Cúpula entre os chefes de Estado
americano e norte-coreano anunciada para maio desperta esperanças quanto à
distensão da crise intercontinental. Confira seis perguntas e respostas sobre a
reunião histórica.
Nesta quinta-feira (08/03), uma
notícia surpreendeu o mundo: o governo da Coreia do Sul anunciou que o
presidente americano, Donald Trump, e o ditador norte-coreano, Kim
Jong-un, concordaram
em se encontrar.
Após mais de um ano de tensões
com o presidente americano, Kim propôs uma reunião a Trump e lhe ofereceu
interromper o programa nuclear e de mísseis de seu país para iniciar uma
negociação. O encontro histórico foi anunciado para maio. Confira o que está em
jogo:
Quão importante seria um encontro
entre Donald Trump e Kim Jong-un?
O encontro de mais alto escalão
entre um representante dos Estados Unidos e um da Coreia do Norte transcorreu
há quase duas décadas, quando, em 2000, a então secretária de Estado americana,
Madeleine Albright, reuniu-se em Pyongyang com Kim Jong-il, então líder
norte-coreano e pai de Kim Jong-un.
Por diversas vezes,
ex-presidentes dos EUA visitaram o país asiático, a fim de mediar conflitos. Em
1994 Jimmy Carter conseguiu evitar a ameaça de uma escalada militar, e em 2010
ajudou na libertação de um cidadão americano preso.
Bill Clinton esteve em 2009 na
Coreia do Norte, numa missão semelhante, conseguindo trazer duas jornalistas de
volta para seu país. Durante essa viagem, houve também um encontro direto entre
o ex-presidente e o então líder Kim Jong-il. As fotos dos dois políticos lado a
lado rodaram mundo.
Para Trump, há muito em jogo num
encontro com o líder norte-coreano: um avanço no conflito estagnado seria seu
maior êxito de política externa, em mais de um ano de mandato.
Para Kim, não é de se subestimar
o elemento de prestígio: justamente ele, o provocador nuclear basicamente
isolado, seria o primeiro dirigente norte-coreano a obter um encontro com um
chefe de Estado americano.
O que aconteceu antes do anúncio
da cúpula?
O ano de 2017 foi dominado por
uma guerra verbal entre os dirigentes americano e norte-coreano, acompanhada
por uma série de provocações militares. Em seu discurso de Ano Novo, Kim
anunciou, por um lado, que seu país era agora capaz de atingir todos os Estados
Unidos com seus mísseis.
Por outro lado, porém, voltou a
adotar um tom mais brando em relação a Seul, após longo período de silêncio.
Ele mencionou o possível envio de uma delegação norte-coreana para os Jogos
Olímpicos de Inverno em Pyeongchang; e propôs um encontro preparatório entre
representantes governamentais de ambos os lados.
A Coreia do Sul reagiu
positivamente à oferta, e poucos dias mais tarde delegados do Norte e do Sul
sentavam-se juntos para dialogar. O resultado foi uma ofensiva de charme sem
precedentes durante os Jogos de Inverno, com desfile conjunto de ambas as
Coreias sob uma bandeira neutra – tudo isso sob os olhos de Kim
Jo-yong, irmã de Kim Jong-un.
Ela foi o primeiro membro da
dinastia Kim a pisar em solo sul-coreano desde a divisão da península,
sendo recebida diversas vezes pelo presidente Moon Jae-in.
Os temores de que a fase de
distensão terminaria com o fim dos Jogos não se confirmaram. No início de
março, uma delegação governamental sul-coreana, liderada pelo assessor de Segurança
Nacional, partiu para Pyongyang em viagem oficial, pela primeira vez desde a
posse de Kim Jong-un.
Logo em seguida, Seul divulgou
que no fim de abril haverá um encontro entre Moon e Kim. O último encontro de
cúpula entre as duas Coreias realizou-se em 2007, entre Kim Jong-il e o então
presidente sul-coreano, Roh Moo-hyun.
O que exige e o que oferece a
Coreia do Norte?
O assessor de Segurança Nacional
da Coreia do Sul levou diversas mensagens a Trump. Segundo estas, Kim Jong-un
estaria disposto a conversar sobre uma desnuclearização total de Península da
Coreia, se a segurança de seu país for garantida.
Além disso, Kim assegurou que não
haverá testes atômicos ou balísticos enquanto estiverem transcorrendo as
conversas bilaterais entre seu país e os EUA. E declarou-se disposto a aceitar
a manutenção dos exercícios militares regulares sul-coreano-americanos. Até
então, Pyongyang impunha o fim dos treinos como pré-condição para o diálogo.
Como reagem China, Coreia do Sul
e Japão?
Antes do anúncio do surpreendente
encontro entre Kim e Trump, o ministro do Exterior da China, Wang Yi, se
manifestara numa coletiva de imprensa à margem do Congresso Nacional do Povo,
em Pequim, a favor de um intercâmbio entre os EUA e a Coreia do Norte.
O Ministério do Exterior chinês
referiu-se a sinais positivos entre Washington e Pyongyang: "Estamos
felizes de que a Coreia do Norte e os EUA tenham se decidido a dar esse
passo", declarou o porta-voz do órgão, Geng Shuang.
