Martinho Júnior | Luanda
1- A cidade capital de Angola
perfez a 25 de Janeiro de 2017, 442 anos, o que significa que na África Austral
é das cidades mais antigas do continente africano.
Historicamente Luanda é um marco
exponencial da concepção dum país pensado a partir das iniciativas de quem
chegou por mar, inclusive enquanto uma das plataformas indispensáveis como
recurso de penetração no interior por parte do colonialismo português, algo que
não se conseguiu rectificar depois da independência nacional, vai para 43
anos!...
Outras cidades do litoral
angolano foram criadas no mesmo diapasão, como Benguela, Porto Amboim e
Moçâmedes (que saudosismo colonial é revelado pelo regresso a esse nome), sendo
a única excepção a cidade e porto do Lobito, o único fruto criado já em época
de revolução industrial, correspondendo aos interesses da aristocracia
financeira mundial e seu “lobby” dos minerais (casas Rockefeller e
Rothschield, por via das iniciativas de Cecil John Rhodes e dos seus “homens-de-mão”,
neste caso de Robert Williams, em prol do império britânico).
Se as cidades da colonização
portuguesa eram feitorias litorais com fortim (Luanda assistiu à criação de
pelo menos três), plataformas de encontros das caravanas que partiam e chegavam
penosamente do interior, Lobito foi a única que foi criada e concebida já no
início do século XX, em função dum caminho-de-ferro internacional de penetração
conectando o seu porto e de modo a que os minérios do Katanga (RDC) e do “copperbelt” da
Zâmbia fossem explorados e exportados de África, para os grandes centros
industriais dos Estados Unidos e Europa.
A cidade e o porto do Lobito foi
assim a única implantação no litoral angolano que não assistiu ao comércio e
embarque de escravos, como aconteceu com as outras…
“Paga castigo” por causa
disso, não podendo ser capital de província alguma e eu por tabela até
parece “pagar castigo”, por incognitamente ter nascido num “bungalow” (as
primeiras instalações, já desaparecidas, do hospital do CFB)!...
2- Os portugueses como bons
geógrafos, escolheram bem a implantação de Luanda: num meridiano de 300 milhas
náuticas existiam (e existem ainda hoje) disponibilidades de aguada ímpares a
sul do grande Congo: o M’Bridge, o Loge, o Dange, o Bengo, o Cuanza, o Longa e
o Queve, entre outros cursos, rompem com os fenómenos de desertificação que por
influência da corrente fria de Benguela se estendem desde o sul.
Também por engenharia que
entrelaça o depósito de aluviões do Cuanza e a força da corrente fria de
Benguela que se desloca ao longo da costa desde o sul do Atlântico, as areias
acumuladas possibilitaram a formação de baías que são abrigos naturais, como a
do Mussulo e a de Luanda, o que favorecia também os enredos de segurança
indispensáveis à implantação das feitorias e dos navios à vela de então.
Por fim, no paralelo de Luanda a
planície do litoral angolano alarga-se numa profundidade de mais de 200 km, até
ao Dondo, o que possibilitava a formação dum domínio suficiente para ganhar
forças e galgar na profundidade as serranias na direcção do interior leste,
cavalgando os planaltos imensos que se inclinam até à fronteira com os países
que são hoje a RDC e a Zâmbia.
Mesmo assim a resistência nos
Dembos aconteceu até 1917!
3- Luanda e Benguela foram as
feitorias que haveriam de servir de base à implantação de infraestruturas,
estruturas e polos industriais, que até à década de 60 do século passado eram
raquíticas, por que por si o colonialismo português, não abrangido pela
revolução industrial e de características meio feudais (reflectindo uma
burguesia agrária que esteve na base do suporte ao fascismo), só com a
aquiescência para com o seu aliado principal, a coroa britânica, conseguiu
romper com o palúdico marasmo tropical.
