Direcionada à Rússia, a ameaça de
Trump de bombardear a Síria mostra o emaranhado de interesses do conflito. Há
um vácuo de poder na região, que as potências tentam preencher de forma cada
vez mais decisiva.
A ameaça do
presidente americano, Donald Trump, de bombardear a Síria levou a temores de
que a guerra, que já se estende por mais de sete
anos, entrasse num novo patamar.
Os mísseis americanos teriam como
alvo o regime de Bashar al-Assad, que seria o responsável pelo ataque
químico em Duma. Mas a guerra civil síria há muito tempo já não se
trata mais apenas sobre o ditador, como deixou claro o próprio tuite de Trump.
"A Rússia ameaçou derrubar
todos os mísseis disparados na Síria. Prepare-se, Rússia, porque eles vão
chegar, bonitos, novos e 'smart'. Vocês não deveriam ser parceiros desse animal
que mata com gás seu próprio povo e tem prazer nisso", escreveu o
presidente americano.
A Casa Branca depois tratou de
aplacar os temores de uma ofensiva – "todas as opções estão sobre a
mesa" – mas a ameaça de Trump expõe dois desenvolvimentos importantes no
conflito.
Um é que atores importantes estão
sendo arrastados de forma cada vez mais intensa para o conflito, como mostra
a ofensiva turca
sobre Afrin e o bombardeio sobre
a base aérea síria de Taifour, que seria responsabilidade de Israel.
Ao mesmo tempo, cresce a tensão
no Oriente Médio. A guerra deixou um vácuo de poder na região, que as potências
– não apenas regionais – tentam preencher de forma cada vez mais decisiva.
Nesta guerra, há muito tempo o
mais importante deixou de ser os interesses da oposição ou Assad. Em jogo está
algo de maior dimensão. Enquanto Rússia e Irã, aliados do regime sírio, tentam
ampliar sua influência na região, seus adversários – sobretudo EUA e, cada vez
mais, Israel – tentam evitar isso.
"A mais alta prioridade da
política americana consiste em apoiar Israel", afirma Günter Meyer,
diretor do centro de estudos do mundo árabe da Universidade de Mainz. E isso,
lembra o especialista, Trump fez questão de destacar continuamente. "Por
isso a luta contra o Irã tem prioridade alta – funciona como ameaça a
Israel."
O mesmo vale para o movimento
radical libanês Hisbolá. Segundo Meyer, o objetivo é minar o chamado "eixo
xiita", que começa no Irã e passa por Iraque, Síria e Líbano até a
fronteira de Israel. Por isso, continua o especialista, os americanos
aumentaram significativamente sua presença no leste sírio.
"Já se fala atualmente
numa 'meia-lua americana', que passa por todo o nordeste sírio e se estende até
a Jordânia", diz Meyer. A meta: criar um arco de proteção a Israel.
Irã, curdos e Hisbolá
O jornal em árabe Al-Araby
Al-Jadeed, publicado em Londres, coloca o conflito num contexto maior: a Síria
virou cenário de numa guerra por procuração entre EUA e Rússia. Outros palcos
para esse conflito seriam a Ucrânia, no sentido militar, e a Líbia, no sentido
diplomático.
"As relações
russo-americanas entraram numa fase delicada", diz o jornal. "Se
Rússia e EUA se envolverem militarmente (num conflito) no Oriente Médio, não
apenas a guerra na Síria se intensificaria: poderia haver consequências para
toda a região."
Os EUA há tempos veem a Síria de
Assad de forma crítica. Quando os americanos invadiram
o Iraque, em 2003, Damasco permitiu que jihadistas sírios e estrangeiros
cruzassem sem problemas a fronteira.
Ali, eles ajudaram a criar uma
resistência às tropas americanas. A mensagem de Damasco para Washington era
clara: nem pensem em invadir a Síria. Naquela altura, já estava claro que o
regime de Assad estava perdendo simpatia em Washington.
Segundo Meyer, na crise atual,
trata-se sobretudo de minar a Síria, de modo que o país não seja mais um
adversário forte. "As partes desintegradas do país se deixam jogar umas
contras as outras", comenta o analista político.
O cenário se complica também pelo
fato de o Hisbolá, apoiado pelo Irã, se aproximar cada vez mais da fronteira
com Israel através das Colinas do Golã. E o regime de Assad, aliada de ambos,
costuma pôr a Síria à frente da resistência a Israel.
Um contraponto a essa
política é levado pelos curdos no norte da Síria. Mas, no momento, eles
estão tendo que lidar com uma ofensiva turca na região de Afrin. Os curdos
querem uma região autônoma para si, o que vai ao encontro dos interesses de
israelenses. "Israel já declarou que apoia um Estado independente
curdo", diz Meyer. "Isso mostra também do que se trata essa guerra."
Kersten Knipp | Deutsche Welle
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