As
“exigências” dos professores neste processo de luta nada tiveram de
extraordinário.
Mário
Nogueira | Público | opinião
A Declaração
de Compromisso, assinada entre o Governo e os sindicatos de professores, tem
dado origem às mais variadas apreciações. Pelo que se tem ouvido, boa parte dos
que têm comentado não leram o documento; uns quantos terão lido, mas não leram
o Estatuto da Carreira Docente e o que este estabelece para que se progrida na
carreira; há ainda um grupo que leu tudo, mas, independentemente do que
conseguiu perceber, o discurso que pretendia tornar público estava, a
priori, decidido, sendo indiferente se correspondia, ou não, à conclusão após a
leitura. É também justo referir aqueles que, com seriedade, têm abordado a
matéria, independentemente do que entendem sobre o tema.
Reações
curiosas e, por vezes, absurdas, não faltaram. Dos mesmos políticos que
manifestavam apoio à luta dos professores quando estes, em 15 de novembro,
fizeram greve e vieram para a rua, chegava a crítica ao compromisso que foi
assinado, que, segundo eles, significava a capitulação do Governo. Eu sei que à
direita é difícil compreender o significado de negociação e também é difícil
respeitar os sindicatos. Mas conviria que, na gestão dessas suas dificuldades,
não tentassem apanhar boleia para, com a luta dos outros e os resultados que
desta se obtêm, procurarem superar as suas insuficiências no plano político.
O
que tem movido muitos comentadores é questão diferente. Está-lhes no sangue
dizer mal dos professores, seja lá por que razão for. São incapazes de deixar
de denegrir os profissionais que a OCDE considera como dos mais competentes, a
ponto de lhes ser reconhecido o mérito pelos cada vez melhores resultados
obtidos pelos alunos portugueses no PISA. São incapazes de não morder os
calcanhares dos profissionais que, no conjunto de países da mesma OCDE, mais
eliminaram os maus resultados dos alunos.
Pensarão,
uns e outros, que a maledicência sobre os professores dá votos e recolhe simpatias.
Enganam-se. E enganam-se porque os pais conhecem os professores, não por aquilo
que deles ouvem dizer, mas pelo contacto que têm com os professores dos seus
filhos. E é por isso que, mesmo quando as campanhas contra os professores são
fortes, estes, nos estudos de opinião, nunca deixam de ocupar os lugares
cimeiros da simpatia, do respeito e da confiança dos portugueses. Por muito que
se esforcem alguns para obter o contrário.
De
tudo o que se tem ouvido nos tempos pós-Declaração de Compromisso, duas notas:
uma sobre a avaliação dos professores e o alegado automatismo da sua carreira,
outra sobre os custos da recomposição da carreira docente.
A
carreira dos docentes não depende, apenas, do tempo de serviço. Esse é
indispensável, mas esta carreira distingue-se de muitas outras pelo facto de a
progressão depender, ainda, de outros requisitos.
Vejamos:
o ingresso na carreira só acontece após a entrada num quadro, o que, para
muitos, demora mais de 20 anos. Antes do ingresso na carreira a avaliação é
anual e a possibilidade de contrato no ano seguinte depende dessa avaliação.
Quem está na carreira tem, anualmente, de elaborar os seus relatórios de
autoavaliação, para no ano anterior à mudança ser classificado e também
avaliado com menção qualitativa. São diversas as instâncias envolvidas neste
processo, desde a comissão de avaliação ao diretor, que é o dirigente do
serviço.
Assim,
temos o requisito tempo de serviço, a avaliação, nunca abaixo de Bom, e a
formação contínua, por norma, de 50 horas avaliadas, em cada módulo de tempo de
serviço. Para progredir a alguns escalões há, ainda, outros procedimentos:
observação de aulas no caso dos 3.º e 5.º; obtenção de vaga (a portaria está
agora a ser negociada) para chegar aos 5.º e 7.º. Há diferenciação que se expressa
pela possibilidade de atribuir Excelente e Muito Bom, em ambos os casos havendo
quotas a cumprir de, respetivamente, 5% e 20%. Quantas carreiras têm tais
exigências?
É
claro que para quem quer denegrir a imagem dos professores isto diz pouco.
Inventarão sempre outros argumentos para bater nos mesmos de sempre,
desrespeitando os professores vá-se lá saber por que razão. Apenas frustração?
Talvez...
Quanto
às “exigências” dos professores neste processo de luta, nada tiveram de
extraordinário. Exigiram que lhes fosse considerado o tempo em que trabalharam
e que o descongelamento da sua carreira se fizesse nos moldes do
descongelamento geral de carreiras, recusando ser discriminados. Exigir isto é
exigir muito? Para alguns será, porque, lá está, não terão superado uns quantos
problemas existenciais.
Seja
o que for que impele alguns a assumir posições deste tipo, o mais grave de tudo
não é que deem a sua opinião, mas que procurem manipular a opinião dos outros
recorrendo a truques e mentiras, por exemplo, afirmando que os professores
exigiam o pagamento de retroativos, o que é falso. Ou seja, optaram por não ser
sérios.
*
Secretário-geral da Fenprof
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