quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

'Redwashing': discursos de 'esquerda' para limpar os crimes do Estado de Israel



Berenice Bento, Natal (RN) – Opera Mundi, opinião

O 'redwashing' não é apenas cúmplice, no sentido de assistir ao desaparecimento do povo palestino; é parte estruturante da sofisticada e tentacular necropolítica do Estado de Israel
Não é apenas a força militar que explica o segredo do sucesso do Estado de Israel em sua política de eliminação do povo palestino. A neocolonização que ali ocorre tem níveis diferenciados de sofisticação. Não estamos diante de um processo de genocídio clássico, onde a morte do Outro acontece rapidamente, economizando, assim, recursos e tempo. Varrer a nação palestina do mapa o leva a estruturar um complexo edifício de políticas que, lentamente, têm minado qualquer possibilidade de existência do Estado Palestino. Nada parece escapar à necropolítica (conceito de Achille Mbembe) tentacular do Estado de Israel. Até os corpos dos/as palestinos/as executados/as pelo Exército, muitas vezes, levam anos para serem entregues às famílias, em uma clara política de terrorismo psíquico (há diversas matérias sobre o assunto, inclusive na nossa imprensa mainstream).

Se, internamente, a força bélica garante o êxito da necropolítica, na disputa da opinião internacional, outras armas são acionadas, entre elas, as retóricas que constroem imagens de um país democrático, garantidor dos direitos humanos (com destaque para a liberdade para os LGBTs) e dos animais. Sarah Schulman, em artigo publicado no New York Times, cunhou um termo que hoje é amplamente citado. O que o Estado de Israel faz é pinkwashing. A palavra “cal” (tinta que utilizamos para pintar paredes) chama-se whitewashing. A expressão pinkwashing (tinta rosa) significa, portanto, um conjunto de discursos que utiliza a suposta liberdade LGBT para limpar, esconder os crimes contra a humanidade cometidos pelo Estado de Israel. Os discursos funcionam, ali, como armas de guerra, pois, simbolicamente, estruturam uma posição superior da nação israelense em relação ao resto do Oriente Médio e, mais especificamente, asseguram uma suposta legitimidade e superioridade moral em relação ao atraso do povo palestino.

Outro conceito que também denuncia o engodo do Estado de Israel em se apresentar como defensor dos animais: veganwashing. Para a realização exitosa da “limpeza étnica”, que começou em 1948, outras formas de limpeza foram e são necessárias. O que aponta para o caráter singular do tipo de neocolonialismo que ali acontece.

Não tenho como objetivo, neste artigo, discutir o veganwashing ou o pinkwashing. Gostaria de propor outro conceito que tentará entender o papel nefasto que discursos apoiados em um suposto ideário de esquerda terminam por legitimar as ações do Estado de Israel. Vou chamá-lo de redwashing, ou dispositivos discursivos autodenominados de “esquerda” que visam limpar os crimes do Estado de Israel. O “red” (vermelho) faz referência à cor símbolo da esquerda. Ainda que os sionistas de esquerda sejam os mais conhecidos por fazerem tal tipo de limpeza, esta prática discursiva, redwashing, não se limita a este braço discursivo. Para uma discussão do redwashing no âmbito do sionismo de esquerda, sugiro a leitura do artigo “Com discurso ‘pacifista’, esquerda sionista contribui para extermínio do povo palestino”, de Shajar Goldwaser, publicado neste site.
O redwashing se estrutura em torno de alguns eixos discursivos:

Defesa do povo palestino. Os adeptos do redwashing farão um discurso quase emocionado em defesa do povo palestino. Dirão que o governo israelense é cruel. Apontarão, em minúcias, cada uma das ações deste governo que transforma a vida do/a palestino/a em um inferno através de mecanismos burocráticos infindáveis. Poderão, inclusive, dedicar parte de seu tempo para proteger o coitado do povo palestino contra um governo desumano. Denunciarão, também, as mazelas do neoliberalismo para a vida do/a trabalhador/a palestino/a que, geralmente, recebe um terço do valor do salário mínimo pago a um/uma israelense.

Conheci uma senhora israelense que, depois de uma dissertação redwashing sobre a miserabilidade dos/as palestinos/as e de sensibilizar a audiência por seu trabalho humanitário nos postos militares de controle (os checkpoints), disse, orgulhosa de si mesmo: “mas eu pago minha empregada palestina de acordo com a lei”. Ao final, você estará convencido/a de que ele/ela é mais palestino/a que qualquer palestino/a.

A visão paternalista/maternalista escamoteia a verdade. Ele/ela sabe que não se trata de uma “política de governo”, mas de Estado. O Judiciário, o Executivo e o Legislativo atuam em harmonia para dar prosseguimento à política de roubo das terras do povo palestino e à eliminação física das pessoas palestinas. Quando um/uma palestino/a é preso (acusado, geralmente, de atirar pedras nos soldados), será entregue à Justiça militar. Todo o processo de terror acontece rigorosamente dentro da lei. Ou seja, as esferas constitutivas do Estado trabalham juntas para garantir a continuidade da necropolítica que o Estado de Israel vem implementando desde sua fundação. Ao limitar a opressão que o povo palestino sofre aos tropos “burocracia” e “governo”, se está tecendo um delicado subtexto: estas políticas contra o povo palestino não são estruturantes do Estado de Israel. Vamos mudar o governo e tudo se transformará. No entanto, até o momento, Estado de Israel & limpeza étnica são termos indissociáveis.

Defesa dos dois Estados. Para provar, mais uma vez, que são mais palestinos/as que os/as próprios/as palestinos/as, os/as adeptos/as do redwashing farão uma defesa inflamada do direito do povo a ter seu Estado. Alguns dirão que ainda não é momento porque é necessário acabar com os terroristas; outros, farão discursos mais radicais, defendendo o fim da ocupação imediatamente. Pergunte para ele/a: qual o limite territorial? Os anteriores a 1967 ou 1948? O que será feito com os mais de 500 mil colonos israelenses que roubaram e roubam, sob proteção e incentivo do Estado de Israel, as terras dos/as palestinos/as? Olhem o mapa abaixo. Vejam o que restou da Palestina. Um corpo político amputado.

