Pierre
Lévy [*]
A
surpresa é total, a informação inédita, o furo é incrível: a fraude e a evasão
fiscais vicejariam nos quatro cantos do planeta, por meio dos paraísos fiscais.
Foi preciso nada menos que um consórcio de 96 media internacionais e de 400
jornalistas para apoiar uma tal revelação, doravante conhecida sob a expressão
(forçosamente) inglesa de "Paradise papers".
Mais ainda do que nos casos anteriores (Primavera 2016, Outono 2016), foi desencadeada uma torrente editorial listando os segredos das multinacionais mencionadas, cobrindo de opróbrio os bilionários implicados. A seguir aos grandes media, os responsáveis políticos, com todas as tendências confundidas – em França e alhures – foram prontos e (quase) unânimes a indignarem-se.
Os ministros das Finanças dos 28 de imediato comprometeram-se a reforçar a luta contra as "práticas fiscais agressivas", ainda que legais. A Comissão Europeia apontou com meias palavras os Estados membros que arrastam os pés como suspeito de um dumping fiscal deselegante (Malta, Irlanda, Luxemburgo...). Em Bruxelas, bons espíritos oportunamente aproveitaram a ocasião para martelar que a regra da unanimidade que subsiste apenas do domínio fiscal – para preservar um dedo de soberania nacional – estava decididamente obsoleta.
Face a um tal consenso, convém preservar o espírito crítico. E em primeiro lugar sublinhar que a indignação face a prática "chocantes" substitui o terreno da política pelo da moral – o que é o meio mais seguro de enganar os povos.
Em seguida, a insistência recorrente quanto à necessidade combater este
"rumo da globalização" põe a pergunta: será mesmo do "rumo"
que se trata? No fundo, a mensagem subliminar dirigida à plebe é a seguinte: se
apenas chegássemos a limitar e a civilizar a "cupidez" das grandes
firmas e a "avidez" dos bilionários, poderíamos finalmente lucrar com
uma globalização feliz.Mais ainda do que nos casos anteriores (Primavera 2016, Outono 2016), foi desencadeada uma torrente editorial listando os segredos das multinacionais mencionadas, cobrindo de opróbrio os bilionários implicados. A seguir aos grandes media, os responsáveis políticos, com todas as tendências confundidas – em França e alhures – foram prontos e (quase) unânimes a indignarem-se.
Os ministros das Finanças dos 28 de imediato comprometeram-se a reforçar a luta contra as "práticas fiscais agressivas", ainda que legais. A Comissão Europeia apontou com meias palavras os Estados membros que arrastam os pés como suspeito de um dumping fiscal deselegante (Malta, Irlanda, Luxemburgo...). Em Bruxelas, bons espíritos oportunamente aproveitaram a ocasião para martelar que a regra da unanimidade que subsiste apenas do domínio fiscal – para preservar um dedo de soberania nacional – estava decididamente obsoleta.
Face a um tal consenso, convém preservar o espírito crítico. E em primeiro lugar sublinhar que a indignação face a prática "chocantes" substitui o terreno da política pelo da moral – o que é o meio mais seguro de enganar os povos.
Ora, é preciso recordar esta verdade que nunca provoca manchetes: a evasão fiscal não poderia existir de modo algum, pelo menos nesta escala, se a livre circulação dos capitais não tivesse sido erigida em artigo de fé, em particular nos tratados europeus. Quem se lembra que antes da década de 1980 todo movimento de capitais era estritamente regulamentado e devia ser declarado? A União Europeia dinamitou este "arcaísmo".
Portanto, a indignação oficial contra a evasão fiscal poderia ser uma espécie de engodo, obscurecendo deliberadamente a verdadeira natureza do fenómeno: uma escolha política de "liberdade", que os oligarcas globalizados pretendem manter a todo custo.
Por outro lado, dão-nos a entender, tudo poderia correr bem melhor se as multinacionais e os hiper-ricos contribuíssem razoavelmente para os orçamentos públicos através dos impostos. Mas há uma questão que nunca é colocada: como se constituem os milhares de milhões de lucros e de fortunas? Para citar apenas um exemplo, o riquíssimo Xavier Niel, proprietário de Free (e accionista de referência do Monde ) é coberto de vergonha porque ele teria abrigado suas pequenas economias nos trópicos. Mas quando um documentário revelou recentemente a verdadeira origem da sua fortuna – a exploração pura e dura de milhares de assalariados, verdadeiros escravos modernos – a repercussão mediática foi ligeiramente mais modesta... E não é de admirar: este é o próprio fundamento do sistema.
Pois o problema não é em primeiro lugar o que revertem – ou não – os detentores de capitais, mas a capacidade destes de prosperar unicamente na base da exploração do trabalho daqueles que não têm senão os seus braços e a sua cabeça para viver. Colocar o projector da indignação na consequência pode constituir o meio mais seguro de escamotear a natureza profunda do problema. Na Opera dos três vintens, de Bertold Brecht, um dos seus heróis dizia: "o que é o assalto a um banco comparado à fundação de um banco?" .
Enfim, aqui e ali, alguns dão a entender e explicam: se não limitarmos a evasão fiscal dos oligarcas, corremos o risco de o "populismo" se desenvolver ainda mais. Mas tentar surfar sobre a cólera popular para melhor distrair do essencial não será, precisamente, uma boa definição do "populismo"?
À força de brincar com o fogo (da indignação), os aprendizes de feiticeiros mediáticos poderiam um dia ter algumas surpresas.
27/Novembro/2017
Ver
também:
[*] Redactor-chefe de Ruptures.
O original encontra-se em https://ruptures-presse.fr/actu/paradise-evasion-fortune-leurre-niel/
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
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