quarta-feira, 7 de março de 2018

Líder timorense «acusa» Austrália e uma comissão da ONU


O líder histórico da Resistência timorense, Kay Rala Xanana Gusmão, principal negociador das fronteiras marítimas, segundo uma carta divulgada pela ABC Radio Australia, terá acusado o governo australiano de eventual conluio com os parceiros do gasoduto de Darwin e com as empresas interessadas no Greater Sunrise, alegadamente com o apoio da Comissão de Conciliação da ONU.

M. Azancot de Menezes*| Jornal Tornado

O problema em causa relaciona-se com uma suposta oferta pela Austrália de um gasoduto na ordem dos 100 milhões de dólares caso Timor-Leste aceitasse que o gasoduto fosse para Darwin e não para a Costa Sul de Timor-Leste como é desejo dos timorenses.

Há várias empresas envolvidas neste imbróglio onde se incluem a ConocoPhillips, a Osaka Gas, a Royal Dutch Shell e a Woodside, que lidera o grupo, e que têm a concessão do Greater Sunrise. Segundo a notícia divulgada pela Rádio ABC australiana, também poderá haver um certo conluio da Comissão da ONU, na medida em que não terá sido imparcial e terá ultrapassado o seu mandato ao apresentar “recomendações formais sobre o desenvolvimento do Greater Sunrise”.

A divulgação desta carta pela rádio ABC da Austrália surgiu antes do anúncio da assinatura do acordo entre a Austrália e Timor-Leste sobre a delimitação das fronteiras marítimas, rubricado pelo adjunto do primeiro-ministro timorense, Agio Pereira, e pela ministra dos negócios estrangeiros australiana, Julie Bishop, com o testemunho de António Guterres, Secretário-Geral da ONU e de Peter Jensen, Presidente da Comissão de Conciliação da ONU.

Após a assinatura do acordo, no dia 6 de Março de 2018, que não contou com a presença de Xanana Gusmão, a ministra australiana considerou ser um acto histórico muito importante “ao lado do nosso bom amigo e vizinho Timor-Leste”, tendo também a embaixadora dos EUA em Timor-Leste manifestado a sua satisfação, contudo, o documento ainda terá que ser ratificado pelos parlamentos de Timor-Leste e da Austrália, e outros obstáculos se seguirão com as negociações sobre o gasoduto do Greater Sunrise.

Soberania de Timor-Leste é inegociável e as riquezas pertencem ao seu povo

O Estado de Timor-Leste tem como objectivos fundamentais, diz o artigo 6º da sua Constituição, «defender e garantir a soberania do país», «garantir o desenvolvimento da economia e o progresso da ciência e da técnica», «proteger o meio ambiente e preservar os recursos naturais».

Com grande determinação e firmeza, e com o apoio do martirizado povo timorense, conquistou-se a liberdade e independência nacional. Alcançada a liberdade e independência nacional, com a formação da Assembleia Constituinte, e com as eleições que se lhe sucederam, criaram-se as condições para o início do normal funcionamento de um País, contexto favorável à produção de políticas conducentes ao desenvolvimento social, cultural e económico do território, um desiderato a alcançar com o capital humano existente, com a ajuda internacional (seleccionada) e com os recursos naturais de Timor-Leste.

A questão dos recursos naturais de Timor-Leste, onde se inclui o petróleo e o gás, remete para o problema ainda não (totalmente) resolvido das fronteiras marítimas e da exploração das nossas riquezas, um imperativo nacional!

Os estudos já efectuados por vários cientistas e políticos internacionais sobre a questão da exploração do petróleo de Timor-Leste e do envolvimento das multinacionais ajudam a explicar e a fundamentar as razões do direito à indignação e à reivindicação.

Harterich (2013), através de um ensaio muito interessante, esclareceu sobre o petróleo, as fronteiras e a disputa timorense pelo mar de Timor-Leste. Através deste estudo facilmente se compreende que as empresas multinacionais que trabalham na exploração dos recursos do mar de Timor começaram a ver os riscos causados pela independência de Timor-Leste, pois, uma das consequências seria Timor-Leste apresentar queixa a um tribunal internacional (Triggs, 2000) e fazer exigências nos termos da UNCLOS (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), como veio a acontecer.

O futuro e o desenvolvimento de Timor-Leste dependem em grande parte dos recursos petrolíferos, portanto, há aspectos fundamentais que têm que ser resolvidos na sua totalidade sem colocar em causa a soberania de Timor-Leste.

Segundo Harterich (2013), a delimitação da fronteira entre a Austrália e Timor-Leste no mar de Timor cria um âmbito mais claro e estável para a exploração do nosso petróleo. Anderson (2003), outro estudioso destas matérias, citado por esta investigadora, argumentou que o Timor Sea Treaty é vantajoso apenas para a Austrália e não considera os interesses de Timor-Leste.