Todos/as os/as palestinos/as com quem conversei nos 66 dias das minhas viagens a Israel e aos Territórios Ocupados da Palestina afirmam que a fragmentação territorial, pós-Acordos de Oslo (1993), e a instalação dos assentamentos que acontecem desde 1970, tornaram inviável a solução dos dois Estados. A única solução possível, afirmaram, seria um único Estado. Pergunte para os formuladores do redwashing o que eles pensam desta proposta. Vão continuar insistindo no direito do povo palestino a seu Estado, mas não saem deste discurso abstrato (sugiro a reportagem especial da Al Jazeera sobre o lobby de Israel na Inglaterra, utilizando o “disfarce” da defesa de dois Estados).

O Estado de Israel age como se os Territórios Ocupados já fossem parte do seu território, mas anexá-los abertamente seria trazer para seus marcos nacionais a população palestina. O que fazer? O caso de Jerusalém Oriental (ocupado por Israel) é paradigmático. Embora, internacionalmente, a cidade seja considerada ocupada há 50 anos, para Israel, de fato, Jerusalém Oriental já foi anexada. Mas se foi anexada, todos os habitantes são israelenses? Não. Os/as palestinos/as não são cidadãos/cidadãs; têm uma residência “permanente”, revogável a qualquer momento pelo Estado de Israel.

Direito de retorno dos/as palestinos/as. Em 1948, o Estado de Israel implementou a primeira etapa da limpeza étnica. Vilas inteiras foram destruídas e milhões enviados para o exílio ou para campos de refugiados (sobre a limpeza étnica, sugiro a conferência de Ilan Pappe). Esta tragédia, ou Nakba, em árabe, não parou ali; é contínua. Uma das reivindicações centrais dos/as palestinos/as é o direito de retorno, reconhecido como legítimo pela ONU. Muitas famílias palestinas ainda têm a chave da sua casa roubada pelo Estado de Israel. Sobre esta reivindicação, os adeptos do redwashing dirão que já se passaram muitos anos, gerações nasceram, que houve guerras e o Estado de Israel venceu, sendo a proposta do retorno inviável.

Direito universal do “retorno” do judeu. Desde a fundação do Estado de Israel, há uma lei que assegura a todos os judeus do mundo o direito a “voltar” para Israel. Ora, se a “volta” se refere a um passado bíblico longínquo, nada mais coerente que os praticantes do redwashing também se posicionem contrários a este direito, afinal, já se passaram séculos. Esta foi a pergunta que fiz para a senhora praticante do redwashing, a mesma que tem uma emprega palestina, a mesma contrária à volta dos/as palestinos/as. Ela virou a cabeça e me disse: não vou responder a esta questão.

Solução. No léxico redwashing estão interditadas palavras como “genocídio”, “apartheid”, “limpeza étnica”. Admite-se que o “governo” comete “opressão”. O que fazer para acabar a opressão? Desista de convencê-lo/a de que solidariedade internacional ao povo palestino hoje, mais do que nunca, passa pela adesão ao movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDSM). Ele/ela, provavelmente, irá insistir que é necessário defender o diálogo entre as partes envolvidas no “conflito” (ilusionismo retórico que sugere certo equilíbrio de forças entre israelenses e palestinos). Pouco importa se a Palestina segue desaparecendo, que os métodos de terror utilizados pelo Estado de Israel não arrefeçam ao longo dos seus anos de existência. E, ao final, o praticante do redwashing dirá que é aliado do povo palestino. Com um aliado como este, quem precisa de inimigo?  

Este artigo não tem como objetivo esgotar todos os elementos discursivos estruturantes do redwashing. Eles foram sendo tecidos a partir da minha vivência e leituras. Escutei muitas falas e li diversos artigos de ONGs israelenses que se dizem defensoras do povo palestino. A grande maioria, infelizmente, no suposto trabalho de quebrar o silêncio das necropolíticas implementadas pelo Estado de Israel, na verdade, fazem um sofisticado trabalho de justificar estas mesmas políticas acionando o ideário socialista. Dizem que há exagero em definir o que acontece como genocídio. A este excesso linguístico praticado por ativistas de movimentos de solidariedade do mundo inteiro, os redwashing não têm nenhuma timidez em tipificá-lo como “antissemita”.

Em um destes encontros, escutava, mais uma vez, a importância da existência do Estado de Israel para proteger uma massa de trabalhadores pobres, vindos da Europa no início do século 20, perseguidos por governos antissemitas. De repente, parei, olhei em volta e perguntei ao meu interlocutor: Você esquece onde estamos? Estávamos no Campo de Refugiados Aida. Ali vivem, há décadas, milhares de palestinos/as que tiveram suas casas roubadas para construção do Estado de Israel. Será que há uma superioridade moral dos excluídos que os habilita a se transformar em opressores? O que faz com que a minha dor me qualifique para entrar num regime de opressão do Outro? É como se o meu interlocutor não visse a tragédia humana que nos cercava. Na entrada do Aida, em uma das paredes, era possível ler dezenas de nomes de crianças que foram assassinadas pelo Estado de Israel. Há um nível de blindagem emocional entre os redwashing que não os deixa se aproximar empaticamente da dor dos/as palestinos/as, de sentir como sua a dor do outro, princípio, a meu ver, que estrutura a noção de solidariedade internacional.

No entanto, para recuperar a esperança, eu também conheci israelenses ativistas do BDSM, jovens que se negam a servir ao exército e que veem o alto índice de suicídio nas Forças Armadas Israelenses como um sintoma de uma sociedade que, hegemonicamente, tem a violência como um valor organizador do olhar sobre o Outro Absoluto (Simone De Beauvoir): o povo palestino.

Conforme eu afirmei, este discurso se espalha de forma rizomática. Não é propriedade de um grupo religioso, nacional, étnico ou político. Daí sua eficácia. É possível encontrá-lo entre cidadãos/cidadãs com certa simpatia pela esquerda, até entre deputados defensores dos direitos humanos e dos direitos LGBTs (e, aqui, tragicamente, se combinam dois tipos de limpeza discursiva: o redwashing e o pinkwashing).

Em 1956, Aimé Césaise escreveu uma carta rompendo com o Partido Comunista Francês (PCF). Afirmava que não iria compactuar com os crimes de Stalin e, tampouco, seria cúmplice de um Estado que, embora se afirmasse socialista, era, em sua essência, capitalista e implementava a mesma política colonialista de outros Estados europeus, invadindo e massacrando outros povos. Com este ato, o poeta da negritude retoma o eixo que, historicamente, tem orientado as sensibilidades de esquerda: a solidariedade internacional não pode estar condicionada à identidade nacional ou religiosa.