Liang Yabin, politólogo da Escola
Central do Partido em Pequim em contrapartida, considera os tons conciliadores
ainda "superficiais": trata-se de uma "pausa" na crise, mas
ainda não de uma "virada estratégica". Em artigo para um jornal da
capital, ele argumenta: a Coreia do Norte ainda precisa de tempo até dominar o
know-how para a miniaturização das ogivas de seus mísseis de longo alcance e
para um reingresso seguro na atmosfera.
Trump, por sua vez, prossegue o
especialista chinês, aplicaria uma estratégia calculista de política interna:
em novembro realizam-se eleições para o Congresso nos EUA. Se ele conseguisse apresentar
uma perspectiva de solução para a crise da Coreia, isso beneficiaria os
candidatos de seu Partido Republicano.
Para o presidente da Coreia do
Sul, Moon Jae-in, a conferência de cúpula anunciada é um "ponto de partida
para uma península coreana livre de armas nucleares".
O primeiro-ministro japonês,
Shinzo Abe, saudou a mudança de curso da Coreia do Norte, a qual seria
resultado tanto da cooperação entre os EUA e o Japão, quanto da pressão
internacional sobre a liderança em Pyongyang.
Segundo noticiou o jornal
japonês Asahi Shimbun, antes de sinalizar a disposição para o encontro,
Trump teria combinado, em telefonema com Abe, continuar mantendo "pressão
máxima" sobre a Coreia do Norte. O político japonês planeja um encontro
com o americano ainda em abril.
Quão avançado está o programa
nuclear e balístico norte-coreano?
A Coreia do Norte aderiu ao
Tratado de Não Proliferação Nuclear em 1985, sob pressão da União Soviética.
Sete anos mais tarde, Pyongyang e Seul declaravam a península coreana zona
livre de armas atômicas. Pouco depois, porém, os norte-coreanos negaram aos
inspetores da Organização Internacional de Energia Atômica (OIEA) o acesso a
suas instalações nucleares.
Em 1994, no acordo básico de
Genebra, o país declarou mais uma vez que renunciava a armas nucleares, mas em
2002 os EUA acusaram Pyongyang de continuar desenvolvendo-as. No ano seguinte,
os norte-coreanos abandonaram o Tratado de Não Proliferação, e em 2005
admitiram oficialmente possuir armamentos nucleares.
De início, os especialistas se
mostraram céticos, mas isso mudou com o primeiro teste nuclear, em 2006,
desencadeando criticas por todo o mundo, até mesmo da China, aliada da Coreia
do Norte. Seguiu-se uma espiral de sanções e novos testes.
Em 2012, o país alterou sua
Constituição, autodeclarando-se potência nuclear. O último teste, até o
momento, supostamente envolvendo uma bomba de hidrogênio, realizou-se em
setembro de 2017.
Paralelamente ao programa de
armas atômicas, a Coreia do Norte avançou na tecnologia de mísseis balísticos.
De início dependente do apoio da União Soviética e da China, hoje o país é
exportador de tecnologia balística. Ao longo dos anos, conseguiu desenvolver
mísseis de alcance cada vez maior.
Pelo menos desde 2016 Pyongyang
trabalha no desenvolvimento de mísseis intercontinentais com alcance de mais de
10 mil quilômetros, capazes de atingir o território dos Estados Unidos,
com os quais realizou alguns testes.
No momento não há dados
conclusivos sobre a confiabilidade e precisão dos mísseis intercontinentais
norte-coreanos, nem sobre até que ponto o país está apto a instalar ogivas
nucleares miniaturizadas nos sistemas portadores.
Que papel desempenham as sanções
contra a Coreia do Norte?
Desde 2006 o Conselho de
Segurança das Nações Unidas aprovou 11 resoluções com novas sanções ou o
endurecimento das existentes contra a Coreia do Norte. A última foi em dezembro
de 2017, em resposta ao teste com um míssil intercontinental: a Resolução 2.397
restringe ainda mais os fornecimentos de petróleo vitais para o país, entre
outros pontos.
Os Estados-membros da ONU estão
autorizados a fiscalizar se navios em suas águas territoriais levam carregamentos
de petróleo proibidos para a Coreia do Norte. Os
"trabalhadores-hóspedes" norte-coreanos no exterior deverão ser
enviados de volta a seu país, num prazo de 24 meses. Essa mão de obra
emprestada é uma importante fonte de divisas para o regime.
Além disso, os EUA impuseram um
grande número de sanções unilaterais. Na mais recente, em 23 de fevereiro, o
Departamento de Estado aplicou medidas punitivas contra 55 navios,
transportadoras navais e empresas comerciais norte-coreanas. Trump disse
tratar-se das "sanções mais pesadas" já impostas. Os aliados China e
Rússia criticam as medidas unilaterais, mas são obrigados a aplicar as impostas
pela ONU.
Em novembro de 2017 o então
ministro do Exterior da Alemanha, Sigmar Gabriel, declarou: "Precisamos
aumentar ainda mais a pressão sobre a Coreia do Norte. Só assim se conseguirá
uma solução pacífica e fazer o país compreender a necessidade de conversas.
Como é sabido, as ofertas nesse sentido estão sobre a mesa."
Esther Felden, Rodion
Ebbighausen, Hans Spross, Dang Yuan (av) | Deutsche Welle
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