Abdulrahman sucumbiu
aos 16 no Yemen, numa das milhares de operações de assassinato autorizadas
por Obama. Agora, Trump decretou a morte de Nawar, sua irmã
de 8 anos
Glenn
Greenwald - Outras Palavras Tradução: Inês Castilho
Em
2010, o presidente Obama orientou a
CIA a assassinar um cidadão norte-americano no Yemen, Anwar al-Awlaki, a
despeito do fato de ele nunca ter sido acusado (muito menos condenado) de
nenhum crime. A CIA levou adiante essa ordem um ano depois, com um ataque de
drone bem sucedido em setembro de 2011. O assassinato suscitou um amplo debate.
A União Americana para as Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês), agora
novamente celebrada — processou Obama para impedi-lo de cometer
assassinatos com base no direito a um “processo devido”. Como seu
processo foi rejeitado, acionou Obama novamente depois
do assassinato ser cometido. Mas um outro ataque de drone realizado depois
disso talvez tenha sido mais significativo, embora despertando relativamente
menos atenção.
Duas
semanas depois do assassinato de Awalki, um outro ataque de drone da CIA sobre
o Yemen matou seu
filho de 16 anos nascido nos EUA, Abdulrahman, juntamente com um primo de 17
anos e vários outros yemenitas inocentes. A certa altura os EUA alegaram que o
rapaz não era um alvo, mas apenas um “dano colateral”. O avô de Abdulrahman,
Nasser al-Awlaki, devastadado pelo luto, instou o Washington Post “a visitar a
página do memorial de Abdulrahman no Facebook”, dizendo: “Olhe para essas
fotos, seus amigos e seus hobbies. Sua página do Facebook mostra um adolescente
típico.”
Poucos
acontecimentos desmarcararam, como este, a equipe do então presidente. O fato
evidenciou como o governo Obama estava devastando o Yemen, um dos países mais
pobres do mundo. Poucas semanas depois de ganhar o Prêmio Nobel, Obama usou
bombas de fragmentação que mataram 35 mulheres e crianças yemenitas. Até
mesmo os humoristas liberais que apoiavam Obama zombavam dos argumentos dos
seus assessores, sobre por que ele supostamente teria o direito de executar
norte-americanos sem acusação: “Processo devido significa apenas que há um
processo que você faz”, comentou sarcasticamente
Stephen Colbert. Uma tempestade armou-se quando o ex-secretário de imprensa de
Obama, Robert Gibbs, deu uma justificativa sociopata
para o assassinato do adolescente nascido no Colorado, aparentemente culpando-o
por sua própria morte ao dizer que ele deveria ter “tido um pai mais
responsável”.
Abdulrahman
Awlaki, morto por ordem de Obama,
em 2011
|
O
assalto dos EUA aos civis do Yemen prosseguiu e ampliou-se radicalmente nos
cinco anos seguintes, até o fim da presidência de Obama. Washington e Londres, armaram,
apoiaram e ofereceram apoio crucial a sua aliada íntima, a Arábia Saudita, à
medida em que esta devastava o Yemen através de uma campanha de
bombaredeios inclementes. Agora o Yemen enfrenta fome
em massa, aparentemente exacerbada, deliberadamente, pelos ataques aéreos
apoiados pelos EUA e Inglaterra. A responsabilidade evidente
do ocidente por essas atrocidades fez com que elas recebecem tímida atencial
nos países que as praticavam.
Num
odioso símbolo da continuidade bipartidária da barbárie dos EUA, Nasser
al-Awlaki acaba de perder outro de seus jovens netos para a violência dos EUA.
Domingo, a Equipe 6 das forças especiais da Marinha, usando drones armados
Reaper (Anjos da Morte) como cobertura, promoveu um ataque ao
que diziam ser uma fortificação usada por oficiais da Al Qaeda na Península
Arábica. Uma declaração feita pelo presidente Trump lamentou a morte de um
membro do serviço americano e vários outros que foram feridos — mas não fez
menção a nenhuma morte de civis. Oficiais militares dos EUA inicialmente
negaram qualquer morte de civis e (consequentemente) a reportagem da CNN sobre
o ataque nada disse sobre isso.