A luta por justiça social interseccional continua, a meu ver, sendo o vetor que unifica os que lutam contra as múltiplas formas de exclusão em contexto neoliberal globalizado. O discurso redwashing, assim como a política do PCF naquele momento, não é apenas cúmplice, no sentido de assistir ao desaparecimento de um povo. É parte estruturante da sofisticada e tentacular necropolítica do Estado de Israel.

*Berenice Bento é doutora em Sociologia e professora da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

Leia também em Opera Mundi: 

SERÁ QUE TRUMP PODE CUMPRIR?



Paul Craig Roberts

Minha visão de Trump é condicional e aguarda evidências. Fico encorajado pela oposição dos Um Porcento a Trump, ou então acabámos de experimentar a maior patranha da história. Na verdade, uma patranha inútil, quando o Establishment tinha Hillary como sua candidata.

As ordens executivas de Trump não confirmam o argumento de que ele está a actuar para os Um Porcento. Trump vetou o TPP tão desejado pelas corporações globais. Ele está a tentar interromper a imigração em massa que as corporações utilizam para reduzir níveis salariais internos. Comprometeu-se também a normalizar relações com a Rússia, para grande desconforto dos neoconservadores e do complexo militar/segurança.

Quanto a Mnuchin, ele deixou a Goldman Sachs em 2002, o mesmo ano em que Nomi Prins saiu da Goldman Sachs. Isso foi há 14 anos atrás. Sabemos perfeitamente que Nomi, um antigo director administrativo, não é um operacional para a Goldman Sachs, de modo que a minha posição é esperar e ver o que Mnuchin faz antes de declararmos que é um agente da Goldman Sachs. Para uma visão diferente ver Nomi Prins na secção de convidados deste sítio web.

Quanto a isto penso assim: Se Trump for sincero, e o Establishment Dominante parece pensar que ele é, acerca de limpar um ninho de foras da lei, que melhor ajuda poderia ter ele do que um dos fora da lei?

A mudança a partir do topo exige pessoas com meios duros. Quaisquer outras seriam espezinhadas.

Minha posição é aguardar pelas provas. Durante anos meus leitores disseram que precisavam de alguma esperança. O ataque de Trump ao Establishment dominante dá-lhes esperança. Por que afastar esta esperança prematuramente?

Desde o princípio minha preocupação tem sido o facto de que Trump não tem experiência nos debates de política económica e política externa. Ele não conhecia as questões ou os actores. Mas ele sabe duas coisas importantes: a classe média e a trabalhadora são flageladas e o conflito com a Rússia poderia resultar na guerra termonuclear. Minha opinião é que é de apoiá-lo sobre estas duas questões, as mais importantes de todas.

Minha preocupação é que Trump já se tenha desviado quanto a melhores relações com a Rússia. Trump teve o bom senso de falar com o presidente Putin, da Rússia, durante a sua primeira semana no gabinete. As informações são que a conversação de uma hora decorreu bem. Contudo, a informação da administração Trump é que as sanções não foram mencionadas e que Trump está a considerar ligar a remoção das sanções à redução de armas nucleares.

Claramente, Trump precisa de conselheiros mais perspicazes do que os actuais. Confrontado com 28 países da NATO, a Rússia, cuja população é apequenada diante deste conjunto de países e armamentos, confia nas suas armas nucleares para enfrentar a ameaça potencial. Durante o regime Obama, a ameaça à Rússia deve ter-lhe parecido muito real, pois a demonização da Rússia e do seu presidente inteiramente baseada em mentiras óbvias e atingiu níveis de provocação raramente vistos na história sem conduzir à guerra.

Se eu tivesse sido conselheiro de Trump, teria insistido em que a primeira coisa que Trump diria a Putin é que "as sanções são história [passada] e peço desculpa pelo insulto baseado nas mentiras fabricadas do meu antecessor".

Isto é o que era necessário. Uma vez restaurada a confiança, então a questão da redução de armas nucleares pode ser levantada sem tornar o governo russo preocupado em que os americanos dúplices estejam a preparar-se para o ataque.

Se você fosse russo, se fosse membro do governo russo, se fosse presidente da Rússia, se tivesse experimentado um golpe americano que derrubou o governo eleito da Ucrânia, uma província que fez parte da Rússia durante 300 anos, se tivesse experimentado um ataque inspirado por americanos a residentes russos e a forças de manutenção da paz russas na Ossécia do Sul, há muito uma província da Rússia, que provocou a intervenção das forças armadas russas, uma intervenção denunciada pelo governo dos EUA como "agressão russa", confiaria nos Estados Unidos? Só se você fosse um idiota rematado.

Trump precisa de conselheiros suficientemente instruídos para contar-lhe acerca da situação que ele se comprometeu a melhorar.

Quem são estes conselheiros?

Considere-se agora a "proibição muçulmana". Os refugiados muçulmanos são um problema para os EUA e a Europa porque os EUA e seus fantoches da NATO bombardearam um grande número de países muçulmanos inteiramente na base de mentiras. Alguém pode ter pensado que com toda a sua experiência de guerra os países ocidentais estariam conscientes de que guerras produzem refugiados. Mas aparentemente não estão.

O caminho mais fácil e mais certo para tratar do problema de refugiados muçulmanos é parar os bombardeamentos que produzem refugiados.

Aparentemente, esta solução está para além do alcance da administração Trump. De acordo com o noticiário – e considerando o status presstituído das organizações de notícias nunca se sabe – a nova administração Trump autorizou um ataque SEAL [tropas especiais] no Iémen que assassinou uma garota de oito anos bem como um certo número de mulheres e crianças. Tanto quanto posso averiguar, nenhuma das mulheres que marchou em oposição à pela administração Trump opôs-se à continuação da política do regime Bush/Obama de assassinar muçulmanos em nome de uma falsa "guerra ao terror".

O calcanhar de Aquiles de Trump é sua crença na "ameaça muçulmana", uma ameaça orquestrada e cozinhada pelos neoconservadores. Se Trump quiser derrotar o ISIS, tudo o que ele precisa fazer é impedir o governo dos EUA e a CIA de financiarem o ISIS. O ISIS é uma criação de Washington, utilizada para derrubar a Líbia e enviada à Síria para derrubar Assad até os russos intervirem.

Alguém precisa ter suficiente conhecimento geopolítico para contar a Trump que ele não pode simultaneamente reparar as relações com a Rússia e ressuscitar o conflito com o Irão e ameaçar a China.

Como eu temia, Trump não tem nenhuma ideia de quem nomear a fim de alcançar a sua agenda.

