Martinho Júnior | Luanda (continuação)
A batalha do Cuito Cuanavale
estendeu-se durante 11 meses (entre Julho de 1987 e Junho de 1988) em toda a
Frente Sul das FAPLA, abrangendo sobretudo as províncias do Cuando Cubango,
Huila e Cunene… todavia, o soco da mão direita a que se referiu o Comandante
Fidel de Castro (como o boxeur que com a mão esquerda o mantém e com a direita
o golpeia” –https://resistir.info/cuba/cuito_cuanavale.html), no lado
africano do Atlântico Sul está aparentemente meio-apagado da corrente da
memória, pelo que não se comemorou em Angola, conforme a dignidade assim o
determina, o histórico 27 de Junho de 1988 em Calueque, 30 anos depois do
acontecimento!...
4- O golpe da aviação a 27 de
Junho de 1988 em Calueque, que fez agora 30 anos, teve uma outra repercussão:
todas as principais bases da South Africa Air Force (SAAF) no norte da Namíbia
ocupada pelo “apartheid”, ficavam à mercê dos reforços cubanos que
incluíam tropas de elite, além da, nomeadamente, superioridade aérea imposta
pelas bases da Cahama e de Xangongo, da cobertura dos radares de detecção
recentemente instalados e do raio-de-acção dos MIG-23 acabados de chegar ao
teatro operacional.
As bases assim neutralizadas eram
Ruacaná, Oshakati, Ondângua, Grootfontein e Rundu, todavia a cobertura dos
radares e as contra-medidas electrónicas passaram, entre outras capacidades
operacionais, a permitir a detecção de engenhos aéreos de todo o tipo e das
comunicações no teatro da “border war” e na profundidade dos
territórios da Namíbia e do Botswana, possibilitando inclusive a detecção dos
drones Seeker I, indispensáveis para guiar o tiro dos canhões de longo alcance
G-5 e G-6 e para apoio em operações especiais.
Os inovadores drones Seeker I, produzidos
pela indústria de armamento sul-africana (tal como os canhões G-5 e G-6, assim
como os blindados Ratel e Casspir), foram na sua categoria dos primeiros
veículos aéreos não tripulados utilizados em campo de batalha à escala global e
não cumpriam missões de bombardeamento pois esses modelos ainda não haviam sido
projectados e desenvolvidos para esse efeito.
A mobilidade aérea das SADF
simbolizada pelo emprego dos Seeker I, um drone que teve um importante papel
na “border war”, foi finalmente perdida conforme o exemplo de Calueque,
pelo que a “espinha dorsal” das forças terrestres, a Divisão
Mecanizada 61, teve de sair do campo de batalha retirando-se para território da
Namíbia, não mais voltando a entrar em Angola.
Sem o domínio do espaço aéreo,
com os MIG-23 recém-instalados na Cahama e em Xangongo e com o impasse no Cuito
Cuanavale accionado o “travão” do Triângulo do Tumpo, tudo isso,
associado ao bloqueio cada vez mais efectivo da venda de armamentos ao“apartheid”,
as SADF afundar-se-iam sem outra alternativa no Sudoeste Africano ocupado, pelo
que a única saída passou a ser as conversações políticas que iriam trazer a
oportunidade às independências da Namíbia, do Zimbabwe e ao colapso do próprio“apartheid” na
África do Sul!...
Todo o sistema das SADF empenhado
no Sudoeste Africano ocupado e Angola adentro, ficou neutralizado e sob a
esgrima dum pré-anunciado colapso.
5- A “visão” da batalha
do Cuito Cuanavale, que efectivamente ocorreu em toda a Frente Sul das FAPLA conforme
a descrição do Comandante Fidel, com Fidel a desempenhar, conjuntamente com o
Presidente José Eduardo dos Santos, um papel decisório de primeira grandeza
sobre o amplo teatro operacional de então, tem sido ideológica e
interpretativamente corroída, desde que o capitalismo neoliberal multiplicou
impactos em Angola!
