domingo, 24 de junho de 2018

A europa inclina-se para o vigor transcontinental e multipolar asiático


Martinho Júnior | Luanda  

1- Terminou em Qingdao, na República Popular da China, a XVIIIª Cimeira da Organização para a Cooperação de Shanghai, que reforça os parâmetros geoestratégicos do “Road and Belt”, a nova Rota da Seda que unirá a transversal transcontinental entre a costa do Pacífico e a costa atlântica.

A sublinhar essa Cimeira: a Índia e o Paquistão juntaram-se como membros de pleno direito, o que desde logo valoriza as potencialidades da emergência transcontinental a leste e sul, fortalecendo a integração articulada que abrange também e desde logo as questões que se prendem à segurança.

Uma vez mais, são os mais poderosos países asiáticos decisivos na formulação dos primeiros passos dessa geoestratégia, numa articulação multipolar de interesses de toda a ordem que não se esgotam nem a leste nem a sul, mas aguardam que a Europa, a oeste, acorde de vez perante um vigor transcontinental que pode começar a ser incontornável.

Para a Organização para a Cooperação de Shanghai, está já aberta a porta do Irão, que é membro observador!...

A XVIIIª Cimeira ocorreu precisamente ao mesmo tempo que a reunião do “G7”, ora abruptamente terminada com um insofismável isolamento dos Estados Unidos que, perseguindo a retórica do “the americans first”, começam a ficar sós na sua prática protecionista identificada com os instrumentos dum império de hegemonia unipolar que, de tão obsoleto e ridículo que já se manifesta, já não leva a saída alguma como manancial indispensável aos desafios que se colocam em pleno século XXI e isso apesar de sua poderosa (mas relativamente decadente) capacidade militar...

A incoerência dos desajustes “niilistas” que se vão acumulando está de facto a desembocar num isolamento que se reflecte no espectro do petrodólar de papel perante outras “moedas fortes” como o euro e o yuan, respaldadas por reservas de ouro e capazes de pôr em causa as políticas dominantes de valores e preços…

Do lado da hegemonia unipolar os vassalos percebem que o divisionismo acompanha o caos, o terrorismo e a desagregação e o poder militar pode-se tornar num mito de mau agoiro quando a vigilância é tão apertada e ainda que estejam tão amarrados à NATO… do lado do multipolarismo, a busca de consensos motivam os emergentes que conduzem a processos de integração articulada, particularmente nos grandes projectos estruturantes transcontinentais e transoceânicos.

Assim a própria União Europeia assiste a um intestino mosaico que vai desde os “russo-fóbicos” de ultradireita na Ucrânia, na Polónia, ou nas Repúblicas Bálticas, a euro-cépticos nacionalistas que se aproximam da Rússia, a moderados que, se continuam a perfilhar a vassalagem na NATO, também não escondem sua deriva económica e financeira e seus interesses na direcção leste!


2- Um dos primeiros “experimentos”, no sentido dos países da Europa começarem a integrar o vigor dos “belt and road” adoptados desde logo pela Organização para a Cooperação de Shanghai, está a ser o Nord Stream 2 (em reforço do Nord Stream 1, inaugurado a 8 de Novembro de 2011), sujeito a múltiplas pressões e manobras (https://www.nord-stream2.com/project/facts-myths/#nord-stream-operated-at-93-percent-of-delivery-capacity-in-2017).

Os Estados Unidos, por via de dois conhecidos falcões (John McCain e Marco Rubio), ou por outras vias, arrastando vassalos como a Polónia, os países Bálticos e a Ucrânia, têm providenciado o rol dos argumentos contra, sem poderem apresentar alternativa ao nível do projecto russo-alemão: o gaz liquefeito dos Estados Unidos está longe de ser um concorrente competitivo, quer em função de sua natureza, quer em função dos custos de transporte e manuseamento…

Por outro lado, nenhum outro projecto garante melhores medidas de segurança, conforme é aqui reconhecido (https://iakal.wordpress.com/2015/09/13/the-great-advantage-of-the-nord-stream-and-the-jihadists/):

“The Great Advantage of the Russo-German Pipelines and the Jihadists

The Russo-German pipelines i.e. Nord Stream and Nord Stream 2, have an advantage that no other European gas pipeline has. They are very safe. As you can see at the following map, from the 7 choices that Europe has at her disposal when it comes to natural gas pipelines, the Russo-German pipelines are by far the safest ones”…

Com as medidas protecionistas em curso, a hipótese dos Estados Unidos venderem gaz liquefeito à Europa fica ainda mais ténue, até por que a insegurança dos seus meios é incomparável.