Foi em resultado do início da
luta de libertação nacional que o colonialismo português tentou reagir e
estabeleceu projectos geoestratégicos que aproveitavam a visão de quem chega
por mar: a criação dum triângulo do litoral com maior densidade populacional e
malha mais apertada de ocupação e serviços administrativos, onde implantou,
longe das fronteiras, o grosso das infraestruturas, estruturas e seus polos
industriais de desenvolvimento (década de 70 do século XX), com Luanda a, nesse
papel, ser uma das principais molas impulsionadoras para as vias e meios a
potenciar até à região central das grandes nascentes.
Isso foi de tal modo determinante
que todos os colonatos foram implantados dentro desse triângulo e a
geoestratégia do Exercício ALCORA em território angolano tem tudo a ver com
essa artificiosa razão causal da internacional fascista!
Assim, à data da independência
Luanda teria pouco mais de 600.000 habitantes, cerca de 1/8 da população total
de Angola de então, um país meio adormecido, meio despovoado e esvaído em seus
fantasmas de opróbrio, escravatura e colonialismo!...
4- As disputas pela
independência, entre o movimento de libertação e os etno-nacionalismos semeados
pelas correntes mais retrógradas e afoitas ao neocolonialismo, seguidas pela
luta contra o “apartheid” e sua panóplia de aliados internos e
externos, não trazendo no após independência alterações às projecções coloniais
em relação à implantação de infraestruturas, estruturas e polos industriais,
começaram por inércia a ser uma fonte de atracção para com as comunidades
rurais do interior, parte delas afectadas directa ou indirectamente pelas
convulsões que se foram sucedendo.
Esse fenómeno contrariou a visão
oportunista e subversiva de Savimbi, expressa pelo professor da Sorbonne,
Atsutsé Kokouvi Agbobli em “Jonas Savimbi – combates por África e a
democracia”, também exposta no então lugar digital na Internet da “Association
Franco-Africaine pour la Renaissance et la Democratie” (“AFARD”), com sede
no nº 66 da Avenida Champs – Elysées, 75.008, Paris, (http://www.afard-unita.asso.fr/),
quando havia formulado a luta “do interior” contra “o litoral”,
dos “autóctones” contra os“crioulos”, numa altura em que nem a sua
mobilização poderia fazer mais parar a atracção das comunidades à relativa
segurança do litoral angolano, bem longe das fronteiras onde ocorria a “Iª
Guerra Mundial Africana” que teve quota-parte de sua autoria!
Esse assunto foi mesmo
apresentado a 5 de Maio de 1998, num colóquio realizado na Sorbonne subordinado
ao tema “GUERRE OU PAIX EN ANGOLA?”, promovido pelos sectores
favoráveis à UNITA, aproveitando praticamente as comemorações dos 30 anos do
Maio de 1968, dando seguimento propagandístico às ideias expressas por Savimbi
em entrevista realizada pelo próprio Atsutsé Kokouvi Agbobli, traduzida no
livro “JONAS SAVIMBI – COMBATES PELA ÁFRICA E PELA DEMOCRACIA”, facto que
a partir do contentor de apoio ao Estado-Maior das FAA reportei a 18 de Julho
de 1998 em “UNITA – Uma nova estratégia de desestabilização do País – II”…
A entrada no período do choque
neoliberal em 1992 criou em Savimbi essa contradição que o seu fundamentalismo
doutrinário e ideológico, embriagado pelos interesses e conveniências externas
e pelo calor das refregas da “somalização”, não detectou a tempo, num mal
avisado processo telúrico que concorreu para o seu esgotamento sócio-político e
para o seu próprio final em 2002.
Nesses dez anos os refugiados
internos afluíam massivamente ao litoral numa cadência cada vez mais
significativa e foi assim que em 2002 se iniciou o período dos impactos do
âmbito da terapia neoliberal que se sucederam ao choque, cruamente expostos em
Luanda!