Ideologias social-democratas ou
cristã-democratas de recurso, em “secreta” (?) conformidade com o
espírito do “Le Cercle”(http://www.gnosticliberationfront.com/le_cercle.htm)
dos “Jogos Africanos” de Jaime Nogueira Pinto (http://artoliterama.blogspot.com/2009/05/jogos-africanos-de-jaime-nogueira-pinto.html)
e no rescaldo do Exercício Alcora, sob a plácida concordância de alguns
generais angolanos da actualidade e de algumas sensibilidades com expressão em
partidos e nas próprias FAA, “estilhaçaram” a Frente Sul por
vários “segmentos”, (Cuito Cuanavale, Triângulo de Tumpo, Tchipa, Calueque
e Ruacaná), como se essas posições não fizessem parte duma única geoestratégia,
como se os braços, o que parou o golpe inimigo e o que socou em contra-ataque,
não fizessem parte do mesmo corpo!
“Esquecem” também,
deliberadamente, das justas razões evocadas por Cuba por não participar no
ataque contra Mavinga, nas condições em que ele foi feito!
O objectivo era claramente
destruir a visão geoestratégica do conjunto de operações, tão singular quão
sinteticamente exposta pelo Comandante Fidel e fazer o que os “ocidentais” sempre
souberam fazer em África: dividir para melhor reinar, neste caso para reinterpretar
de acordo com as suas próprias ideologias de recurso, excluindo,
marginalizando, ou diminuindo o papel da aliança do Movimento de Libertação em
África com Cuba Revolucionária, quando afinal foi sua sábia interpretação
geoestratégica que tanto salvou na batalha do Cuito Cuanavale!
Tudo isso tem sido feito para
melhor corresponder à “mudança de época” e enquadrar os esforços do
cartel dos diamantes espelhados nas políticas de instalação dos Parques
Naturais Transfronteiriços de Paz (KAZA-TFCA): o sudeste angolano é para o
cartel “um caso aparte”!
Essa “visão” (http://www.theconmag.co.za/tag/rhodes-mandela-foundation/)
integra os conceitos elitistas que se expandem e se difundem a partir da África
do Sul, que cooptaram até o próprio Nelson Mandela, quando se decidiu na
criação da iniciativa“Rhodes-Mandela Foundation” (https://www.africanamerica.org/topic/mandela-clinton-celebrate-with-new-rhodes-mandela-foundation)!
Vale a pensa verificar como,
através de José Ribeiro (http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/a_derrota_do_apartheid_em_tchipa_e_calueque),
os angolanos propensos à “abertura” da lavagem da história “competem” com
o historiador Piero Glijeses, não citam o protagonismo do Comandante Fidel e se
referem aos “segmentos” da batalha de Cuito Cuanavale na Frente Sul,
ao invés de fazer a justa abordagem geoestratégica que levou à vitória:
“Nova frente de guerra.
Assim começou a desenhar-se a batalha decisiva no Cunene. Face à retirada das unidades sul-africanas do Cuando Cubango para o Sudoeste, a força conjunta FAPLA, FAR e PLAN começou a preparar-se para o embate.
Prevendo esse facto, o Presidente
José Eduardo dos Santos, Comandante-em-Chefe das FAPLA, tinha já decidido
demarcar as duas frentes. A demarcação entre a Frente Sudeste, a Leste do rio
Cuito, da Frente Sudoeste, a Oeste do mesmo rio, foi uma decisão de risco
tomada pelo Presidente, mas que se mostrou acertada, pois produziu, primeiro, a
vitória das FAPLA contra as SADF e as FALA no Triângulo do Tumpo.
Depois isso serviu de suporte à
criação da Frente Sudoeste. Essa medida foi importante para salvaguardar a
integridade territorial e a soberania de Angola.
Desde 1984 que as FAPLA já se forjavam a resistir na Frente Sudoeste, ocupando uma linha de contenção ao avanço das SADF para o norte que passava por Lubango, Tchibemba, Cahama, Humbe, Xangongo, Môngua, Cuvelai, Cassinga e Jamba Mineira, com muitas forças e meios.
Em Dezembro de 1987, o contingente de reforço cubano, constituído pela 50ª Divisão de Infantaria, chegou ao Porto do Lobito transportado pelos navios Benito Juárez e I Congreso. Os cubanos estavam inicialmente concentrados numa linha defensiva ao longo da linha-férrea do Namibe, via Matala até ao Cuvango.
Mais tarde, por sua conveniência,
foi concebida uma linha defensiva que se estendia do Menongue ao Namibe, mas
nunca no Cuito Cuanavale. (o sublinhado é meu).