Mas
relatos vindos do Yemen rapidamente trouxeram à tona que 30 pessoas foram
mortas, incluindo 10 mulheres e crianças. Entre os mortos: Nawar, a neta de 8
anos de Nasser al-Awlaki, filha de Anwar Awlaki.
Nawar Awlaki, morta por ordem de Trump
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Como
observou meu colega Jeremy Scahill – que entrevistou longamente os avós no
Yemen para seu livro e filme nas “Guerras Sujas” de Obama – a menina foi
“atingida no pescoço”, sangrando até a morte durante duas horas. “Por que matar
crianças?”, perguntou o avô. “Essa é o novo governo (dos EUA) – é muito triste,
um grande crime.”
O New
York Times reportou ontem
que oficiais militares estiveram planejando e debatendo o ataque durante meses,
durante o governo Obama — mas decidiram deixar a escolha para Trump. O novo
presidente autorizou pessoalmente o ataque semana passada. Alegou-se que o
“alvo principal” do ataque “eram arquivos de computador existentes dentro da
casa, que poderiam ter pistas sobre futuras tramas terroristas.” O jornal citou
um oficial do Yemen dizendo que “ao menos oito mulheres e sete crianças, de
idade entre 2 e 13, foram mortas no ataque”, que também “danificou severamente
uma escola, um centro de saúde e uma mesquita”.
Como mostrou em
detalhes meu colega Matthew Cole, poucas semanas atrás, a Equipe 6 das forças
especiais da Marinha, com toda a sua glória pública, tem uma longa história de
“vinganças, mortes injustificadas, mutilações e outras atrocidades”. E Trump jurou publicamente
durante a campanha transformar em alvo não apenas terroristas mas também suas
famílias. Tudo isso exige inquéritos corajosos e independentes sobre esta
operação.
O
mais trágico de tudo é que – assim como acontecia no Iraque – a Al Qaeda tinha
muito pouca presença no Yemen antes do governo Obama começar a bombardear o
país e atacá-lo com drones, matando civis e empurrando as
pessoas para os braços do grupo militante. Como disse o
jovem escritor yemenita Ibrahim Mothana ao Congresso em 2013:
Os
ataques de drones estão causando nos yemenitas cada vez mais ódio pelos
americanos e levando-os a aderir aos militantes radicais… Infelizmente, vozes
liberais nos Estados Unidos estão ignorando amplamente, ou perdoando, as mortes
de civis e assassinatos extrajudiciais no Yemen.
Durante
a presidência de George W. Bush, a ira teria sido tremenda. Mas hoje há pouco
clamor, ainda que o que esteja acontecendo seja, em vários aspectos, uma
continuidade ampliada das políticas de Bush…
Os
defensores de direitos humanos precisam pronunciar-se. A política de
contraterrorismo dos EUA no Yemen está não apenas tornando o país menos seguro
— ao fortalecer o apoio para a A.Q.A.P. [Al-Qaeda na Península Arábica] — mas
poderia, em última instância, colocar em perigo os Estados Unidos e o mundo
inteiro.
Essa
é a razão por que é crucial – no momento em que surgem protestos urgentes
e necessários contra os abusos de Trump – não permitir que a história
recente dos EUA seja esquecida. A selvageria de longa data praticada pelo país
não pode ser vista de modo simplório, como aberração trumpiana — nem se deve
esquecer a estrutura da Guerra ao Terror, que engendra esses novos assaltos.
Alguns dos abusos atuais são obra específica de Trump, mas – como descrevi domingo
— boa parte delas é produto de décadas de uma mentalidade e de um sistema de
guerra e de poderes executivos que todos precisamos enfrentar.
Esconder
esses fatos, ou permitir que os responsáveis por eles posem de opositores a
tudo isso, não é apenas enganador, mas também contraprodutivo. Muito do que se
faz agora vem em odiosa continuidade e não apareceu do nada.
É
verdadeiramente estimulante ver a raiva gerada pelo banimento, por Trump, de
refugiados, e de pessoas que têm visto, vindas de países como o Yemen. Mas
também dá muita raiva que os EUA continuem a massacrar civis yemenitas, tanto
diretamente quanto por meio de seus parceiros sauditas. Não é apenas Trump que
precisa de oposição veemente — mas uma mentalidade e um sistema.
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