Afonso Camões | Jornal de Notícias
| opinião
Ainda não se tinham alinhado as
rusgas da Ponte, junto ao rio Este, nem as de Miragaia, sobre o Douro, e já o
arraial de São João ia adiantado do outro lado do Mundo, oito fusos e muitas
sardinhas à frente, em Macau, onde o mais popular dos nossos santos é também
padroeiro e venerado, há 496 anos.
As crónicas daquele junho de 1622
falam em milagre. Estava Portugal sob domínio filipino e a "Cidade do nome
de Deus, não há outra mais leal", era a única que nunca se renderia à
coroa espanhola. Entre portugueses e chineses, a praça macaense permanecia, à
época, parca de gente e de defesa, quando se deu o cerco que se arrastou por há
vários dias. Seriam, por junto, uns 15 navios agressores, e desta vez eram
holandeses. Em terra, apenas uns 200 homens mostravam competência mínima para
se defenderem com armas, e a invasão já começara, com fraca resistência. Foi
então que os do Monte da Guia, frades jesuítas, embicaram a canhoeira à frota
inimiga e dispararam três bombardas. O milagre foi que uma delas acertou em
cheio no navio-paiol, e terá sido tão brutal a explosão que os holandeses
retiraram em debandada para não mais voltarem àquelas paragens.
Era a madrugada de 23 para 24 de
junho, dia desse santo tão milagreiro quanto cosmopolita e vadio, que é tão do
Porto quanto de Braga, Icaraí, Goa, Alcochete, Salvador, Aracaju, Maceió, São
João da Madeira, Pernambuco, Olinda, Vila do Conde, Angra do Heroísmo e, desde
então, também de Macau. Sim, a Igreja cristianizou uma festa que já antes o
era. Viva o São João! Porque há milénios que, por todo o Mundo, o Homem festeja
toda a noite o dia mais longo, quando o sol, no seu movimento aparente na
esfera celeste, atinge a maior declinação em latitude, medida a partir da linha
do equador. São os mistérios da luz e do fogo, do conhecimento - esses sim,
motivo da festa.
* Diretor do JN
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