quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

PORTUGAL | Com democracias destas...


Rui Sá | Jornal de Notícias | opinião

Creio que, hoje, a maior parte das pessoas já entendeu que, afinal, a alteração à lei do financiamento dos partidos políticos não teve a "gravidade" que alguns - e sabemos os seus inconfessáveis propósitos - lhe atribuíam. Afinal não houve secretismo nem falta de transparência, antes um procedimento habitual na Assembleia da República (criação de grupos de trabalho constituídos por todos os partidos para adiantarem trabalho). E as alterações não passaram por aumentar a subvenção pública, mas antes para aumentar a capacidade de os partidos se autofinanciarem através da sua própria atividade. E, quanto ao IVA, houve uma clarificação da situação (que possibilitava diferentes interpretações, como, aliás, acontece em diversas outras áreas da atividade económica) - que poderá, efetivamente, aumentar isenções (e consequente aumento da receita), mas cujo objetivo foi, apenas, precisar o que é e o que não pode ser considerado como atividade política.

Mas, ultrapassada esta situação, que o CDS, em particular e com a demagogia populista da sua própria matriz (lembram-se dos cartazes deste partido com as panelas para demonizar a regionalização - que resumiam à criação de mais "tachos?), tentou cavalgar, novos elementos inquinam a credibilidade do funcionamento partidário - aqui com factos que, objetivamente, o descredibilizam, dado que a maior parte das pessoas não distingue, por ignorância, por facilitismo ou por interesse, a árvore da floresta...

Refiro-me ao pagamento, em massa, de quotas de militantes para poderem votar nas eleições partidárias (diretas ou não), bem como ao arrebanhamento de "militantes" para votarem em quem o cacique manda..."Fenómeno" que ganhou mais relevância pública no PSD, onde, dizem, 20 mil militantes pagaram quotas atrasadas num dia e se descobriram, em Ovar, carrinhas a arrebanhar militantes para votarem e "militantes- -fantasmas" que vivem, em magotes, na mesma casa cujos moradores dizem nada ter a ver com o PSD (Rio envelheceu mesmo, dado que, há 20 anos, lutou pela refiliação dos militantes do PSD para, dizia, impedir estas situações!...). Mas que se repetiu nas diversas eleições concelhias do PS onde, dizem-no dirigentes do próprio PS, há pessoas que são apelidadas de "sacos de votos", pelo poder cacique que exercem sobre gente cuja militância apenas se revela no instante das eleições internas partidárias...

E, aqui, podemos estar perante fenómenos de financiamentos encapotados de empresas a partidos - é sabido que as quotas de centenas de militantes são pagas por uma única pessoa (sendo difícil provar a verdadeira origem dessas verbas). Mas, essencialmente, estamos perante um desvirtuamento das regras democráticas partidárias.

E isto faz-me refletir sobre a imposição que partidos que permitem estes comportamentos fizeram, em 2003, aos outros partidos, principalmente o PCP. De facto, foi nessa altura que PSD, PS e CDS decidiram impor, à sua própria imagem, um conjunto de regras, uma das quais a de que a eleição dos órgãos dirigentes partidários deve ser por voto secreto. Regra imposta ao PCP que, como se sabe, permitia que fossem os próprios militantes a decidirem, por braço no ar, o método de votação. Imposição que procurava fazer crer que o PCP não era democrático porque elegendo a direção por braço no ar (como acontece na generalidade das associações e mesmo em empresas...) os militantes estariam condicionados, pelo medo de assumirem as suas divergências.

Eu, militante que tantas vezes no interior do meu partido expressei as minhas discordâncias com esta ou aquela posição, com este ou com aquele camarada, continuo a achar que o grau de democraticidade partidária não se mede pelo método de votação mas sim pela cultura democrática dos partidos. Que, pelos exemplos que referi, não abunda em alguns lados...

Engenheiro

Sem comentários:

Mais lidas da semana