É evidente que vários consórcios e operadoras europeias se incorporaram nos dois projectos com múltiplos investimentos e múltiplas tecnologias, inclusive justificados meios de vigilância e protecção, numa lista que vai em crescendo e isso de tal modo que os estados europeus intervenientes, são chamados a providenciar a exequibilidade e a defesa dos dois Nord Stream como uma causa inerente à sobrevivência dos seus interesses a muito longo prazo.

Por essa razão o contencioso da controvérsia entre os Estados Unidos e países europeus como a Alemanha, a França, a Finlândia, a Suécia e a Dinamarca cresceu, com o Nord Stream a tornar-se num precedente que esteve subjacente ao niilismo da reunião do G-7 no Canadá, um niilismo agravado pelos pressupostos das medidas comerciais protecccionistas impostas pela administração de Donald Trump ao próprio Canadá!

Os Estados Unidos já nem com seus vizinhos conseguem articular interesses: a sul, com o México, um muro intransponível a pessoas continua a ser erguido em toda a extensão da fronteira, ao mesmo tempo que medidas contra a migração se vão avolumando…


3- Enquanto o quadro do império da hegemonia unipolar no âmbito do G-7, sob o ponto de vista económico, comercial e financeiro, promove insustentáveis pressões e divisões internas, insuportáveis até pelas cargas acrescidas sobre os sistemas de vassalagem, ainda que aparentemente a NATO se mantenha no mesmo pé de sempre, a integração articulada em consensos que se desenvolve de forma segura com a Organização para a Cooperação de Shanghai, começa por ser incontornável nas iniciativas energéticas russas em direcção ao ocidente, como um factor persuasivo de ordem geoestratégica.

Esse tipo de vínculos além da geoestratégia que percorre de leste a oeste o Mar Báltico (desde Vyborg, na Rússia, a Greifswald, na Alemanha), está em simultâneo a ser desenvolvido a sul com outros componentes que incluem alguns membros da NATO (Mar Negro), pelo que a Turquia começa também a sentir-se, nos seus interesses, mais “confortável” ao começar a acolher as brisas que sopram do leste.

Vários analistas estão em sintonia ao verificarem a depressão do G-7 e a emergência da Organização para a Cooperação de Shanghai, comprovando com a estatística evolutiva das tendências, que se reflecte nas capacidades das moedas, tal como observa a muito atenta Misíon Verdad, da Venezuela (http://misionverdad.com/trama-global/adios-al-dolar-o-la-verdad-detras-del-g7):

“Petróleo, dólares y yuanes: una disputa.

Era 1974. El petrodólar nació mediante un acuerdo realizado por el entonces secretario de Estado gringo, Henry Kissinger, y la monarquía que gobierna Arabia Saudí, con el que pactaron que el dólar fuese la única moneda usada en el comercio del producto más importante del planeta, el petróleo, generando la necesidad de contar con dólares para transar energía, a cambio de "seguridad" frente a los otros poderes regionales como Irán y, en su momento, Irak.

Debido a que el dólar es papel impreso, sin ningún sustento, por la Reserva Federal estadounidense, absorbe el valor de lo que comercian sus compradores. En este caso, las transacciones de petróleo por dólares convierten a la moneda norteamericana en un hegemón difícil de evadir, sobre todo si no existen alternativas nominales de compra.

En ese contexto entra China, que en 2017 decidió lanzar el primer contrato de futuros de petróleo denominado en yuanes, que se dio en marzo de 2018. El gigante asiático es el mayor importador de petróleo del mundo, y la energía será vital para motorizar su gran proyecto comercial de la Iniciativa del Cinturón y la Franja.

Además, los contratos de futuros de petróleo en yuanes son convertibles al oro, mineral que ha servido históricamente como referencia de sustento al valor de las monedas. Sería regresar a un pacto del que Estados Unidos se retiró hace más de 40 años, y del que parece no quiere regresar.

Esta estrategia concibe al yuan como una moneda de referencia, ahora reconocida como de reserva según el Fondo Monetario Internacional, y supone un declive para el petrodólar. Se trata de la apertura de un mercado en el que no se use la divisa estadunidense, por lo que habría menos compradores (como de hecho se registró en abril, en el que bajó el precio de la divisa estadounidense debido a los aranceles impuestos por China a productos fabricados en Estados Unidos), menos confianza en esa divisa, y mayor control de los chinos en el precio de los mercados energéticos.

