Díli, 03 mar (Lusa) -- O
secretário-geral da ONU, António Guterres, testemunha na terça-feira em Nova
Iorque a assinatura de um histórico tratado que pela primeira vez vai delimitar
as fronteiras marítimas entre Timor-Leste e a Austrália, a linha mais polémica
da relação bilateral.
O documento, cujos contornos
exatos ainda não são conhecidos, coloca a linha de fronteira na posição
defendida por Timor-Leste, ou seja, equidistante dos dois países, como Díli
sempre reivindicou.
Uma linha que a administração
colonial portuguesa, os ocupantes indonésios e os dirigentes timorenses desde
sempre defenderam que deveria ser colocada onde agora vai ficar e que formaliza
a posse de recursos que, até aqui, Timor-Leste teve que dividir com Camberra.
O significado histórico do
momento fecha um ciclo com várias décadas de polémicas, protestos e intensas
negociações para definir uma linha cuja indefinição custou a Timor-Leste cinco
mil milhões de dólares, segundo estima a organização La'o Hamutuk.
E que tingiu da pior maneira a
relação de sucessivos Governos australianos com o povo timorense e, desde a
restauração da independência, acabou por marcar negativamente a relação entre
os dois Estados.
Se Timor-Leste foi, durante mais
de duas décadas, a "pedra no sapato" da Indonésia, como a definiu o
ex-ministro indonésio Ali Alatas, o Mar de Timor foi um caro pedregulho na
relação com a Austrália.
'No Blood For Oil', um dos
slogans que nos anos 90 do século passado marcou parte da campanha da ala
externa da luta contra a ocupação indonésia em Timor-Leste, tornou-se um
símbolo do que para muitos foi uma das motivações do reconhecimento australiano
da ocupação e anexação do território pela Indonésia.
"A reação australiana à
invasão indonésia de Timor Português foi influenciada pelo seu interesse nos
campos petrolíferos de Timor Gap. A Austrália tinha um interesse
multibilionário em que a Indonésia ocupasse Timor Português", defende a
académica australiana Kim McGrath num livro sobre o assunto publicado no ano
passado.
Para a académica, os recursos
petrolíferos pertencentes a Timor-Leste no Mar de Timor foram "motor
dominante" das "sucessivas traições" da Austrália aos timorenses
desde que atribuiu unilateralmente as primeiras licenças de exploração na zona
em 1963.
Agio Pereira - um dos homens que
então vestiu as camisolas do 'No Blood for Oil', em vários protestos que
reuniam timorenses e apoiantes australianos na Austrália - assinará o documento
em nome de Timor-Leste.
A testemunhar a cerimónia estará
António Guterres, agora secretário-geral das Nações Unidas mas outrora
primeiro-ministro de Portugal, país que nos idos anos 60 e 70 do século passado
tentou fechar um tratado idêntico com a Austrália.
Presente estará também Xanana
Gusmão o "negociador principal", e o homem que liderou a estratégia
para, primeiro, sentar a Austrália à mesa de uma Comissão de Conciliação criada
no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar (conhecida pela
sigla UNCLOS) e depois para em tempo recorde fechar um acordo que se dizia
impossível.
No entanto, continua sem haver um
acordo para a exploração dos campos de Greater Sunrise, cujas potenciais
receitas definirão o futuro a médio prazo de Timor-Leste.
Ainda assim, faz parte do tratado
quer um acordo sobre a partilha de recursos quando esse modelo de
desenvolvimento seja definido, quer instrumentos - que serão criados quando o
documento for ratificado - para ajudar a avançar essas negociações.
O passo definitivo neste acordo
foi dado no final de agosto do ano passado em Copenhaga quando as duas
delegações acordaram sobre os "elementos centrais" da delimitação de
fronteiras marítimas entre os dois países e sobre o estatuto legal para o
desenvolvimento do poço de gás de Greater Sunrise - com reservas estimadas de
5,1 triliões de pés cúbicos de gás.
Desde aí foi necessário ultimar
detalhes e, acima de tudo, tentar resolver o tema da negociação com o consórcio
que tem a licença para o Greater Sunrise.
É mais um sinal do verdadeiro
impacto do que muitos dizem ter sido a injustiça da situação até ao momento
atual: o futuro de um recurso que está em águas timorenses continua sem
depender exclusivamente de decisões timorenses.
Como nos poços explorados até
aqui, e independentemente de que modelo de desenvolvimento seja acordado, a
Austrália também receberá algumas receitas do Greater Sunrise.
ASP // VM
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