quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

LUANDA, 442 ANOS…



Martinho Júnior | Luanda

1- A cidade capital de Angola perfez a 25 de Janeiro de 2017, 442 anos, o que significa que na África Austral é das cidades mais antigas do continente africano.

Historicamente Luanda é um marco exponencial da concepção dum país pensado a partir das iniciativas de quem chegou por mar, inclusive enquanto uma das plataformas indispensáveis como recurso de penetração no interior por parte do colonialismo português, algo que não se conseguiu rectificar depois da independência nacional, vai para 43 anos!...

Outras cidades do litoral angolano foram criadas no mesmo diapasão, como Benguela, Porto Amboim e Moçâmedes (que saudosismo colonial é revelado pelo regresso a esse nome), sendo a única excepção a cidade e porto do Lobito, o único fruto criado já em época de revolução industrial, correspondendo aos interesses da aristocracia financeira mundial e seu “lobby” dos minerais (casas Rockefeller e Rothschield, por via das iniciativas de Cecil John Rhodes e dos seus “homens-de-mão”, neste caso de Robert Williams, em prol do império britânico).

Se as cidades da colonização portuguesa eram feitorias litorais com fortim (Luanda assistiu à criação de pelo menos três), plataformas de encontros das caravanas que partiam e chegavam penosamente do interior, Lobito foi a única que foi criada e concebida já no início do século XX, em função dum caminho-de-ferro internacional de penetração conectando o seu porto e de modo a que os minérios do Katanga (RDC) e do “copperbelt” da Zâmbia fossem explorados e exportados de África, para os grandes centros industriais dos Estados Unidos e Europa.

A cidade e o porto do Lobito foi assim a única implantação no litoral angolano que não assistiu ao comércio e embarque de escravos, como aconteceu com as outras…

“Paga castigo” por causa disso, não podendo ser capital de província alguma e eu por tabela até parece “pagar castigo”, por incognitamente ter nascido num “bungalow” (as primeiras instalações, já desaparecidas, do hospital do CFB)!...

2- Os portugueses como bons geógrafos, escolheram bem a implantação de Luanda: num meridiano de 300 milhas náuticas existiam (e existem ainda hoje) disponibilidades de aguada ímpares a sul do grande Congo: o M’Bridge, o Loge, o Dange, o Bengo, o Cuanza, o Longa e o Queve, entre outros cursos, rompem com os fenómenos de desertificação que por influência da corrente fria de Benguela se estendem desde o sul.

Também por engenharia que entrelaça o depósito de aluviões do Cuanza e a força da corrente fria de Benguela que se desloca ao longo da costa desde o sul do Atlântico, as areias acumuladas possibilitaram a formação de baías que são abrigos naturais, como a do Mussulo e a de Luanda, o que favorecia também os enredos de segurança indispensáveis à implantação das feitorias e dos navios à vela de então.

Por fim, no paralelo de Luanda a planície do litoral angolano alarga-se numa profundidade de mais de 200 km, até ao Dondo, o que possibilitava a formação dum domínio suficiente para ganhar forças e galgar na profundidade as serranias na direcção do interior leste, cavalgando os planaltos imensos que se inclinam até à fronteira com os países que são hoje a RDC e a Zâmbia.

Mesmo assim a resistência nos Dembos aconteceu até 1917!

3- Luanda e Benguela foram as feitorias que haveriam de servir de base à implantação de infraestruturas, estruturas e polos industriais, que até à década de 60 do século passado eram raquíticas, por que por si o colonialismo português, não abrangido pela revolução industrial e de características meio feudais (reflectindo uma burguesia agrária que esteve na base do suporte ao fascismo), só com a aquiescência para com o seu aliado principal, a coroa britânica, conseguiu romper com o palúdico marasmo tropical.

Foi em resultado do início da luta de libertação nacional que o colonialismo português tentou reagir e estabeleceu projectos geoestratégicos que aproveitavam a visão de quem chega por mar: a criação dum triângulo do litoral com maior densidade populacional e malha mais apertada de ocupação e serviços administrativos, onde implantou, longe das fronteiras, o grosso das infraestruturas, estruturas e seus polos industriais de desenvolvimento (década de 70 do século XX), com Luanda a, nesse papel, ser uma das principais molas impulsionadoras para as vias e meios a potenciar até à região central das grandes nascentes.

Isso foi de tal modo determinante que todos os colonatos foram implantados dentro desse triângulo e a geoestratégia do Exercício ALCORA em território angolano tem tudo a ver com essa artificiosa razão causal da internacional fascista!

Assim, à data da independência Luanda teria pouco mais de 600.000 habitantes, cerca de 1/8 da população total de Angola de então, um país meio adormecido, meio despovoado e esvaído em seus fantasmas de opróbrio, escravatura e colonialismo!...

4- As disputas pela independência, entre o movimento de libertação e os etno-nacionalismos semeados pelas correntes mais retrógradas e afoitas ao neocolonialismo, seguidas pela luta contra o “apartheid” e sua panóplia de aliados internos e externos, não trazendo no após independência alterações às projecções coloniais em relação à implantação de infraestruturas, estruturas e polos industriais, começaram por inércia a ser uma fonte de atracção para com as comunidades rurais do interior, parte delas afectadas directa ou indirectamente pelas convulsões que se foram sucedendo.