Agora vamos voltar aos críticos de Trump: a Política de Identidade, isto é, a explicação da história ocidental como vitimização de toda a gente por machos heterossexuais brancos. Falta legitimidade aos ataques a Trump e toda a gente vê isso excepto aqueles mergulhados na política da vitimização. As mesmas pessoas que marcham contra Trump e condenam sua proibição muçulmana não marcham contra as guerras que produzem os refugiados e imigrantes muçulmanos. Os oponentes de Trump estão na posição ilógica de apoiar a "guerra ao terror" e a narrativa do 11/Set em que se baseia mas objectar à proibição à entrada de "muçulmanos terroristas" nos EUA. Se muçulmanos são terroristas, como afirma a narrativa de Bush/Obama, é totalmente irresponsável admitir dentro dos EUA muçulmanos prejudicados pelos ataques de Washington aos seus países e que podem tem ideias de vingança.

Os liberais/progressistas/esquerda abandonaram a classe trabalhadora há muito tempo. A consequência das suas queixas ilegítimas será agregar todos os dissidentes dentro da sua categoria ilegítima. Assim os que dizem a verdade juntamente com os contadores de ficções serão bloqueados. O público não será capaz de diferenciar entre os ataques orquestrados a Trump e o que dizem a verdade.

Minha conclusão é que a estupidez da Política de Identidade, ao desacreditar a dissidência, fortalecerá os piores elementos da extrema-direita. Se a Goldman Sachs também estiver a operar contra nós, como acredita Nomi Prins, então os EUA passaram à história. 


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

HISTÓRIA DE DOIS IRMÃOS E UM IMPÉRIO





Abdulrahman sucumbiu aos 16 no Yemen, numa das milhares de operações de assassinato autorizadas por Obama. Agora, Trump decretou a morte de Nawar, sua irmã de 8 anos

Glenn Greenwald - Outras Palavras Tradução: Inês Castilho

Em 2010, o presidente Obama orientou a CIA a assassinar um cidadão norte-americano no Yemen, Anwar al-Awlaki, a despeito do fato de ele nunca ter sido acusado (muito menos condenado) de nenhum crime. A CIA levou adiante essa ordem um ano depois, com um ataque de drone bem sucedido em setembro de 2011. O assassinato suscitou um amplo debate. A União Americana para as Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês), agora novamente celebrada — processou Obama para impedi-lo  de cometer assassinatos com base no direito a um “processo devido”. Como  seu processo foi rejeitado, acionou Obama novamente depois do assassinato ser cometido. Mas um outro ataque de drone realizado depois disso talvez tenha sido mais significativo, embora despertando relativamente menos atenção.

Duas semanas depois do assassinato de Awalki, um outro ataque de drone da CIA sobre o Yemen matou seu filho de 16 anos nascido nos EUA, Abdulrahman, juntamente com um primo de 17 anos e vários outros yemenitas inocentes. A certa altura os EUA alegaram que o rapaz não era um alvo, mas apenas um “dano colateral”. O avô de Abdulrahman, Nasser al-Awlaki, devastadado pelo luto, instou o Washington Post “a visitar a página do memorial de Abdulrahman no Facebook”, dizendo: “Olhe para essas fotos, seus amigos e seus hobbies. Sua página do Facebook mostra um adolescente típico.”

Poucos acontecimentos desmarcararam, como este, a equipe do então presidente. O fato evidenciou como o governo Obama estava devastando o Yemen, um dos países mais pobres do mundo. Poucas semanas depois de ganhar o Prêmio Nobel, Obama usou bombas de fragmentação que mataram 35 mulheres e crianças yemenitas. Até mesmo os humoristas liberais que apoiavam Obama zombavam dos argumentos dos seus assessores, sobre por que ele supostamente teria o direito de executar norte-americanos sem acusação: “Processo devido significa apenas que há um processo que você faz”, comentou sarcasticamente Stephen Colbert. Uma tempestade armou-se quando o ex-secretário de imprensa de Obama, Robert Gibbs, deu uma justificativa sociopata para o assassinato do adolescente nascido no Colorado, aparentemente culpando-o por sua própria morte ao dizer que ele deveria ter “tido um pai mais responsável”.

Abdulrahman Awlaki, morto por ordem de Obama,
 em 2011
O assalto dos EUA aos civis do Yemen prosseguiu e ampliou-se radicalmente nos cinco anos seguintes, até o fim da presidência de Obama. Washington e Londres, armaram, apoiaram e ofereceram apoio crucial a sua aliada íntima, a Arábia Saudita, à medida em que esta devastava o Yemen através de uma campanha de bombaredeios inclementes. Agora o Yemen enfrenta fome em massa, aparentemente exacerbada, deliberadamente, pelos ataques aéreos apoiados pelos EUA e Inglaterra. A responsabilidade evidente do ocidente por essas atrocidades fez com que elas recebecem tímida atencial nos países que as praticavam.

Num odioso símbolo da continuidade bipartidária da barbárie dos EUA, Nasser al-Awlaki acaba de perder outro de seus jovens netos para a violência dos EUA. Domingo, a Equipe 6 das forças especiais da Marinha, usando drones armados Reaper (Anjos da Morte) como cobertura, promoveu um ataque ao que diziam ser uma fortificação usada por oficiais da Al Qaeda na Península Arábica. Uma declaração feita pelo presidente Trump lamentou a morte de um membro do serviço americano e vários outros que foram feridos — mas não fez menção a nenhuma morte de civis. Oficiais militares dos EUA inicialmente negaram qualquer morte de civis e (consequentemente) a reportagem da CNN sobre o ataque nada disse sobre isso.

Mas relatos vindos do Yemen rapidamente trouxeram à tona que 30 pessoas foram mortas, incluindo 10 mulheres e crianças. Entre os mortos: Nawar, a neta de 8 anos de Nasser al-Awlaki, filha de Anwar Awlaki.

Nawar Awlaki, morta por ordem de Trump
Como observou meu colega Jeremy Scahill – que entrevistou longamente os avós no Yemen para seu livro e filme nas “Guerras Sujas” de Obama – a menina foi “atingida no pescoço”, sangrando até a morte durante duas horas. “Por que matar crianças?”, perguntou o avô. “Essa é o novo governo (dos EUA) – é muito triste, um grande crime.”

