Miguel Guedes | Jornal de
Notícias | opinião
Uma das questões que pendem no
fio de prumo é a de saber se os problemas de Bruno de Carvalho são maiores do
que os problemas do Sporting, nomeadamente aqueles que criou. A tentação mais
imediata de todos aqueles que foram atacados por Bruno de Carvalho ao longo dos
anos - e poucos escaparam - seria a de proceder ao ajuste de contas, amargo
travo de gosto duvidoso no contorno das facas longas. A natureza humana tem
departamentos de loucura e felicidade que facilmente se confundem com tragédia.
E há quem seja mestre dessa notação. Por vezes, basta o reflexo da curva, um
acervo de dificuldades ou laçados nós que ninguém julgaria ou poderia
antecipar. É tanto o homem que se confunde com algo maior, como é o homem cuja
providência não lhe assiste no simulacro de megalomania. É muito curioso,
perante a espiral destes dias, como assistimos - em simultâneo - ao recato e prudência
daqueles que o presidente do Sporting permanentemente ofendeu e ao ataque feroz
de muitos daqueles que sempre lhe passaram um cheque em branco para tudo o que
lhe antecipava um fim previsível.
Sendo que o tempo do fim não é
certo. Numa altura em que a indefinição é o dado mais seguro, deveria ser o
momento a convocar a sensatez de dizer pouco. A autodestruição ao vivo e em
directo de um homem a que assistimos, foi ao longo dos anos apelidada por
muitos como um facto menor de carácter, agora "burnout" clínico ou
transtorno de personalidade e circunstâncias adjacentes. Em nome da reposição
da grandeza que não deixou de ter e do corte umbilical com a época dos
viscondes, há um dente do leão que sempre afiou as garras do líder sem cuidar
de lhe dar a mão em consciência. Percebo que sejam esses os mais desiludidos
com a sua perda de percepção última, mas é pouco admissível que sejam alguns
deles os seus principais algozes em democracia. Bruno de Carvalho está mais do
que legitimado, até pela sua soberba de legitimidade permanente. Só ele pode
decretar o seu fim em juízo.
Independentemente dos dias que aí
vêm numa realidade que não pode esperar, é a contenção que pode definir uma
resolução em equilíbrio. Nada será como dantes. É absurdo pensar que a condição
fundamental para qualquer continuidade seja a saída ou o corte com as redes
sociais. A sombra de um homem. O fim dos absolutos poderes que ninguém mais
tolerará a Bruno de Carvalho não tem que significar o absoluto regresso da
turma dos nobres e do seu "catering". Sabe-se também que a perfeita
divisão só acentuará a sombra do que será inevitável. Alguém imagina Bruno de
Carvalho como ex-presidente em oposição? A palavra à inteligência emocional dos
sócios numa Assembleia-geral que poderá reunir todos os males do clube numa
sala transformada em jaula. Senão do leão, em nome do homem, que se resista à
tentação do uso do chicote.
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
*Músico e jurista
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