5- Desde o início do século XXI,
poucas iniciativas têm rompido com essa tendência de fluxo interno de migrações
humanas a serem sorvidas pelo litoral e particularmente por Luanda e a
cosmopolita região de Benguela-Catumbela-Lobito, pelo que em termos de
geoestratégia de implantação de infraestruturas, estruturas e polos
industriais, não houve ruptura em relação ao colonialismo de última geração,
aquele que injectava os processos de assimilação finais.
Nesse sentido a barbárie de
Savimbi foi providencial!
As culturas tradicionais das
comunidades rurais entraram em colapso e os migrantes forçados instalaram-se
nos subúrbios em subculturas recentes, precárias e mal interiorizadas,
autênticos mal parados cinturões de musseques em torno da área urbanizada, onde
imperava a miséria, a subnutrição, a falta de infraestruturas sanitárias, a
doença, a anarquia das construções… onde se instalou a marginalidade e a
criminalidade de rua!
Houve um enorme esforço no
sentido de alterar em sentido inverso essa imensa derrapagem humana, num
processo que continua.
A cidade de Luanda possui agora,
de acordo com estimatiuvas correntes após o censo, 8,3 milhões de habitantes,
cerca de 12 vezes a sua população em 1975, 1/3 da população de Angola
contemporânea e expandiu-se entre o Bengo e o Cuanza, bem como ao longo da
planície do litoral em direcção ao Dondo, dum modo não programado e com todos
os inconvenientes duma acelerada desertificação por acção humana, visível por
exemplo para quem consulta o “Google Earth”.
Foi assim que se confiou no deus
mercado e no seu livre arbítrio em Angola!
Foi também assim que o porto de
Luanda assistiu ao fim do seu nó ferroviário, em benefício de privatização de
interesses, que alterou profundamente os conceitos de suas infraestruturas e
estruturas e deu azo a que empresas privadas de camionagem tomassem o lugar dos
comboios!
As “novas elites” tenderam
a ocupar a faixa do litoral a seu bel-prazer e as populações “de baixa
renda” tiveram de se contentar em ser encaminhadas para áreas como o
Zango, entre Viana e a povoação ribeirinha da margem direita do Cuanza,
Calumbo, novas fronteiras com intensas marcas psicológicas em função
dessas “novas projecções”!
Luanda, no seu 442º aniversário e
em pleno período de impactos de terapia neoliberal, cresceu, mas não se
desenvolveu de forma sustentável e equilibrada, muito menos harmónica, pior
ainda em relação ao ambiente, enquanto Angola continua “por arrasto” numa
inerte geoestratégia colonial em termos de implantação de infraestruturas,
estruturas e polos industriais, apesar da construção das barragens no médio
Cuanza, assim como das políticas tão urgentes de diversificação económica,
abrirem um postigo para finalmente se poder inaugurar a nova geoestratégia para
um desenvolvimento sustentável que tenho vindo a propor, que poderá vir a
reflectir os enormes potenciais da própria independência, soberania e
identidade nacional, conformes ao programa maior do MPLA!
Enfrentar as assimetrias só
poderá plenamente acontecer quando se iniciar um quadro assumido nessa
geoestratégia carente de patriotismo e de socialismo (palavra abolida dos
dicionários angolanos)!
6- Luanda reflecte hoje todos
esses momentos históricos de intensidade variável, que passaram dos tempos das
trevas, aos tempos palúdicos e dos tempos palúdicos coloniais, aos tempos
heroicos da independência e por fim a um frenético crescimento mercenário,
misto de ilusões, deslumbramentos e enriquecimentos fáceis e fúteis, mas
sobretudo o dum crescimento populacional sem precedentes entre 1975 e 2018, em
43 anos!