En definitiva, China disputa a Estados Unidos el mercado financiero en todas sus variantes incentivando el uso del yuan en diferentes instancias comerciales. El petroyuan sería el primer experimento para seguir avanzando en ese sentido. Pero el G7 ni toma en cuenta esta realidad, sino que trata ajustar la suya al resto del planeta”…

A União Europeia bem pode avaliar a similitude e o sincronismo da pressão que os 6 estão a sofrer do +1 (conforme a ocorrência do último G-7), com a pressão sistematizada contra Cuba e a Venezuela no outro lado do Atlântico…


4- A Venezuela Socialista e Bolivariana, apesar das anomalias físico-geográficas que se revelam na distância em relação ao vigor daOrganização para a Cooperação de Shanghai, tem estado em sintonia com a ascensão da emergência multipolar, avaliando como poucos as telúricas tensões na economia e nas finanças globais, até por que uma das componentes da pressão dos Estados Unidos é uma ampla agressão económica que procura influir nos factores sócio-políticos do país, em socorro das “tradicionais” oligarquias agenciadas, que debalde têm esperado o seu turno…

O chanceler venezuelano Jorge Arreaza, revelou esta semana, no seguimento do fecho das reuniões do G-7 e da Organização para a Cooperação de Shanghai (http://www.cubadebate.cu/noticias/2018/06/17/arreaza-estamos-logrando-romper-con-el-bloqueo-descarado-del-imperialismo-norteamericano/#boletin20180617):

“El canciller de Venezuela, Jorge Arreaza, afirmó que el país sudamericano está logrando romper el bloqueo descarado impuesto por Estados Unidos, a través de las alianzas con India, China, Rusia y Turquía.

Nosotros en este momento estamos logrando romper con el bloqueo descarado del imperialismo norteamericano contra Venezuela a través de esos actores (países), dijo Arreaza en una entrevista grabada y transmitida hoy por el canal privado Televen.

Aseguró que las alianzas que sostiene con China, país al que Venezuela otorga petróleo a cambio de financiamiento, se han traducido en viviendas, tecnologías, salud para el pueblo venezolano e infraestructura para los servicios públicos.”

É sintomático o caso da resistência venezuelana à agressão desencadeada pelo império da hegemonia unipolar contra si e contra as organizações progressistas da América Latina como a ALBA, ou a UNASUR, assim como é sintomático o desespero de causa dos Estados Unidos que chegaram ao ponto de providenciar que a Colômbia venha a fazer parte da NATO (pelos vistos já não chega o papel do Comando Sul).

Outro sinal de desespero de causa é a decisão de fazer passar a Nicarágua Sandinista por uma avassaladora crise, do mesmíssimo género do já experimentado pelas Honduras e pela própria Venezuela, no momento em que a sua situação económica vivia uma maior pujança e se está a levar a cabo a construção dum canal alternativo ao do Panamá (https://www.telesurtv.net/bloggers/Nicaragua-en-la-mira-20180426-0003.html)…

A Venezuela além de incorporar uma das maiores reservas de petróleo do globo, detém riquezas naturais e biodiversidade, tendo-se decidido a definir e projectar o Arco do Orinoco (http://www.radiomundial.com.ve/article/150-empresas-de-35-pa%C3%ADses-invertir%C3%A1n-en-el-arco-minero-del-orinoco) que, entre as muitas iniciativas em curso, sustenta em ouro o fortalecimento das reservas do Banco Central.

Em breve o Bolivar será o Bolivar Soberano (https://www.telesurtv.net/news/banco-central-venezuela-cono-monetario-20180608-0002.html) e enquanto tal não acontece, a cripto-moeda Petro permite um outro desafogo em direcção às articulações emergentes, face às sanções e ao bloqueio.

O império da hegemonia unipolar indicia que deixou de ser exequível nos termos em que ele se vem manifestando desde a IIª Guerra Mundial, mas os Estados Unidos estão ainda muito longe de abandonarem de vez o envenenado modelo que a aristocracia financeira mundial tem, à força, feito persistir.

Para os estados, as nações e os povos de todo o mundo, face ao monstro, a palavra de ordem além de resistir, é emergir e emergir de forma a criar integrações articuladas, fortalecendo os mananciais económicos, financeiros, estruturais e de segurança das independências e das soberanias, mas também das regiões e dos continentes: está-se em plena viragem, com todos os desafios, crises e riscos que isso implica, mas das cinzas do caos, do terrorismo, das divisões e da desagregação, apesar da asfixia dos meios de vigilância e das 800 bases militares que o império da hegemonia unipolar disseminou engenhosamente pelo globo, nas próximas décadas, ao virar da esquina histórica, a emergência fará irreversivelmente com que outro mundo seja possível!

Martinho Júnior - Luanda, 19 de Junho de 2018

Imagens:
O G-7 que se tornou no G-6+1;
A XVIIIª Cimeira da Organização para a Cooperação de Shanghai;
As duas telúricas linhas de força que atraem a Europa, ligando o Pacífico ao Atlântico;
Mapa elucidativo do espaço físico-geográfico da Organização para a Cooperação de Shanghai;
Na Venezuela há um projecto anti-imperialista, resistente e soberano, não tão “desgarrado” quanto se possa supor.

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