Duas dezenas de jovens activistas
manifestaram-se hoje na Praça da Independência, centro de Luanda, exigindo
respostas para o massacre de milhares de angolanos, em 27 de Maio de 1977,
protesto travado poucos minutos depois pela polícia. A democracia, a liberdade
e as leis “made in MPLA” impostas por João Lourenço (lembram-se quem é?) a isso
obrigam.
O protesto aconteceu cerca das
12:30, quando os activistas angolanos surgiram, a correr, para ocupar a Praça
da Independência, com cartazes e palavras de ordem sobre o 41.º aniversário dos
acontecimentos do 27 de Maio.
“Vamos entrar, vamos entrar no
largo”, gritaram os activistas, enquanto ocorriam na direcção do interior da
praça, já sob vigilância policial.
Em poucos minutos, dezenas de
agentes da Polícia Nacional, incluindo equipas cinotécnicas, acorreram ao
local, retirando os activistas, não sendo conhecidas detenções até ao momento.
O forte aparato policial no local
manteve-se durante vários minutos, sem incidentes visíveis.
A manifestação de hoje foi
anteriormente explicada por Manuel “Nito Alves”, um dos organizadores, do auto
designado Movimento Revolucionário de Angola, como uma “homenagem a todos
aqueles que perderam as suas vidas em sacrifício da verdade, da liberdade e em
nome do país”.
Estes jovens activistas,
conhecidos como “révus”, reclamam o dia de hoje como de “Reflexão e Tolerância
Nacional” e, além do esclarecimento de tudo o que se passou em 1977,
reivindicam igualmente a construção de um memorial às vítimas.
A manifestação foi convocada para
um dia sensível em Angola, já que se cumprem hoje 41 anos sobre o 27 de Maio de
1977 (segundo se crê, no calendário do MPLA o mês de Maio não tem nenhum dia
27…), descrito como uma tentativa de golpe de Estado por “fraccionistas” do
próprio MPLA, então já no poder do país recém-independente, contra o Presidente
Agostinho Neto e o “bureau político” do partido.
Esta foi a primeira manifestação
evocativa dos acontecimentos do 27 de Maio, desde que João Lourenço assumiu o
cargo de Presidente da República de Angola.
Segundo vários relatos, vários
milhares terão morrido naquele dia e seguintes, em 1977, na resposta do regime
angolano, nomeadamente os dirigentes Nito Alves, então ministro da
Administração Interna, José Van-Dúnem, e a sua mulher, Sita Valles.
A Amnistia Internacional estimou
em cerca de 30 mil as vítimas mortais na repressão que se seguiu contra os
“fraccionistas” ou “Nitistas”, como eram conhecidos então. No entanto, diversos
historiados admitem que esse montante mossa chegar às 80 mil.
Está no ADN do MPLA
Os acontecimentos de 27 de Maio
de 1977 em Angola, que provocaram milhares de mortos, foi um “contra-golpe”
resultado de uma provocação, longa e pacientemente planeada, tendo como
responsável máximo Agostinho Neto, que temia perder o poder. Esta é uma das
principais conclusões do livro “Purga em Angola (O 27 de Maio de 1977)”, da
autoria dos historiadores portugueses (já falecidos) Dalila Cabrita Mateus e
Álvaro Mateus.
Há 41 anos, Nito Alves, então
ministro da Administração Interna sob a presidência de Agostinho Neto, liderou
uma manifestação para protestar contra o rumo que o MPLA estava a tomar.
Segundo o livro “havia que evitar que os ‘nitistas’ chegassem ao Congresso,
anunciado para finais de 1977” porque “existia o sério risco de conquistarem os
principais lugares de direcção”.
“A preocupação de Neto e dos seus
era, pois, o poder. E pelo poder fariam tudo”, acrescenta. Exactamente o que
fez José Eduardo dos Santos durante 38 anos. Exactamente o que está a fazer
hoje João Lourenço.
Dalila Mateus afirma que as
informações constantes no livro não serão “a verdade completa” sobre o 27 de
Maio, mas serão, “certamente, a verdade possível, que não estará muito longe da
realidade”.
Por seu lado, Álvaro Mateus
afirma que o objectivo é recordar “um passado sombrio, na esperança de que não
se volte a repetir”.
Na versão oficial, através de uma
declaração do Bureau Político do MPLA, divulgada a 12 de Julho de 1977, o 27 de
Maio foi uma “tentativa de golpe de Estado” por parte de “fraccionistas” do
movimento, cujos principais “cérebros” foram Nito Alves e José Van-Dúnem,
versão que seria alterada mais tarde para “acontecimentos do 27 de Maio”.