O New York Times reportou ontem que oficiais militares estiveram planejando e debatendo o ataque durante meses, durante o governo Obama — mas decidiram deixar a escolha para Trump. O novo presidente autorizou pessoalmente o ataque semana passada. Alegou-se que o “alvo principal” do ataque “eram arquivos de computador existentes dentro da casa, que poderiam ter pistas sobre futuras tramas terroristas.” O jornal citou um oficial do Yemen dizendo que “ao menos oito mulheres e sete crianças, de idade entre 2 e 13, foram mortas no ataque”, que também “danificou severamente uma escola, um centro de saúde e uma mesquita”.

Como mostrou em detalhes meu colega Matthew Cole, poucas semanas atrás, a Equipe 6 das forças especiais da Marinha, com toda a sua glória pública, tem uma longa história de “vinganças, mortes injustificadas, mutilações e outras atrocidades”. E Trump jurou publicamente durante a campanha transformar em alvo não apenas terroristas mas também suas famílias. Tudo isso exige inquéritos corajosos e independentes sobre esta operação.

O mais trágico de tudo é que – assim como acontecia no Iraque – a Al Qaeda tinha muito pouca presença no Yemen antes do governo Obama começar a bombardear o país e atacá-lo com drones, matando civis e empurrando as pessoas para os braços do grupo militante. Como disse o jovem escritor yemenita Ibrahim Mothana ao Congresso em 2013:

Os ataques de drones estão causando nos yemenitas cada vez mais ódio pelos americanos e levando-os a aderir aos militantes radicais… Infelizmente, vozes liberais nos Estados Unidos estão ignorando amplamente, ou perdoando, as mortes de civis e assassinatos extrajudiciais no Yemen.

Durante a presidência de George W. Bush, a ira teria sido tremenda. Mas hoje há pouco clamor, ainda que o que esteja acontecendo seja, em vários aspectos, uma continuidade ampliada das políticas de Bush…

Os defensores de direitos humanos precisam pronunciar-se. A política de contraterrorismo dos EUA no Yemen está não apenas tornando o país menos seguro — ao fortalecer o apoio para a A.Q.A.P. [Al-Qaeda na Península Arábica] — mas poderia, em última instância, colocar em perigo os Estados Unidos e o mundo inteiro.

Essa é a razão por que é crucial – no momento em que  surgem protestos urgentes e necessários  contra os abusos de Trump – não permitir que a história recente dos EUA seja esquecida. A selvageria de longa data praticada pelo país não pode ser vista de modo simplório, como aberração trumpiana — nem se deve esquecer a estrutura da Guerra ao Terror, que engendra esses novos assaltos. Alguns dos abusos atuais são obra específica de Trump, mas – como descrevi domingo — boa parte delas é produto de décadas de uma mentalidade e de um sistema de guerra e de poderes executivos que todos precisamos enfrentar.

Esconder esses fatos, ou permitir que os responsáveis por eles posem de opositores a tudo isso, não é apenas enganador, mas também contraprodutivo. Muito do que se faz agora vem em odiosa continuidade e não apareceu do nada.

É verdadeiramente estimulante ver a raiva gerada pelo banimento, por Trump, de refugiados, e de pessoas que têm visto, vindas de países como o Yemen. Mas também dá muita raiva que os EUA continuem a massacrar civis yemenitas, tanto diretamente quanto por meio de seus parceiros sauditas. Não é apenas Trump que precisa de oposição veemente — mas uma mentalidade e um sistema.

IMPRENSA LIVRE UMA VEZ MAIS




 Artur Pereira – jornal i, opinião

A saúde da democracia depende da saúde do jornalismo. A sociedade necessita que a imprensa respeite a verdade
“Nada existe, exceto átomos e vazio, tudo o demais é opinião” Assim resumia Demócrito de Abdera, filosofo grego, as suas ideias sobre a estrutura da matéria às uns 2.500 anos.

Demócrito, para muitos considerado o pai da ciência moderna, também era conhecido pelo filósofo que ri, mas o sábio estaria longe de imaginar, como a sua sentença se viria a comprovar de forma tragicamente distorcida.

É verdade, a opinião, nos dias de hoje, mais que em qualquer outra altura da história, assume um atributo identificador de personalidade e de direito, mesmo para os que não têm opinião sobre coisa nenhuma, e uma velocidade para se difundir e arregimentar seguidores em todo o planeta, que a torne elemento decisivo para o julgamento de qualquer pensamento politicamente mais elaborado.

Hoje, as ideias, foram substituídas por opiniões bastardas de pais incógnitos, são populares porque afinal todos temos opiniões. A ideia precisa de reflexão e estar suportada átomo sobre átomo, até á construção da matéria que apaixone e mobilize. 

A opinião atrevida e ignorante, sustenta-se de frenesim e crença, lança-nos sobre o vazio onde ficamos iludidos e indefesos. Os sound bites onde se refugia não são mais que onomatopeia.

A imprensa tem um desafio tremendo e uma enorme responsabilidade. Em todos os momentos de grande tragédia humana, os jornalistas foram sempre chamados e estiveram presentes a dar o melhor das suas convicções e coragem.

Responderam muitas vezes em circunstancias dificílimas, a um verdadeiro sentido de missão, de procurar e escrever a verdade. Mais que uma classe, são a extensão natural da liberdade e a palavra que é a sombra da ação.

Quando homens e mulheres resistiam enterrados vivos em celas, entre as trevas e o horror dos esbirros, mas os jornais talhados a chispas de luz e esperança, nos esperavam cúmplices a cada amanhecer, então sabíamos que tínhamos ganho. 

A saúde da democracia depende da saúde do jornalismo. A sociedade necessita que a imprensa respeite a verdade. A diferença entre jornalismo e a informação cidadã, é que o jornalista tem a obrigação de corroborar os dados. Só assim os meios de comunicação terão credibilidade.

Estamos imersos numa mentira global. A internet permite a falsificação da informação, desde da mentira do sujeito que finge aquilo que não é no Facebook, até à construção de uma realidade paralela, sustentada na repetição e em uma adesão massiva que confirma mais que nunca a velha teoria da espiral do silencio de Noelle Newman.

O Papa Francisco, afirmou que produzir e consumir noticias falsas é como praticar coprofagia, ou seja comer fezes e pediu maior compromisso entre a verdade e os meios de comunicação. 

Agradeço muito ao Papa que tenha falado sem receio e para abanar as consciências, independente do mal-estar hipócrita dos poderes instalados.

Estamos em plena época de mudanças vertiginosas provocadas pelos ratos dos computadores. A revolução digital, depois das “primaveras”, degenerou em reações nacionalistas e xenófobas. 

