O jornalista angolano Rafael
Marques manifestou-se hoje "honrado" pelo prémio Herói Mundial da
Liberdade de Imprensa, atribuído pelo Instituto Internacional da Imprensa
(IPI), mas sobre a situação em Angola lamentou haver "sinais de
corrupção" do novo Presidente.
"É de facto um grande
reconhecimento, pelo qual me sinto muito honrado e vem num momento em que estou
precisamente a ser julgado por dizer a verdade, por tentar contribuir para que
sejam corrigidos os casos de corrupção e os atos ilícitos que ocorrem muitas
das vezes ao nível da administração pública", disse à agência Lusa, que o
contactou telefonicamente em Luanda a partir de Lisboa.
Para o também ativista dos
direitos humanos, a situação em Angola, porém, caminha para um paradoxo, uma
vez que os corruptos, disse, "são os que têm o poder de ter aqueles que se
opõem à corrupção no banco dos réus".
"Há muitos casos de indivíduos
com provas substanciais sobre o seu envolvimento em atos de corrupção que lesam
o Estado em centenas, milhões de dólares e nem um deles está a ser julgado ou
detido, só a arraia-miúda e o Rafael, que se opõe à corrupção", acentuou.
Questionado sobre os sucessivos
sinais de combate à corrupção que o novo Presidente angolano, João Lourenço,
deu como prioridade da governação, Rafael Marques respondeu com a ideia
contrária, realçando que o sucessor de José Eduardo dos Santos na chefia do
Estado angolano poderá estar a formar "uma nova elite de
saqueadores".
"João Lourenço também tem
estado a dar sinais de que está a formar uma nova elite de saqueadores.
Recentemente, criou-se aqui um consórcio privado para a realização de voos
domésticos que beneficiou de uma garantia soberana do Estado angolano, as
famosas garantias soberanas, para a aquisição de seis aviões no Canadá",
disse.
O consórcio, acrescentou, tem
como sócios o irmão do Presidente angolano, Sequeira João Lourenço, também
secretário-executivo da Casa de Segurança do Chefe de Estado e proprietário da
empresa de aviação SJL, o ministro de Estado e chefe da Casa Civil do
Presidente, Frederico Cardoso, dono da empresa Air 26, e o ministro de Estado e
chefe da Casa de Segurança do Presidente, o general Pedro Sebastião, dono da
empresa Mazewa.
"São as pessoas mais
próximas que rodeiam o próprio Presidente que já estão a apoderar-se daquilo
que é público e estão, basicamente, a manter o estatuto de principais
dirigentes do país e principais homens de negócios. Esses indivíduos já tinham
as suas empresas falidas e estão agora a receber oxigénio porque João Lourenço
está no poder. Isto não é uma contradição, é uma falta de vergonha",
acusou.
"[João Lourenço] está a dar
sinais claros, agora, com estes últimos casos, que, em relação aos esquemas de
corrupção, a única coisa que algumas pessoas muito próximas de José Eduardo dos
Santos, como a filha [a empresária] Isabel [dos Santos] e [o general angolano
Manuel Hélder Vieira Dias] 'Kopelipa, é levarem um pontapé, e os outros, que
estão do lado de João Lourenço, têm toda a proteção", frisou.
Questionado pela Lusa sobre se,
na sua opinião, tal poderá significar um passo atrás no combate à corrupção
defendido por João Lourenço, Rafael Marques concordou e acrescentou que o país
está a voltar "à estaca zero".
"Voltamos à estaca zero e
continuamos a ter muito trabalho, porque, a esse nível, não mudou a retórica do
discurso político. Antes pelo contrário, o país está parado", disse.
Utilizando o prémio que acabou de
ganhar, e que será entregue a 22 de junho em Abuja (Nigéria), Rafael Marques
referiu que a distinção "renova as esperanças" de muitos angolanos
que acreditaram no combate à corrupção anunciado por João Lourenço.
"Pensaram que [João
Lourenço] iria combater a corrupção, iria imprimir uma nova dinâmica na gestão
do país e, passados oito meses, estão a ver que o país está parado, que a
corrupção continua galopante, porque muitos dos que transitaram da
administração de José Eduardo dos Santos e os novos que entraram continuam com
as mesmas práticas. Pouco ou nada mudou", argumentou.
"[O prémio] para estas
pessoas, é um pequeno conforto que haja um angolano que seja reconhecido por
continuar a denunciar esse tipo de situações. Se é uma bofetada de luva branca
ou não, penso que isto nada tem a ver com o Presidente, mas com o facto de
colegas internacionais reconhecerem um elemento seu que está a lutar num país
onde as condições são completamente adversas. Onde quem está em julgamento são
os que se opõem à corrupção e não os corruptos", concluiu.
Lusa | em Notícias ao Minuto
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