Cresceram os arranha-céus de
cimento armado, vidro e detentores de padrões elevadíssimos de consumo
energético, nas mesmas ruas estreitas e em declive até à quota do mar do
passado, contrastando com as velhas construções térreas do tempo da criação das
fortalezes, em vias de desaparecer, dos robustos edifícios da época do café
(conforme os que possuem fachadas com grandes arcadas, na Marginal, entre eles
o edifício do Banco Nacional de Angola), bem como das construções mais elevadas
dos tempos dos primeiros diamantes fora do controlo da empresa majestática que
foi a Diamang (por exemplo o Hotel Presidente)…
Luanda dos impactos neoliberais e
dos deslumbramentos daqueles “novos-ricos” que copiaram nos Dubais e
outros exteriores a sua apressada visão das grandes cidades, tornou-se num
universo concentracionário que absorve as energias nacionais e se esgota
estonteante no comércio “da revirada” mercenária: para quê fornecer a
todo o país, que só dá prejuízo e chatice por causa dos custos e sacrifícios em
transportes, quando cerca de 30% da população de Angola está ali concentrada e
à mercê dos grandes apetites?...
… E o crescimento das
infraestruturas e estruturas de Luanda tornou-se tão precipitado, desordenado,
selvagem e anárquico, que “se meteu o Rossio na rua da betesga” (assimilação
a quanto obrigas) e até os parques florestais recomendáveis para as grandes
urbes do globo, foram “irremediavelmente” esquecidos (ironia deste
destino, eles em função dos desertos são incomportáveis, tal e qual como nos
Dubais)!
As palmeiras da nova Marginal 4
de Fevereiro foram importadas da Flórida por “iluminados” desta
globalização de espelhos capazes de tudo esbanjar e a flora local foi
dispensada e remetida ao cada vez mais reduzido espaço em torno do morro da
fortaleza São Miguel, agora Museu Militar: num claro aviso para que não
houvesse dúvidas, nem hipótese de escapar aos novos tempos, até uma fortaleza
de consumo está implantada agora nesse mesmo morro, uma “nova
fortaleza” ainda por inaugurar, tapando das vistas de quem acede ao local
a partir da própria marginal, a fortaleza original!...
7- Os angolanos continuam “amarrados” às
projecções geoestratégicas assimiladas do passado, das visões de quem chega
pelo mar, apesar das novas barragens que o Presidente João Lourenço levou como
sinal de independência e soberania para Davos, apesar de ser tão importante uma
diversificação económica que se alimente da agricultura, da pecuária e dos
imensos espaços vitais do interior polvilhados da água dos fartos rios, alguns
dos quais aproveitando a partir da região central das grandes nascentes o
declive suave para o interior, na direcção das grandes bacias do Congo e do
Zambeze!
Os angolanos continuam “amarrados” a
Luanda, agora capital referencial dos deslumbramentos e lantejoulas neoliberais
típicos da terapia em plena globalização “inaugurada” com a “era
Bush” em 2002, há apenas 16 anos dos actuais 442 anos que perfazem sua
idade!
Os sonhos de independência,
soberania e fortalecimento da identidade nacional, os sonhos dum amplo
renascimento para o povo angolano e para os povos de África, são ainda para
muito poucos que ousam enveredar pela crítica ao passado, incluindo o passado
recente, numa lógica com sentido de vida que seja uma antítese à barbárie
da “somalização”, mas há que romper em definitivo com todos os pesadelos
que se esbatem desde o passado das grandes trevas até hoje, pelo que conhecer
os termos da evolução de Luanda, é cultural e inteligentemente indispensável
para, começando a romper com eles, se poder semear civilizadamente em direcção
ao futuro!
Martinho Júnior - Luanda, 25 de Janeiro de 2016
Imagens do arquivo de MJ:
Luanda a 1 de Maio de 2006, vista
da fortaleza;
Luanda, a 11 de Julho de 2017,
vista da fortaleza e em direcção ao mesmo enquadramento;
Luanda, Grande Hotel Luanda, hoje
Casa da Cultura do Brasil (2017);
Luanda, BNA noturno visto do
Museu da Moeda (5 de Janeiro de 2017);
Luanda, Monumento ao Soldado
Desconhecido, o último monumento que foi inaugurado na capital.
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