Nas manifestações misturam-se, os partidos, os indignados, provocadores, antissistema, e também psicopatas que praticam o ódio em relação ao outro.

Para Zygmunt Bauman, filosofo polaco, socialista: “as redes sociais são uma armadilha que expressam a desconfiança dos cidadãos não só dos políticos corruptos ou estúpidos, mas também dos que simplesmente só são incapazes”.

Gurus e utilizadores usam as redes para se encerrarem em zonas de conforto onde o único som que escutam é o eco da sua voz, e onde o único que vêm são os reflexos da sua própria cara.

Muitos dos utilizadores da “nuvem” virtual, são como o galo que acreditava que o Sol nascia só para o ouvir cantar, sentem-se enormes na sua arrogante ignorância. São reis do mambo digital.

São narcisos que se olham ao espelho dos seus écrans e em vez de caçar javalis caçam pessoas, com a metralhadora das teclas, acoberto da anónima impunidade.    

A ignorância, a vaidade, a pósverdade, e a fake news são irmãs e filhas do populismo.  

Falar com alguém a quem vemos os olhos, é mais instrutivo de que com um anónimo cibernético. Um provérbio chinês diz que “é melhor ver a cara que escutar o nome.”

Desta luta que se adivinha, pela liberdade e pelos direitos, vencemos se formos armados da luz das ideias contra o nevoeiro impreciso onde se acoita o caudilho de traje populista seguido da procissão de cegos que já não querem ver.

*Consultor de comunicação - Escreve às quintas-feiras

Portugal. A TEMPESTADE DÓRIS ESTÁ À PORTA. REFORÇADO AVISO VERMELHO




A Autoridade Marítima decidiu hoje alargar ao Cabo Carvoeiro e à praia do Portinho da Areia Sul, em Peniche, as restrições de acesso junto à costa na região Oeste devido ao mau tempo, em função da tempestade já batizada de Dóris.

O comandante da Capitania, Marco Augusto, disse à agência Lusa que os acessos ao Cabo Carvoeiro e à praia do Portinho da Areia Sul passaram a estar também condicionados.

Em Peniche, também o acesso de pessoas e viaturas aos molhes Leste (junto à praia dos Supertubos) e Oeste (junto à marina) se mantém condicionado.

A Proteção Civil Municipal decidiu ainda colocar "barreiras físicas" para proteção dos bares nas praias do Molhe Leste e do Baleal e condicionar o acesso à praia de Peniche de Cima, à entrada da cidade, disse o presidente da câmara, António José Correia.

Nas Caldas da Rainha, o passeio marítimo e a marginal da Foz do Arelho vão estar fechados à circulação de pessoas e viaturas, assim como o acesso ao paredão da Praia da Areia Branca (Lourinhã).

Na Lourinhã, a Proteção Civil Municipal decidiu também interditar o estacionamento da praia local de Porto Dinheiro.

Em função do estado do mar, a Autoridade Marítima pode vir ainda a restringir o acesso à ilha do Baleal, fechar a marginal norte, em Peniche, e o passeio marítimo de Santa Cruz (Torres Vedras).

Os distritos de Leiria e Lisboa vão passar do aviso laranja para o vermelho (o mais grave) às 14h59 de hoje, devido à previsão de "ondas de noroeste com sete a oito metros de altura significativa, podendo atingir 12 a 14 metros de altura máxima", segundo informação do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

O aviso vermelho também será acionado entre as 14h59 e as 23h59 de hoje, pelo mesmo motivo, nos distritos de Viana do Castelo, Braga, Porto, Aveiro e Coimbra.

Norte sem situações "merecedoras de maior cuidado"

Ondas com oito metros de altura registavam-se ao final da manhã de hoje em Leixões, Matosinhos, disse à Lusa o comandante da Zona Marítima do Norte e chefe do Departamento Marítimo do Norte.

Em entrevista telefónica, Rodrigues Campos afirmou que até ao momento não há conhecimento de nenhuma situação "merecedora de maior cuidado" e alertou para se evitarem aproximações das zonas da orla costeira.

Segundo Rodrigues Campos, as ondas gigantes que se esperam proporcionam "imagens espetaculares" e de" vídeos muito interessantes para colocar nas redes sociais", mas, avisa, colocam os seus autores em "risco desnecessário".

Neste momento, na zona Norte estão vários meios "prontos e em ação", designadamente embarcações do Instituto de Socorros a Náufragos, e meios da Polícia Marítima na água e por terra.

Fonte da Câmara do Porto adiantou à Lusa que a avenida D. Carlos e rua Coronel Raúl Peres foram cortadas ao trânsito devido à forte ondulação prevista e que o corte das duas estradas vai manter-se até ao final do dia de sexta-feira, estando os serviços da Proteção Civil acionados em "toda a zona costeira", com patrulhamentos, por exemplo, junto ao Farol.

A Câmara de Matosinhos, por seu turno, decidiu hoje de manhã mandar cortar a circulação pedonal nos passadiços desde a zona da Boa Nova até Angeiras, incluindo a Ponte Pedonal da Conchinha, avançou fonte do gabinete de imprensa da autarquia.

Em Vila Nova de Gaia fonte das relações públicas informou que há equipas de bombeiros nos locais mais críticos, designadamente em Granja, Valadares e Lavradores desde as 11:00 de hoje, mas acrescenta que não foi registada nenhuma situação grave.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Portugal. O PÃO QUE O DIABO AMASSOU



Miguel Guedes – Jornal de Notícias, opinião

Como não consta que Nuno Carvalho ponha as mãos na massa do pão que vende aos seus clientes, este texto não se lhe dirige. Não espero que tire as mãos da massa e as coloque na consciência. Após a tentativa de contenção de danos do fundador da "Padaria Portuguesa" ter agravado a natureza das suas declarações iniciais, percebeu-se como evoluiu a sua opinião: firme e seca como pão após umas horas de exposição pública. É uma opinião sua, não é um crime de ninguém. Quem quer saber então de elevar o salário mínimo quando os seus próprios "colaboradores" trabalham em vários sítios ao mesmo tempo? Alguma vez lhe terá ocorrido que talvez isso aconteça porque o salário mínimo que paga a alguns deles não chega? Eis a pequena ou subtil diferença que separa 577 euros salário-mês de 10 milhões de euros lucro-ano.