Esse fenómeno contrariou a visão oportunista e subversiva de Savimbi, expressa pelo professor da Sorbonne, Atsutsé Kokouvi Agbobli em “Jonas Savimbi – combates por África e a democracia”, também exposta no então lugar digital na Internet da “Association Franco-Africaine pour la Renaissance et la Democratie” (“AFARD”), com sede no nº 66 da Avenida Champs – Elysées, 75.008, Paris, (http://www.afard-unita.asso.fr/), quando havia formulado a luta “do interior” contra “o litoral”, dos “autóctones” contra os“crioulos”, numa altura em que nem a sua mobilização poderia fazer mais parar a atracção das comunidades à relativa segurança do litoral angolano, bem longe das fronteiras onde ocorria a “Iª Guerra Mundial Africana” que teve quota-parte de sua autoria!

Esse assunto foi mesmo apresentado a 5 de Maio de 1998, num colóquio realizado na Sorbonne subordinado ao tema “GUERRE OU PAIX EN ANGOLA?”, promovido pelos sectores favoráveis à UNITA, aproveitando praticamente as comemorações dos 30 anos do Maio de 1968, dando seguimento propagandístico às ideias expressas por Savimbi em entrevista realizada pelo próprio Atsutsé Kokouvi Agbobli, traduzida no livro “JONAS SAVIMBI – COMBATES PELA ÁFRICA E PELA DEMOCRACIA”, facto que a partir do contentor de apoio ao Estado-Maior das FAA reportei a 18 de Julho de 1998 em “UNITA – Uma nova estratégia de desestabilização do País – II”… 

A entrada no período do choque neoliberal em 1992 criou em Savimbi essa contradição que o seu fundamentalismo doutrinário e ideológico, embriagado pelos interesses e conveniências externas e pelo calor das refregas da “somalização”, não detectou a tempo, num mal avisado processo telúrico que concorreu para o seu esgotamento sócio-político e para o seu próprio final em 2002.

Nesses dez anos os refugiados internos afluíam massivamente ao litoral numa cadência cada vez mais significativa e foi assim que em 2002 se iniciou o período dos impactos do âmbito da terapia neoliberal que se sucederam ao choque, cruamente expostos em Luanda!

5- Desde o início do século XXI, poucas iniciativas têm rompido com essa tendência de fluxo interno de migrações humanas a serem sorvidas pelo litoral e particularmente por Luanda e a cosmopolita região de Benguela-Catumbela-Lobito, pelo que em termos de geoestratégia de implantação de infraestruturas, estruturas e polos industriais, não houve ruptura em relação ao colonialismo de última geração, aquele que injectava os processos de assimilação finais.

Nesse sentido a barbárie de Savimbi foi providencial!

As culturas tradicionais das comunidades rurais entraram em colapso e os migrantes forçados instalaram-se nos subúrbios em subculturas recentes, precárias e mal interiorizadas, autênticos mal parados cinturões de musseques em torno da área urbanizada, onde imperava a miséria, a subnutrição, a falta de infraestruturas sanitárias, a doença, a anarquia das construções… onde se instalou a marginalidade e a criminalidade de rua!

Houve um enorme esforço no sentido de alterar em sentido inverso essa imensa derrapagem humana, num processo que continua.

A cidade de Luanda possui agora, de acordo com estimatiuvas correntes após o censo, 8,3 milhões de habitantes, cerca de 12 vezes a sua população em 1975, 1/3 da população de Angola contemporânea e expandiu-se entre o Bengo e o Cuanza, bem como ao longo da planície do litoral em direcção ao Dondo, dum modo não programado e com todos os inconvenientes duma acelerada desertificação por acção humana, visível por exemplo para quem consulta o “Google Earth”.

Foi assim que se confiou no deus mercado e no seu livre arbítrio em Angola!

Foi também assim que o porto de Luanda assistiu ao fim do seu nó ferroviário, em benefício de privatização de interesses, que alterou profundamente os conceitos de suas infraestruturas e estruturas e deu azo a que empresas privadas de camionagem tomassem o lugar dos comboios!

As “novas elites” tenderam a ocupar a faixa do litoral a seu bel-prazer e as populações “de baixa renda” tiveram de se contentar em ser encaminhadas para áreas como o Zango, entre Viana e a povoação ribeirinha da margem direita do Cuanza, Calumbo, novas fronteiras com intensas marcas psicológicas em função dessas “novas projecções”!

Luanda, no seu 442º aniversário e em pleno período de impactos de terapia neoliberal, cresceu, mas não se desenvolveu de forma sustentável e equilibrada, muito menos harmónica, pior ainda em relação ao ambiente, enquanto Angola continua “por arrasto” numa inerte geoestratégia colonial em termos de implantação de infraestruturas, estruturas e polos industriais, apesar da construção das barragens no médio Cuanza, assim como das políticas tão urgentes de diversificação económica, abrirem um postigo para finalmente se poder inaugurar a nova geoestratégia para um desenvolvimento sustentável que tenho vindo a propor, que poderá vir a reflectir os enormes potenciais da própria independência, soberania e identidade nacional, conformes ao programa maior do MPLA!