Os seus desdobramentos no Sul
foram todos efectuados a Oeste do rio Cuvango (200 Km de Menongue), já que este
rio constituía uma protecção natural ao seu flanco esquerdo contra qualquer
ataque sul-africano.
Entre Janeiro e Março de 1988,
enquanto os cubanos e a SWAPO consolidavam posições por trás da linha defensiva
das FAPLA, estas,sozinhas, na Frente Sudeste, travaram todas as investidas das
tropas do apartheid e de Savimbi desencadeadas com as Operações Hooper e
Packer, derrotando-as de forma retumbante a 23 de Março desse ano.
Só depois deste feito heróico das FAPLA é que as tropas cubanas começaram a ir
na direcção Sul, tendo a certeza de que os sul-africanos, completamente
debilitados, não iriam reagir de forma violenta a esta movimentação, por
estarem mais preocupados com a integridade das suas unidades em retirada do
Cuito Cuanavale.
Entre Janeiro e Abril de 1988, cerca de 3.500 cubanos foram enviados para trás do sistema defensivo da 5ª Região Militar das FAPLA (Huila, Cunene e Namibe). Por seu lado, o PLAN contava com três batalhões mistos e estabeleceu bases na Cahama, Xangongo e Mupa.
A Base Aérea da Cahama, símbolo da resistência ao invasor, foi alargada para permitir que o maior número de aviões Mig-23 operasse a partir dali e a pista do Aeródromo de Xangongo foi aumentada em 542 metros, passando a ter 2.414 metros e obter o estatuto de aeródromo de manobra e basificação do Regimento Aéreo de Caça do Lubango.
Depois da derrota que sofreram no Cuito Cuanavale, os sul-africanos olharam para este dispositivo na Frente Sudoeste com muita preocupação. Significava uma séria ameaça para o apartheid. As informações que lhes chegavam do teatro de operações na Frente Sudoeste confirmavam que os cubanos, cientes de que os angolanos tinham sido imbatíveis no Cuando Cubango, começaram a preparar-se para entrar em acção antes que os sul-africanos pudessem reorganizar as unidades derrotadas pelas FAPLA no Tumpo para serem transferidas para Sudoeste.
Para os sul-africanos, uma
operação lançada a partir do território da Namíbia, naquela altura, cruzando a
fronteira em direcção a Angola, era impraticável, particularmente quando se
vivia já um clima de desanuviamento internacional.
A 15 de Março de 1988, a possibilidade de se realizarem negociações foi analisada à pressa pelo ministro sul-africano Pik Botha e pelo Assistente do Secretário de Estado norte-americano para os Assuntos Africanos, Chester Crocker. Crocker deslocou-se também a Luanda. Ao mesmo tempo, os sul-africanos tentavam conversar com os soviéticos.
A 28 de Março, Angola confirmou que aceitava que os EUA mediassem as conversações com a África do Sul e que já tinha sido redigido um projecto de acordo para a cessação dos combates entre as FAPLA e as SADF, a retirada das tropas estrangeiras do território de Angola e a aplicação da Resolução 435/78 do Conselho de Segurança da ONU, que determinava a independência da Namíbia.
Com este pano de fundo, a única preocupação dos sul-africanos, na sua mentalidade racista, era afastarem a imagem vergonhosa de terem sido derrotados pelas FAPLA no Triângulo do Tumpo, tentando atribuir os louros aos cubanos. Em simultâneo procuravam, com o compadrio dos EUA, não perder tudo.”
6- A manobra ideológica e de
reinterpretação da evolução da situação na Frente Sul das FAPLA nos anos de
1987 e 1988, não passou despercebida a Cuba, que muito legitimamente recorda
em “O Carnaval de Cuito Cuanavale” antecedentes que por razão lógica
de apreciação, não tiveram o concurso directo das Forças Armadas
Revolucionárias:
“Após várias tentativas
fracassadas, o alto comando do exército angolano resolveu empreender, nesse
ano, a Operação Saudando Outubro, que incluiu entre seus objetivos a libertação
de Mavinga, uma posição controlada pelos bandos armados de Jonas Savimbi.
