sábado, 2 de dezembro de 2017

Respeitar o povo, para a direita, é uma questão "comezinha"



Zillah Branco* | opinião

O Partido Socialista em Portugal, ao formar governo apoiado pela esquerda com a qual alcançou a maioria eleitoral em 2015, abriu um novo percurso ao país europeu tratado como um dos mais pobres do continente europeu. A elite de direita que comandava o governo desde a eleição de Mario Soares em 1976 quando aceitou as orientações de Kissinger, pelos Estados Unidos, e da Democracia Social europeia, procurou apagar as conquistas da Revolução do 25 de Abril que permitira ao povo organizado na reforma agrária e nos sindicatos construir um caminho verdadeiramente democrático para toda a nação.

Em alternados governos do antigo PS e do PSD, Portugal foi diluindo o respeito pelas questões sociais que atendiam ao desenvolvimento humano e social da sua gente, e prestando vénias à elite europeia filiada ao imperialismo estadunidense com a criação da União Europeia. Tais vénias tornaram-se visíveis pelos gestos de política subserviente nas acções invasoras da NATO no Oriente Médio e Norte da Africa, além da participação na destruição da Jugoslávia, e no recurso a créditos vorazes do Banco Europeu para obras megalómanas que serviram interesses estrangeiros no "pobre" país enfeitado com recursos de luxo para receber turistas e favorecer mercados externos. Enfim, a conhecida fórmula da colonização que destrói as forças produtivas nacionais e importa os maus hábitos do consumismo das sociedades ricas vestidos de "modernidade desenvolvimentista".

Mas a história caminha com a dialética como parceira. As crueldades contra os dominados despertam as consciências éticas e valorizam as associações para a luta do povo unido. O pensamento progressista disseminou-se tanto pela via política de esquerda como pela noção de dignidade e solidariedade dos que não se satisfazem com riquezas supérfluas e costumam olhar com interesse a realidade social que os cerca. E o grande partido de direita em Portugal, os aliados PSD e CDS-PP ficou menor que a soma dos progressistas e perdeu a condição de governar. Dois anos são passados e o PSD não perde a "dor de cotovelo" nem adquire lucidez política. Empacou.

Segundo o porta-voz do PSD no Parlamento, deputado Hugo Soares, o Governo PS está refém da esquerda - PCP e BE - "para resolver apenas questões menores, comezinhas, de reformas conjunturais" e precisa do apoio do PSD para realizar "o mais importante para o país, que são as reformas estruturais". Traduzindo em "bom português", as questões "menores e comezinhas" dizem respeito à legislação trabalhista para repor salários e condições de carreira para a maioria dos trabalhadores a todos os níveis, ao apoio ao sistema de saúde nacional e ao do ensino público ameaçados pelos privilégios da privatização, ao desenvolvimento de condições de sobrevivência com dignidade aos pensionistas, ao fortalecimento da capacidade de sobrevivência da Caixa Geral de Depósitos sob gestão do Estado, ao reordenamento das florestas de modo a reduzir a destruição causada pelos incêndios, a redefinir as formas de segurança social para defender com competência as populações surpreendidas por acidentes climáticos e de origem criminosa, enfim a organizar o país para que a população seja respeitada e tenha garantia de proteção social.

O que o partido de direita, PSD, supõe ser "o mais importante, por referirem as reformas estruturais", tem a ver com o favorecimento aos lucros dos empresários nacionais e seus parceiros estrangeiros, ao reforço pelo Estado, dos capitais em bancos privados, à submissão incontestável aos (des)mandos da Troika que minou a soberania de Portugal e proporcionou o endividamento responsável pela austeridade que foi suportada pela população mais pobre com o desemprego, a emigração, a fome e a miséria em índices gravíssimos registados pelas organizações internacionais.

Até quando irá a capacidade do PS, no Governo de Portugal, de suportar a pressão dos políticos de direita que estão na União Europeia e dentro de cada país membro, a favor da acumulação do capital e contra os interesses dos povos pelo desenvolvimento humano e nacional? A dúvida paira em relação à sobrevivência da humanidade e da natureza em todo o planeta.

Os processos de colonização hoje repetem-se, executados por elites nacionais de cada país onde a democracia tornou-se uma ficção. Não só ocorre no Brasil, que vai sendo oferecido em feira de saldos pelos traidores enquistados no Governo, mas em outros paises onde as conquistas populares foram esmagadas a mais tempo ou não chegaram a se instalarem como vitórias. É a moda da direita ocidental que usa um discurso democrático e movimenta as armas através de mercenários ou da NATO antecedida por uma falsa campanha em "defesa" do povo a ser vitimado. Puras falsidades a encobertarem perfídia, como Gandhi responsabilizava o Império Britânico, na luta pela independência da Índia ha quase 70 anos.

Foram aperfeiçoadas as formas de exploração e de escravidão, mas a perversidade das elites atingiu níveis que ultrapassam a normalidade do ser humano. Passou a ser mais que um mero egoísmo, ou uma simples alienação dos que vivem acima das dificuldades da vida, é um fenómeno patológico que requer atenção, médica como o gosto pela violência, pela visão do sofrimento alheio, pela extinção dos que os contrariam simplesmente por existirem. O ódio aos pobres e às minorias étnicas, o desprezo pelas questões sociais, revela-se na incapacidade da elite de distinguir povo de clientela, de confundir desenvolvimento nacional com aumento de capital.

Povos em luta, uni-vos!

Que a solidariedade internacionalista desvende as diferentes formas de ameaças que mascaram o novo colonialismo!

Zillah Branco - *Cientista Social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e trabalho no Chile, Portugal e Cabo Verde.

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