Pedro Ivo Carvalho | Jornal de
Notícias | opinião
De todas as vezes que um
"tubarão" é apanhado nas malhas de uma investigação criminal, somos
assaltados pela dúvida: estará a Justiça refém da exposição dos casos mais
mediáticos para dar provas de vida e de imparcialidade? E essa dúvida leva-nos
a outra: será que ela se alimenta dessa circunstância para justificar algumas
das suas práticas? Deitar a Justiça num divã para lhe medirmos o pulso e a
orientação é um exercício quase tão velho como a opção de tapar com uma venda
os olhos da deusa que a simboliza. Mas nunca como agora foi tão premente
discernir ação de reação. Porque uma Justiça que brilha não é o mesmo que uma
Justiça brilhante.
A tentação, porém, é grande. E
ontem, a propósito da Operação Lex, pudemos ver como, mais uma vez, o
"sistema" sucumbiu ao gostinho de transformar um caso suculento num
seletivo espetáculo televisionado, mandando novamente às malvas esse conceito
tão debatido e vilipendiado que é o segredo de Justiça. Ora, parecendo isto uma
maleita marginal que afeta um corpo em constante regeneração, pode vir a
degenerar, a prazo, numa perversão que mina não só a seriedade daqueles que
todos os dias aplicam as leis e conduzem as investigações criminais, como ferir
de morte a confiança que os cidadãos depositam nesses mesmos protagonistas. As
luzes do palco conseguem ser ofuscantes se estiverem sempre apontadas na
direção dos atores.
Certamente que a publicitação das
boas práticas judiciais (garantida pelo alcance mediático dos suspeitos sob
investigação) tem o efeito de atenuar os efeitos nefastos das más práticas
judiciais. Em particular aquelas que, no recato dos tribunais e sem câmaras de
televisão por perto, permitem, como foi revelado há dias, que uma anónima
mulher vítima de violência doméstica morra às mãos do marido agressor por
inépcia de um Ministério Público que não acionou nenhum dos mecanismos
previstos na lei para protegê-la. Apenas 37 dias depois de essa mesma mulher
apresentar a primeira queixa.
Ter uma Justiça atuante, que não
se intimida ante os mais poderosos ou influentes, como temos testemunhado no
mandato da atual procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, só nos
tranquiliza verdadeiramente se isso não significar que, fora dos holofotes,
ficamos entregues aos vícios do costume. Os troféus fazem bem ao ego da
Justiça, mas não podem ser a base da sua dieta.
*Subdiretor do JN
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