À selva o que é da selva. O patrão da "Padaria Portuguesa" nada disse de ofensivo no contexto do "novo empreendedorismo" reinante. De resto, se alguma vantagem teve mais um simulacro de indignação, foi o de trazer para fora do abrigo uma enorme quantidade de leões e de ovelhas, prontíssimos para ocupar as suas posições nas trincheiras. Os primeiros, agrupados em alcateia, defendendo com unhas e dentes a flexibilização da contratação e despedimento, as horas extras por decreto, as vantagens relativas do descanso para os trabalhadores, essa cambada de calões que arruínam a produtividade da firma. Os segundos, agrupados em rebanho, apelando ao boicote do consumo de hidratos na casa da Padaria, numa sequela da mais antiga série que se conhece sobre a irritação repentina: só mais uns dias e isso passa até porque hoje-tenho-que-passar-pelo-Pingo-Doce-da-Jerónimo-Martins-antes-de-ir-para-casa. Lamentavelmente, nada disto se resolve erguendo muros ou pichando os que existem.

Uma vez mais, a multidão resolve cortar a árvore no meio de uma floresta densa, como um bálsamo. As afirmações do patrão-padeiro, enroladas em pensamento modernaço-liberal, indiferença e secura gritantes, são bem o espelho da actual concepção do mundo laboral. Uma cartilha bem à mão. Trabalho mal remunerado e precário para os que se sujeitam, horários acumulados para as mulas, distribuição de pequenos prémios como cenouras. O que é verdadeiramente inconcebível é a falta de bom senso que acompanha o dono de tamanha desproporção (não estamos perante um pequeno negócio que não consegue pagar acima do salário mínimo aos seus poucos trabalhadores). Mas não nos iludamos no ódio para podermos imolar por conforto. Este é só mais um caso de pão com sabor a escravidão e miséria, igual a tantos outros sítios onde há alguns patrões a quem ninguém aponta uma câmara.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

*Músico e advogado

AS TEMPESTADES QUE TEMOS DE AGUENTAR



Hoje também há Expresso Curto, o servidor é um homem do Expresso, Ricardo Marques. Abertura com prosa romanceada, apetitosa. Versa a tempestade que aí vem para sul e que no norte de Portugal já está a fazer estragos.

Ler a abertura deste Curto deu para pensarmos que “hoje livramo-nos do Trump e de sua trupe”. Qual quê! Nem pó! Trupe de Trump vem logo a seguir. Outra tempestade.

Mais palavreado para quê? Vão diretos à cafeína. Está muito bem tirado, com espuma e tudo. Beberriquem com sorvos controlados. Só isso.

Bom dia e boa noite. Descansada, apesar das tempestades que temos de aguentar. É que entre mortos e feridos alguns de nós hão-de escapar. Já não é mau.

MM / PG

Bom dia, este é o seu Expresso Curto

Ricardo Marques – Expresso

A culpa é do Jürgen

Hoje acordei cedo, fui até à praia e fiquei na areia a olhar para o mar com a ingenuidade de quem espera perceber o mundo. Não está famoso.

O vento levou a areia que falta ao fundo das escadas, como se nos escapasse o chão debaixo dos pés. As arribas, outrora sólidas como convicções, parecem frágeis montes de barro. O mar calmo dos dias quentes de agosto, que convida a entrar para um mergulho, está feito um pequeno monstro que tudo expulsa e empurra para fora. Imprevisível e imparável. Umaonda trás da outra, um golpe de cada vez, sem olhar a consequências, capazes de levar tudo à frente com estrondo. Rochas velhas de milénios e os molhes feitos pelo homem valem o mesmo: nada.

Quando olhamos para o horizonte, em direção ao outro lado do Atlântico, de onde virá o perigo, só vemos mais do mesmo. Céu cinzento, carregado de nuvens altas como águias e algumas a fazer lembrar penteados estranhos. Dá para ver que não está bom, mas ainda é cedo para saber até que ponto será mau. As gaivotas voam desvairadas por cima do areal sem saber para onde ir. Parou há pouco de chover e sopra um vento frio. O mundo não está famoso. O tempo também não. E vai piorar.

Ficarão os destroços.

Há um nome a reter: Jürgen. Fique a saber que um alemão, o tal Jürgen Karsten, pagou 199 euros para batizar esta baixa pressão que lá do alto nos vai cair mesmo em cima da cabeça (ainda há algumas tempestades à espera de nome no Instituto de Meteorologia de Berlim).

A Jürgen é uma depressão formada no Atlântico que viajou toda a noite a uma velocidade de 65km/h em direção à Península Ibérica. Se olhar pela janela neste momento poderá ter uma pequena ideia do que está para vir nas próximas horas: chuva intensa, vento forte (com rajadas de 80km/h no litoral e 100km/h nas terras altas).

A partir da tarde, e por algumas horas, haverá uma breve trégua em terra. Mas o mar estará apenas a acordar. Entre o meio-dia de hoje e as três da tarde de amanhã as ondas poderão atingir os 14 metros a norte do Cabo da Roca, vindas de Oeste e empurradas pelo vento que vai soprar da mesma direção – perpendicular à costa. A preia-mar é às seis da tarde, o pico da ondulação também e é provável que a maior parte das notícias sobre o mau tempo chegue por essa hora.

Prepare-se para um dia inteiro a ouvir falar da cor dos alertas e espreite aqui aqui algumas das zonas já proibidas.

Ontem à tarde conversei com Pedro Viterbo, Diretor do Departamento de Meteorologia e Geofísica do IPPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I.P). “É algo parecido com a situação que tivemos entre dezembro de 2013 e março de 2014, embora nessa altura tenha sido de uma forma persistente”, explicou o meteorologista referindo-se à tempestade Hercules (cujos estragos ultrapassaram os 20 milhões de euros).

O risco maior, acrescentou Pedro Viterbo, está nas arribas e na violência com que o mar as vai atingir. Portanto, mantenha-se longe da beira-mar, conduza com todo o cuidado e vá espreitando os avisos nas página do IPMA e da Proteção Civil.

Acima de tudo, não desespere. “A partir da tarde de domingo prevê-se uma melhoria significativa do estado do tempo”, prevê Pedro Viterbo.

E do estado do mundo?

OUTRAS NOTÍCIAS

Rex Tillerson, o ex-homem-forte da Exxon Mobil, é o novo Secretário de Estado dos Estados Unidos da América, o 69.º da história, mas a eleição no Senado foi a que contou com mais votos contra. Tillerson será o rosto da política externa de Washington, que já teve dias mais fáceis. A batalha seguinte do 45.º Presidente dos EUA será a confirmação do juiz Neil M. Gorsuch para o Supremo Tribunal. E a parada está alta, como escreve o New York Times.