Nito Alves e José Van-Dúnem
tinham sido formalmente acusados de fraccionismo em Outubro de 1976. Os visados
propuseram a criação de uma comissão de inquérito, que foi liderada pelo
ex-Presidente angolano e ainda presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos,
para averiguar se havia ou não fraccionismo no seio do partido.
As conclusões desta comissão
nunca chegaram a ser divulgadas publicamente mas, segundo alguns sobreviventes,
revelariam que não existia fraccionismo no seio do MPLA.
De acordo com o livro, o próprio
José Eduardo dos Santos e o primeiro-ministro de então, Lopo do Nascimento,
seriam também alvos a abater pela cúpula do MPLA. O ex-Presidente terá sido
salvo pelo comissário provincial do Lubango, Belarmino Van-Dúnem.
Os apoiantes de Nito Alves
consideravam que o golpe já estava a ser feito por uma ala maoísta do partido,
liderada pelo secretário administrativo do movimento, Lúcio Lara, e que terá
instrumentalizado os principais centros de decisão do partido e os media, em
especial o Pravda (Jornal de Angola), pelo que consideraram que a manifestação
convocada por Nito Alves foi “um contra-golpe”.
Os autores do livro chegam à
mesma conclusão depois de cruzarem a informação recolhida, desde entrevistas a
sobreviventes, ex-elementos da polícia política (DISA) e antigos responsáveis
do MPLA, a notícias ou arquivos da PIDE e do Ministério dos Negócios
Estrangeiros português.
De acordo com o estudo, “a purga
no MPLA atingiu enormes proporções” e é citado um livro laudatório de Agostinho
Neto em que se assinala que “o número de militantes do MPLA, depois das
depurações, baixara de 110.000 para 32.000”.
Em relação ao número de mortos,
os autores optam pela versão dos 30.000, justificando que “no meio-termo estará
a virtude”, depois de analisarem dados tão díspares que vão dos 15.000 aos
80.000.
O livro tenta reconstruir os
acontecimentos antes, durante e pós 27 de Maio de 1977 e dá conta de
testemunhos que referem os horrores a que os chamados fraccionistas foram
submetidos, desde prisões arbitrárias, a tortura, condenações sem julgamento ou
execuções sumárias.
O apontado líder do alegado golpe
de Estado terá sido fuzilado, mas o seu corpo nunca foi encontrado, tal como o
dos seus mais directos apoiantes como José Van-Dúnem e mulher, Sita Valles, que
foi dirigente da UEC, ligada ao Partido Comunista Português, do qual se
desvinculou mais tarde, e foi expulsa do MPLA.
Em Abril de 1992, o governo do
MPLA reconhece que foram “julgados, condenados e executados” os principais
“mentores e autores da intentona fraccionista”, que classificou como “uma acção
militar de grande envergadura” que tinha por objectivo “a tomada do poder pela
força e a destituição do presidente (Agostinho) Neto”.
Segundo os autores do livro, “as
principais responsabilidades” do 27 de Maio “recaem por inteiro sobre Agostinho
Neto” que “não se preocupou com o apuramento da verdade, dispensou os
tribunais, admitiu que fizessem justiça por suas próprias mãos”.
O então Presidente da República
“acabaria por se revelar o chefe duma facção e não o árbitro, o unificador.
Dominado pela arrogância, pela inflexibilidade e pela cegueira, foi incapaz de
temperar a justiça com a piedade”, referem.
Quanto à herança do 27 de Maio, o
livro conclui que “Angola perdeu muitos dos seus melhores quadros: combatentes
experimentados em mil batalhas, mulheres combativas, jovens militantes,
intelectuais e estudantes universitários”.
“Os vencedores do 27 de Maio
parece terem conseguido o milagre de fazer desaparecer os que sonhavam com um
futuro melhor, mais igualitário e mais fraterno para os angolanos”, dizem,
acrescentando que se “impôs no país um clima de medo e de violência” porque
falar do 27 de Maio se tornou “um tabu”.
Destacando que este é um livro
“para gente boa”, Álvaro Mateus cita uma frase de Martin Luther King: “O que
mais nos preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos
desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem moral. O que mais nos preocupa é
o silêncio dos bons”.»
Folha 8 com Lusa | Foto: Repressão da polícia aos manifestantes/em Deutsche Welle
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