segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Indecisão em Timor Leste vai prolongar-se ainda vários meses


Entre os mais otimistas em Timor-Leste, o período entre agosto do ano passado e o início deste ano acabou por ter alguma utilidade, pelo menos educativa e de formação de Estado. O país pode ter ficado em suspenso – o Estado continua a ser o maior motor da economia e a desaceleração do impasse político já se começa a notar – mas apesar das críticas e até insultos nas redes sociais, os debates intensos sobre a Constituição ficaram-se pela política e pela dialética.

As autoridades registam a reduzida ocorrência de incidentes, a população continua a sua vida em quase total normalidade e o país manteve-se ativo, embora com um ritmo ligeiramente mais lento. Se fosse outrora, a tensão política que levou agora à dissolução do Parlamento e à decisão do Presidente em convocar eleições antecipadas poderia ter tido um impacto de maior tensão social.

Mas ao contrário do que aconteceu em 2006 e 2007, quando a tensão política saltou para as ruas, para a violência e para a destruição de propriedade pública e privada, hoje ninguém em Timor-Leste quer voltar a esse tempo. 

O desbloqueio da situação surgiu na semana passada quando o Presidente da República timorense, Francisco Guterres Lu-Olo, anunciou a dissolução do Parlamento Nacional – dias depois de cumprir seis meses da eleição dos deputados, a 22 de julho – e que iria convocar eleições antecipadas. 

Perante os principais dirigentes do país, Lu-Olo disse que a dissolução do Parlamento Nacional e a convocatória de eleições antecipadas eram a solução para resolver o impasse político em Timor-Leste.

“O Presidente da República confia no povo, como o povo confiou nele. E, está convencido que o povo deve ser chamado, mais uma vez, a ajudar com o voto, a ultrapassar o desafio que se coloca à nossa jovem democracia. O Presidente conclama todo o povo a votar, em eleições parlamentares antecipadas”, afirmou. 

Para o chefe de Estado, o país não pode “continuar na situação, que já é de grave crise institucional”, sendo necessário voltar às urnas.

Dirigentes timorenses saudaram a decisão do Presidente da República em dissolver o Parlamento Nacional e convocar eleições antecipadas, considerando que era crucial não adiar mais a resolução do impasse.

Ainda assim e apesar de, publicamente, os dirigentes dos partidos da oposição terem garantido que respeitarão a decisão de Lu-Olo, horas depois, nas redes sociais, sucediam-se as críticas à decisão do Presidente da República, com jornalistas próximos da oposição a juntarem a voz à de militantes desses partidos e a questionarem a independência do chefe de Estado, que é presidente da Fretilin, o partido que lidera a coligação do Governo.

Para Mari Alkatiri, primeiro-ministro e defensor da opção das eleições antecipadas, a opção é positiva. “É uma decisão que vai ajudar a resolver os problemas, penso eu. Mas espero que seja uma decisão que abra caminho para um novo clima de entendimento”, disse o chefe do Governo, que é também secretário-geral da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).

“Ninguém deveria estar a governar sozinho, nem pretender governar contra o sentido do voto”, disse, depois de ouvir no Palácio Presidencial a declaração de Lu-Olo. 

Questionado sobre o facto de alguns questionarem a independência do chefe de Estado – que é presidente da Fretilin -, Mari Alkatiri disse que os críticos da decisão “têm consciência de que houve bloqueio ao exercício do poder político”.

Também Mariano Sabino, líder do Partido Democrático (PD, parceiro da Fretilin no Governo), saudou a decisão, garantindo que o executivo governará em defesa da nação até ao voto e criticando os que veem a democracia apenas como uma questão numérica. 

“É uma situação difícil para Timor-Leste e para o Governo e para todos os timorenses, mas o povo tem de responder ao desafio”, afirmou.

“Quando há insultos a pessoas é antidemocrático, quando se utiliza a democracia apenas em termos numéricos é antidemocrático. A democracia não é só números, é princípio e atitude, é compromisso: o compromisso do povo na eleição compromete a existência do partido e quando o partido nega esse compromisso ao povo, a existência do partido acabou”, disse.

Do lado da oposição, os principais partidos dizem que a decisão era esperada, tendo Adérito Hugo da Costa, ex-presidente do Parlamento Nacional e atual deputado do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) afirmado que o partido está preparado.
“Não estou desapontado. Estamos preparados para qualquer decisão, incluindo eleição antecipada”, disse, escusando-se a confirmar se a oposição concorrerá com uma aliança pré-eleitoral. 
“Depois desta decisão vamos ver a nossa posição para definir a forma como vamos participar nas próximas eleições. A máquina do partido está pronta, antes das eleições, depois das eleições, e continua a reorganizar-se para participar nas eleições”, disse.

Fidelis Magalhães, líder da bancada do Partido Libertação Popular (PLP), disse que esta decisão do Presidente já era esperada. 

“Tínhamos previsto que a decisão ia ser a convocação de eleição antecipada. Continuaremos a lutar, a defender os princípios e valores democráticos e a Constituição. Estamos prontos. Pelo menos há uma decisão do Presidente”, afirmou à Lusa.

Lere Anan Timur, comandante das Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), considerou a decisão do chefe de Estado inteligente, permitindo resolver o impasse que se arrastava há algum tempo. 

“Penso que é uma boa decisão. Uma decisão inteligente. O poder é do povo e se os líderes dirigentes da nação não se entendem, então é bom regressar ao povo para eles decidirem. É a melhor decisão”, afirmou. 

Também o líder da Conferência Episcopal Timorense, o bispo Basílio do Nascimento, saudou a decisão, que considerou ser a “menos chocante” para a população. 

“Nós os timorenses temos feridas que ainda não foram saradas e tirar [o Governo] de um para dar ao outro? Ouvindo os sentimentos das pessoas penso que é a porta mais equilibrada e menos dolorosa”, disse à Lusa.

Manifestando-se esperançado em que os líderes políticos ouçam o povo, Basílio do Nascimento reconheceu o risco de a situação ter desmotivado a população a participar no ato eleitoral. 

“Nestes 15 anos, o povo timorense foi chamado a aprender rapidamente a viver em democracia, uma vez que em 15 anos, aquilo que acontece nas democracias mais desenvolvidas aconteceu em Timor-Leste. Desde as crises, até agora, é a primeira vez na história que temos a dissolução do parlamento. É uma boa lição para o povo timorense”, concluiu. 

António Sampaio-Exclusivo Lusa/Plataforma Macau  02.02.2018

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