA) e a sua Direcção ao longo do período da BCC nas diferentes frentes;
que no Memorial esteja clarificado o papel das forças cubanas e assessores soviéticos ao longo da BCC, na sua real dimensão e isenta de reinterpretações a posteriori, suceptíveis de serem feitas por qualquer das partes intervenientes;
que seja rigorosamente verificada a linguagem utilizada na terminologia militar ou na identificação de objectos ou localidades, para não corrermos o risco de que termos como “Triângulo do Tumpo” ou “Caixa de Chambinga” de origem das SADF sul-africanas passem a fazer parte do nosso vocabulário.
que não se deixe de referenciar a importância da BCC no surgimento da primeira doutrina militar elaborada unicamente por oficiais angolanos – “O Novo Pensamento Militar”, que viria a alterar profundamente a organização político-militar e operacional no teatro de operações militares nos anos seguintes.”

10- Creio que em relação aos acontecimentos prévios no que a Cabinda diz respeito, há que passar em revista as narrativas dos partícipes angolanos do MPLA, para depois melhor perceber os factos da batalha propriamente dita por alturas das disputas da independência de Angola a 11 de Novembro de 1975, com a vantagem de também Cabinda nesse aspecto ser um laboratório: é relativamente mais fácil definir o campo de manobra, os timings, os fenómenos humanos do antes, do durante e do depois em relação à batalha de Cabinda, do que em relação a Quifangondo e ao Ebo!

Na primeira fase das operações do MPLA em Cabinda entre 25 de Abril de 1974 e o 11 de Novembro de 1975, o contencioso agravou-se em torno da posição spinolista do brigadeiro Themudo Barata, então governador daquele distrito até 31 de Outubro de 1974, que à revelia dos acordos protegeu a FLEC, dando assim sequência ao trabalho do colonialismo português envolvendo Alexandre Tati e os seus subordinados (Tropas Especiais), dentro e fora do território.

O ano de 1975, já sem os impactos directos do “spinolismo”, mas com eles transferidos para a gerência de Mobutu e da CIA, possibilita a noção dos contenciosos decisivos de então e da correlação de forças entre os que se aliaram ao movimento de libertação em África e os arquitectos e engenheiros de tudo que ao etno-nacionalismo dissesse respeito, algo que é obrigatório levar-se em atenção até aos nossos dias, pois a FLEC sendo um artifício etno-nacionalista que se arrasta no tempo, tem o vigor que os interesses seus aliados quiserem!

Observar também esse campo de manobra não perdendo de vista o alcance, em termos de sequelas, do Exercício ALCORA, o pacto secreto do colonialismo português, com os rodesianos e o “apartheid” e tendo em conta que os partidos portugueses social-democratas do após 25 de Novembro de 1975 em Portugal (os partidos do “arco de governação”) terem fluído entre os apoios com que contou o general António Spínola é sensível pois “descolonizar as mentes”, vai continuar a demorar muito mais do que as descolonizações físico-geográficas de então!  

A “descolonização mental” implica uma constante e acérrima crítica à social-hipocrisia e, uma vez mais, afirmar-se indígena a justa apreciação histórica inerente ao próprio movimento de libertação em África, que foi e só pode continuar a ser enquanto capacidade dialética de entender os fenómenos, sem que alguma vez ela, essa apreciação, possa fazer parte dos antigos e dos novos processos de assimilação!

Martinho Júnior | Luanda, 22 de Novembro de 2017

A consultar de Martinho Júnior (além do sugerido nos dois números anteriores):

Angola – 11 de Novembro de 1975 – Uma epopeia decisiva – I – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/11/angola-11-de-novembro-de-1975-uma.html
Angola – 11 de Novembro de 1975 – Uma epopeia decisiva – II – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/11/angola-11-de-novembro-de-1975-uma_19.html
OS CONFLITOS CONTEMPORÂNEOS NA ÁFRICA SUB-SAHARIANA – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/08/os-conflitos-contemporaneos-na-africa.html

A consultar (para além do sugerido nos dois números anteriores):

AVANTE – sobre o 28 de Setembro de 1974 – http://www.avante.pt/pt/1556/temas/2310/
O 28 de Setembro e a Maioria Silenciosa | Excerto de "Anos 70: Imagens duma Década" – https://www.youtube.com/watch?v=EGFDiDRoIyc
28 de Setembro – as histórias desse dia – http://videos.sapo.pt/IZhV3tqdtaZTCPGjnFmF
40 anos depois da “maioria silenciosa”: memórias do lado que perdeu – http://observador.pt/especiais/40-anos-depois-da-maioria-silenciosa-memorias-lado-que-perdeu/ 
Um dos homens sombra nos enredos de África em 1974 e 1975 – Tiny Rowland, a very British spy? – https://www.dailymaverick.co.za/article/2017-10-16-declassified-apartheid-profits-tiny-rowland-a-very-british-spy#.WhbMVCaDNUF 
O MEMORIAL DA BATALHA DO CUITO CUANAVALE E A HISTÓRIA – http://paginaglobal.blogspot.com/2017/10/angola-o-memorial-da-batalha-do-cuito.html

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