Estes e outros estudos mostram que os governos australianos saíram vencedores nas negociações com prejuízos para Timor-Leste, pelo que, se o governo da Austrália desejar realizar negociações sobre os campos petrolíferos, e estas sejam sérias, será um factor positivo porque obviamente, o Tratado do Mar de Timor e o Tratado sobre Determinados Ajustes Marítimos no Mar de Timor (Treaty on Certain Maritime Arrangements in the Timor Sea – CMATS) não consagram soberania a Timor-Leste.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar foi ratificada por quase todos os países do mundo. Incluem as convenções sobre a Plataforma Continental (porção dos fundos marítimos), sobre o Alto Mar (zonas marítimas que não se encontram sob jurisdição de nenhum Estado), sobre o Mar Territorial (zona marítima contígua ao Estado costeiro e sobre o qual se estrutura a soberania), entre outras.

Timor-Leste, membro das Nações Unidas, tem direitos e deveres nos seus espaços marítimos, nomeadamente, em relação ao aproveitamento dos seus recursos, mas também para garantir a soberania e jurisdição. O exercício do poder do Estado timorense em relação ao espaço marítimo que lhe pertence é fundamental para aproveitarmos de forma sustentável os recursos vivos e inertes existentes.

Para todos os timorenses (verdadeiramente) nacionalistas a soberania de Timor-Leste é inegociável e inquestionável, pelo que, as riquezas de Timor-Leste devem pertencer em exclusivo ao povo timorense.

Riqueza dos campos petrolíferos de Bayu Undan e Greater Sunrise

Nos termos do Acordo do Timor Gap (Timor Gap Treaty), os campos petrolíferos mais cobiçados eram e continuam a ser o Bayu Undan e o Greater Sunrise. O primeiro está situado na denominada Zona de Cooperação mas muito perto da Área B atribuída à Austrália. O segundo campo petrolífero, o Sunrise, 2,5 vezes maior que o Bayu, está um pouco afastado da Zona de Cooperação e situa-se mais próximo da Área C, atribuída à Indonésia.

Estes campos petrolíferos são muito cobiçados pela enorme riqueza em gás natural e petróleo. Segundo alguns especialistas, o campo do Greater Sunrise pode ter reservas em gás na ordem dos 5 (cinco) triliões de pés cúbicos (um pé cúbico equivale aproximadamente 0,02831685 metros cúbicos ou a 28,3169 litros), havendo por isso muitas empresas internacionais interessadas na exploração de petróleo e gás neste campo pois poderia render a Timor-Leste mais de $4.000 milhões de dólares. Mesmo que as estimativas não estejam completamente certas e actualizadas sobre as riquezas de Bayu Undan e do Greater Sunrise, segundo vários especialistas, os valores são sempre muito elevados.

Segundo o estudo de Serra (2006) intitulado, Timor-Leste: o petróleo e o futuro, de acordo com estimativas recentes, em Bayu Undan, poderá haver cerca de 175 milhões de barris de LPG (Liquified Petroleum Gas), 229 milhões de barris de crude e 66 milhões de toneladas de LNG (Liquified Natural Gas), no total equivalente a 1,05 mil milhões de barris de petróleo.

De forma análoga, de acordo com a mesma pesquisa, no Greater Sunrise, haverá 300 milhões de barris (condensado) e 177 milhões de toneladas de LNG, num total equivalente a cerca de 2.05 mil milhões de barris de petróleo.

Se os valores actuais são estes ou não, mais ou menos elevados, para o caso o que importa aqui colocar em relevo é que o total das riquezas dos campos petrolíferos em Baydu Undan e Greater Sunrise pertencem a Timor-Leste, portanto, por uma questão de soberania, não podemos deixar de fazer as nossas exigências independentemente da vontade da Austrália.

Mapa guião para a Austrália e Indonésia explorarem o petróleo de Timor-Leste


Através do Mapa adaptado de Mercer (2004) e Hãrterich (2013), é possível observar a marcação de três Áreas (A, B e C), criadas a partir do Tratado do Timor Gap, e que serviram de guião para que a Austrália e a Indonésia explorassem o petróleo do mar de Timor com alguma harmonia entre eles. Para este efeito, o Tratado do Timor Gap incluía a criação de duas instituições, o Conselho Ministerial e a Autoridade Comum. Segundo Kaye (1994) & Hãrterich (2013), o Conselho Ministerial englobava ministros dos dois Países que tinham como principal missão administrar os assuntos ligados à exploração dos recursos petrolíferos na Zona de Cooperação situada entre a Área B afecta à Austrália e a Área C atribuída à Indonésia, e a Autoridade Comum estava indicada para as decisões técnicas de rotina.

De acordo com a pesquisa realizada por dois autores (Kaye, 1994 & Hãrterich, 2013), a Área B (parte Sul) estava sob administração da Austrália, e por isso tinha direito a 84% dos rendimentos da exploração dos recursos petrolíferos e a Indonésia recebia 16%. A Área C (parte Norte) pertencia à Indonésia e por esta razão tinha direito à maior fatia, segundo Ishizuka (2004) e Hãrterich (2013), com 90% e a Austrália com os restantes 10%. A Área A, onde estava a chamada Zona de Cooperação supervisionada pelo Conselho formado por Ministros da Austrália e da Indonésia, seria explorada em comum e o rendimento distribuído pelos dois Países.

*Secretário-Geral do Partido Socialista de Timor-Leste e PhD em Educação.


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