Entre os mais otimistas em
Timor-Leste, o período entre agosto do ano passado e o início deste ano acabou
por ter alguma utilidade, pelo menos educativa e de formação de Estado. O país
pode ter ficado em suspenso – o Estado continua a ser o maior motor da economia
e a desaceleração do impasse político já se começa a notar – mas apesar das
críticas e até insultos nas redes sociais, os debates intensos sobre a
Constituição ficaram-se pela política e pela dialética.
As autoridades registam a
reduzida ocorrência de incidentes, a população continua a sua vida em quase
total normalidade e o país manteve-se ativo, embora com um ritmo ligeiramente
mais lento. Se fosse outrora, a tensão política que levou agora à dissolução do
Parlamento e à decisão do Presidente em convocar eleições antecipadas poderia
ter tido um impacto de maior tensão social.
Mas ao contrário do que aconteceu
em 2006 e 2007, quando a tensão política saltou para as ruas, para a violência
e para a destruição de propriedade pública e privada, hoje ninguém em
Timor-Leste quer voltar a esse tempo.
O desbloqueio da situação surgiu
na semana passada quando o Presidente da República timorense, Francisco
Guterres Lu-Olo, anunciou a dissolução do Parlamento Nacional – dias depois de
cumprir seis meses da eleição dos deputados, a 22 de julho – e que iria
convocar eleições antecipadas.
Perante os principais dirigentes
do país, Lu-Olo disse que a dissolução do Parlamento Nacional e a convocatória
de eleições antecipadas eram a solução para resolver o impasse político em
Timor-Leste.
“O Presidente da República confia
no povo, como o povo confiou nele. E, está convencido que o povo deve ser
chamado, mais uma vez, a ajudar com o voto, a ultrapassar o desafio que se
coloca à nossa jovem democracia. O Presidente conclama todo o povo a votar, em
eleições parlamentares antecipadas”, afirmou.
Para o chefe de Estado, o país
não pode “continuar na situação, que já é de grave crise institucional”, sendo
necessário voltar às urnas.
Dirigentes timorenses saudaram a
decisão do Presidente da República em dissolver o Parlamento Nacional e
convocar eleições antecipadas, considerando que era crucial não adiar mais a
resolução do impasse.
Ainda assim e apesar de,
publicamente, os dirigentes dos partidos da oposição terem garantido que
respeitarão a decisão de Lu-Olo, horas depois, nas redes sociais, sucediam-se
as críticas à decisão do Presidente da República, com jornalistas próximos da
oposição a juntarem a voz à de militantes desses partidos e a questionarem a
independência do chefe de Estado, que é presidente da Fretilin, o partido que
lidera a coligação do Governo.
Para Mari Alkatiri,
primeiro-ministro e defensor da opção das eleições antecipadas, a opção é
positiva. “É uma decisão que vai ajudar a resolver os problemas, penso eu. Mas
espero que seja uma decisão que abra caminho para um novo clima de
entendimento”, disse o chefe do Governo, que é também secretário-geral da
Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).
“Ninguém deveria estar a governar
sozinho, nem pretender governar contra o sentido do voto”, disse, depois de
ouvir no Palácio Presidencial a declaração de Lu-Olo.
Questionado sobre o facto de
alguns questionarem a independência do chefe de Estado – que é presidente da
Fretilin -, Mari Alkatiri disse que os críticos da decisão “têm consciência de
que houve bloqueio ao exercício do poder político”.
Também Mariano Sabino, líder do
Partido Democrático (PD, parceiro da Fretilin no Governo), saudou a decisão, garantindo
que o executivo governará em defesa da nação até ao voto e criticando os que
veem a democracia apenas como uma questão numérica.
“É uma situação difícil para
Timor-Leste e para o Governo e para todos os timorenses, mas o povo tem de
responder ao desafio”, afirmou.
“Quando há insultos a pessoas é
antidemocrático, quando se utiliza a democracia apenas em termos numéricos é
antidemocrático. A democracia não é só números, é princípio e atitude, é
compromisso: o compromisso do povo na eleição compromete a existência do
partido e quando o partido nega esse compromisso ao povo, a existência do
partido acabou”, disse.
Do lado da oposição, os
principais partidos dizem que a decisão era esperada, tendo Adérito Hugo da
Costa, ex-presidente do Parlamento Nacional e atual deputado do Congresso
Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) afirmado que o partido está
preparado.
“Não estou desapontado. Estamos
preparados para qualquer decisão, incluindo eleição antecipada”, disse,
escusando-se a confirmar se a oposição concorrerá com uma aliança pré-eleitoral.
“Depois desta decisão vamos ver a
nossa posição para definir a forma como vamos participar nas próximas eleições.
A máquina do partido está pronta, antes das eleições, depois das eleições, e
continua a reorganizar-se para participar nas eleições”, disse.
Fidelis Magalhães, líder da
bancada do Partido Libertação Popular (PLP), disse que esta decisão do
Presidente já era esperada.
“Tínhamos previsto que a decisão
ia ser a convocação de eleição antecipada. Continuaremos a lutar, a defender os
princípios e valores democráticos e a Constituição. Estamos prontos. Pelo menos
há uma decisão do Presidente”, afirmou à Lusa.
Lere Anan Timur, comandante das
Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), considerou a decisão do chefe de
Estado inteligente, permitindo resolver o impasse que se arrastava há algum
tempo.
“Penso que é uma boa decisão. Uma
decisão inteligente. O poder é do povo e se os líderes dirigentes da nação não
se entendem, então é bom regressar ao povo para eles decidirem. É a melhor
decisão”, afirmou.
Também o líder da Conferência
Episcopal Timorense, o bispo Basílio do Nascimento, saudou a decisão, que
considerou ser a “menos chocante” para a população.
“Nós os timorenses temos feridas
que ainda não foram saradas e tirar [o Governo] de um para dar ao outro?
Ouvindo os sentimentos das pessoas penso que é a porta mais equilibrada e menos
dolorosa”, disse à Lusa.
Manifestando-se esperançado em
que os líderes políticos ouçam o povo, Basílio do Nascimento reconheceu o risco
de a situação ter desmotivado a população a participar no ato eleitoral.
“Nestes 15 anos, o povo timorense
foi chamado a aprender rapidamente a viver em democracia, uma vez que em 15
anos, aquilo que acontece nas democracias mais desenvolvidas aconteceu em
Timor-Leste. Desde as crises, até agora, é a primeira vez na história que temos
a dissolução do parlamento. É uma boa lição para o povo timorense”, concluiu.
António Sampaio-Exclusivo
Lusa/Plataforma Macau 02.02.2018
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