É uma espécie de mau tempo político e há duas semanas que não se fala de outra coisa.

Esta manhã, a novidade vem da Austrália: parece que o primeiro-ministro Malcolm Turnbull discutiu a sério com o presidente dos EUA durante um telefonema no sábado. A história está esta manhã nos principais jornais.

O secretário-geral da ONU criticou as medidas anunciadas pela nova administração norte-americana que visam travar a entrada no país de cidadãos de sete países de maioria muçulmana. “Esta não é a melhor forma de proteger os Estados Unidos ou qualquer outro país em relação às sérias preocupações relativamente a possíveis infiltrações terroristas”, afirmou António Guterres.

Ontem à noite na televisão discutia-se a fotografia em que o novo inquilino da Casa Branca aparece de mão dada com Theresa May, a primeira-ministra britânica. Mil palavras já foram ditas sobre a imagem, mas se a conversa regressar durante o dia talvez seja útil ler mais esta explicação.

Sobre o homem que sucedeu a Obama, o conservador Ben Shapiro escreve na National Review que não há nenhum grande plano.

A propósito de Theresa May, o Parlamento britânico deu luz verde ao governo para iniciar o processo de saída da União Europeia. Do lado de lá da Mancha, há muita gente a fazer contas às contas que vão comandar a negociação entre Bruxelas e Londres.

Milhões e mais milhões. Ou millones, como se diz aqui ao lado. O El Mundo divulgou a lista das 200 pessoas mais ricas de Espanha. Para ver com toda a calma do mundo, sem pressa. Comece por Sandra Ortega Mera, cujas empresas investiram esta ano 50 milhões de euros na Península de Tróia e siga sem parar à descoberta dos cofres mais cheios da Península Ibérica.

Atravessando os Pirinéus, mas sem deixar de falar de dinheiro, a corrida ao Eliseu não está a ser fácil para François Fillon. Problema atrás de problema, como ondas em dia de mar revolto. Depois do alegado falso, e bem pago, emprego da mulher, o ex-primeiro-ministro e candidato da direita vê-se agora em problemas com um seu emprego, real e igualmente bem remunerado.

A eleição presidencial em França está marcada para abril. A líder da Frente Nacional, Marine Le Pen – que recusa devolver 300 mil euros ao Parlamento Europeu -, é a candidata mais bem colocada nas sondagens, a par de Fillon. Este artigo já tem uns meses, e é um pouco longo, mas ajuda a explicar um pouco a força crescente da extrema-direita europeia.

A chanceler Angela Merkel está de visita à Turquia e, como escrevem os jornais alemães, o clima entre os dois países não é o melhor.

Na Hungria, onde o partido Jobbik (extrema-direita e anti-semita) cresceu 5 % nas eleições do ano passado (de 16% para 21%), está o presidente russo Vladimir Putin, para discutir com o primeiro-ministro Viktor Orban o reforço da cooperação económica. A presença de Putin em Budapeste está a ser um verdadeiro teste aos nervos dos restantes países da União Europeia.

O Egipto, que derrotou ontem na meia-final o Burkina Faso treinado pelo português Paulo Duarte, é o primeiro finalista na Taça das Nações Africanas, que decorre no Gabão. Gana e Camarões disputam hoje a segunda meia-final.

(O Manchester United, de José Mourinho, empatou com o Hull City, de Marco Silva. Zero a zero. O Barcelona foi a Madrid ganhar 2-1 ao Atlético e o derby Porto-Sporting já mexe)

Em África está o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Manuel Heitor termina hoje uma visita de quatro dias à Nigéria. Além de uma reunião com o seu homólogo nigeriano, Ogbonnaya Onu, o ministro vai visitar a Agência Nacional de Investigação Espacial e Desenvolvimento e a Agência Nacional de Desenvolvimento em Biotecnologia.

Manuel Heitor não deverá estar no Conselho de Ministros, que começa dentro de pouco mais de uma hora.

Quem já está a trabalhar é a nova administração da Caixa Geral de Depósitos. Paulo Macedo e Rui Vilar aproveitaram o primeiro dia em funções para escrever aos funcionários. Querem a ajuda de todos para cumprir os objetivos traçados: capitalização, reestruturação e rentabilidade do banco público.

No Parlamento, depois da discussão de ontem sobre a eutanásia, hoje estará debate o acesso dos administradores judiciais ao registo informático das execuções, às bases de dados tributárias e da segurança social. E também as alteraçõespropostas pelo governo (e contestadas por todos) à lei sindical da PSP.

Sem acesso a medicamentos para tratar, por exemplo, infeções respiratórias e pneumonias, estão vários hospitais portugueses. O Infarmed já recomendou uma gestão cuidada dos stocks.

A terra tremeu ontem à noite, pelas 23h20, em Porto de Mós, Leiria. Sem estragos nem vítimas.

E nos Açores.houve uma espécie de antevisão do temporal que vamos ter hoje.

MANCHETES

Correio da Manhã: “Justiça aperta Sócrates com milhões da PT"
Diário de Notícias: “Gestores de falências vão ter acesso a todos os dados de devedores”
Jornal de Notícias: “Segurança Social culpada por mortes em lar ilegal”
Público: “Líder da UGT não garante nova subida do salário mínimo”
I: “Homens suicidam-se três vezes mais do que as mulheres”
Visão: “Ganhar dinheiro com as casas”
Sábado: “Mário Soares: A família desconhecida"

O QUE ANDO A LER

Um pouco de tudo, mas sem páginas nem papel. Apenas alguns artigos a partir dos quais vai nascendo uma história. A viagem pelas sugestões será breve, até porque o tempo, já vimos, não está para grandes passeios.

O roteiro é simples, tão simples como este mapa que mostra a Internet em 1973.

Damos um salto rápido ao fim do mundo, literalmente, para perceber como é que os mais ricos e poderosos dos nossos dias se preparam para o fim dos dias. Pode ser num silo à prova de tudo algures no meio do nada, ou à beira-mar na Nova Zelândia.

Voltamos a África para descobrir que o mundo acaba todos os dias. Doze milhões de pessoas com fome.

E acabamos onde tudo começou, à procura de esperança em 165 anos de anúncios de casamento publicados no New York Times.

“In good times and in bad…”

Tenha um bom dia de mau tempo.

Há Expresso Diário às seis, informação disponível a qualquer hora em Expresso.pt e amanhã cá estará o Nicolau Santos para servir o último Curto desta semana.

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