Enfrentar as assimetrias só poderá plenamente acontecer quando se iniciar um quadro assumido nessa geoestratégia carente de patriotismo e de socialismo (palavra abolida dos dicionários angolanos)!

6- Luanda reflecte hoje todos esses momentos históricos de intensidade variável, que passaram dos tempos das trevas, aos tempos palúdicos e dos tempos palúdicos coloniais, aos tempos heroicos da independência e por fim a um frenético crescimento mercenário, misto de ilusões, deslumbramentos e enriquecimentos fáceis e fúteis, mas sobretudo o dum crescimento populacional sem precedentes entre 1975 e 2018, em 43 anos!

Cresceram os arranha-céus de cimento armado, vidro e detentores de padrões elevadíssimos de consumo energético, nas mesmas ruas estreitas e em declive até à quota do mar do passado, contrastando com as velhas construções térreas do tempo da criação das fortalezes, em vias de desaparecer, dos robustos edifícios da época do café (conforme os que possuem fachadas com grandes arcadas, na Marginal, entre eles o edifício do Banco Nacional de Angola), bem como das construções mais elevadas dos tempos dos primeiros diamantes fora do controlo da empresa majestática que foi a Diamang (por exemplo o Hotel Presidente)…

Luanda dos impactos neoliberais e dos deslumbramentos daqueles “novos-ricos” que copiaram nos Dubais e outros exteriores a sua apressada visão das grandes cidades, tornou-se num universo concentracionário que absorve as energias nacionais e se esgota estonteante no comércio “da revirada” mercenária: para quê fornecer a todo o país, que só dá prejuízo e chatice por causa dos custos e sacrifícios em transportes, quando cerca de 30% da população de Angola está ali concentrada e à mercê dos grandes apetites?...

… E o crescimento das infraestruturas e estruturas de Luanda tornou-se tão precipitado, desordenado, selvagem e anárquico, que “se meteu o Rossio na rua da betesga” (assimilação a quanto obrigas) e até os parques florestais recomendáveis para as grandes urbes do globo, foram “irremediavelmente” esquecidos (ironia deste destino, eles em função dos desertos são incomportáveis, tal e qual como nos Dubais)!

As palmeiras da nova Marginal 4 de Fevereiro foram importadas da Flórida por “iluminados” desta globalização de espelhos capazes de tudo esbanjar e a flora local foi dispensada e remetida ao cada vez mais reduzido espaço em torno do morro da fortaleza São Miguel, agora Museu Militar: num claro aviso para que não houvesse dúvidas, nem hipótese de escapar aos novos tempos, até uma fortaleza de consumo está implantada agora nesse mesmo morro, uma “nova fortaleza” ainda por inaugurar, tapando das vistas de quem acede ao local a partir da própria marginal, a fortaleza original!...

7- Os angolanos continuam “amarrados” às projecções geoestratégicas assimiladas do passado, das visões de quem chega pelo mar, apesar das novas barragens que o Presidente João Lourenço levou como sinal de independência e soberania para Davos, apesar de ser tão importante uma diversificação económica que se alimente da agricultura, da pecuária e dos imensos espaços vitais do interior polvilhados da água dos fartos rios, alguns dos quais aproveitando a partir da região central das grandes nascentes o declive suave para o interior, na direcção das grandes bacias do Congo e do Zambeze!

Os angolanos continuam “amarrados” a Luanda, agora capital referencial dos deslumbramentos e lantejoulas neoliberais típicos da terapia em plena globalização “inaugurada” com a “era Bush” em 2002, há apenas 16 anos dos actuais 442 anos que perfazem sua idade!

Os sonhos de independência, soberania e fortalecimento da identidade nacional, os sonhos dum amplo renascimento para o povo angolano e para os povos de África, são ainda para muito poucos que ousam enveredar pela crítica ao passado, incluindo o passado recente, numa lógica com sentido de vida que seja uma antítese à barbárie da “somalização”, mas há que romper em definitivo com todos os pesadelos que se esbatem desde o passado das grandes trevas até hoje, pelo que conhecer os termos da evolução de Luanda, é cultural e inteligentemente indispensável para, começando a romper com eles, se poder semear civilizadamente em direcção ao futuro!

Martinho Júnior - Luanda, 25 de Janeiro de 2016

Imagens do arquivo de MJ:
Luanda a 1 de Maio de 2006, vista da fortaleza;
Luanda, a 11 de Julho de 2017, vista da fortaleza e em direcção ao mesmo enquadramento;
Luanda, Grande Hotel Luanda, hoje Casa da Cultura do Brasil (2017);
Luanda, BNA noturno visto do Museu da Moeda (5 de Janeiro de 2017);
Luanda, Monumento ao Soldado Desconhecido, o último monumento que foi inaugurado na capital.

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