Desta vez, tal como nas incursões
anteriores, o comando cubano alertou sobre a complexidade logística de tal
manobra, sem descartar a possível intervenção direta das unidades regulares do
exército sul-africano, em apoio à Unita.
Os avisos foram confirmados.
Assim que as tropas angolanas
começaram a cruzar o rio Lomba, a norte de Mavinga, o inimigo impediu o avanço
das tropas da FAPLA, que foram forçadas a recuar, perante o perigo de um
completo colapso.
Um propósito claro encorajou os
invasores: tirar proveito da posição vantajosa alcançada no campo militar para
impor suas condições na mesa de negociações, inclusive exigindo a retirada
total das tropas cubanas de Angola.
Tais objetivos diplomáticos
claros tiveram um forte apoio militar, baseado em golpes de aviação e
artilharia, cujo fogo submeteu a um feroz assédio as brigadas da FAPLA que
tinham passado à defesa a leste de Cuito Cuanavale.”
É evidente que ao engodo de atacar
Mavinga, criado pelo cartel e seus vínculos no terreno, a fim de salvaguardar a
continuidade da internacional fascista na África Austral, (no sudeste o teatro
de operações ocorreu sobre a área de prospecção da De Beers e sobre as
kimberlites que jazem até hoje inertes, à espera dos interesses que, com origem
na África do Sul, são tão dominantes no Botswana e espreitam a janela mais a
norte), justifica hoje a “lavagem cerebral” a que se propõem os
ideólogos oportunistas da ocasião!
Mais à frente, o mesmo artigo
lembra:
“Foi neste ponto do conflito que
o governo angolano solicitou o apoio de Cuba para reverter a complexa situação
criada e evitar o desastre militar que se aproximava, com consequências
imprevisíveis para o destino dessa nação africana irmã.
Naqueles dias, a Missão Militar
Cubana em Angola era o centro da implementação de importantes decisões adotadas
em Havana, cujas autoridades, em 15 de novembro de 1987, concordaram em
enfrentar o desafio e dar uma forte resposta.
A máxima liderança cubana
aconselhou não usar as tropas que defendiam a linha do Namibe-Menongue, mas
aplicar uma variante mais ousada: reforçar o contingente com forças e meios
enviados de Cuba, incluindo os melhores pilotos.
Em 5 de dezembro, um grupo de
trabalho do Estado Maior da Missão Militar partiu para a área de operações,
cujo chefe, o então general-de-brigada Álvaro López Miera, tinha a tarefa de
organizar o comando e fortalecer a fraca defesa.
Colocar ordem era uma tarefa
colossal sob fogo inimigo, que tinha como alvo fixo a cidade de Cuito
Cuanavale, com uma obsessiva preferência pelo aeroporto e a ponte localizada
muito próxima da confluência dos dois rios que dão nome ao local.
Após os primeiros cubanos, no
final do mês chegaram outros 200 assessores, em várias especialidades, que se
deslocaram para as brigadas da FAPLA duramente atingidas pelas ações armadas,
que tinham como objetivo desmoralizar os soldados.
Esses oficiais e combatentes
assumiram o enorme desafio de fazer causa comum com os angolanos e parar o
ímpeto da maquinaria racista, que não perdeu um minuto para lançar seus ataques
e tentar aniquilar o grupo atolado na área.”
Em “Quatrocentos e noventa e
três dias em Cuito Cuanavale” (http://m.redeangola.info/memorias-cubanas-da-batalha-de-cuito-cuanavale/),
o mito da não presença cubana no sudeste da Frente Sul das FAPLA fica desfeito,
mas os ideólogos angolanos no seu afã, 30 anos depois dos acontecimentos, ficam
muito mal na foto por via de sua deliberada e complacente filtragem neoliberal
e assimilada, algo que ocorreu depois das “Conferências Militares” levadas
a cabo no ISEM em Angola, por “filtros” portugueses da NATO, entre
eles Nuno Rogeiro, Miguel Freitas da Costa e Jaime Nogueira Pinto, conforme
foto publicada em “Jogos Africanos”!...
Continua
Martinho Júnior - Luanda, 3 de Julho de 2018
Imagens:
- Mapa da Frente Sul das FAPLA,
de acordo com “Cuito Cuanavale revisitado” – https://resistir.info/cuba/cuito_cuanavale.html;
- Mapa referente ao espectro das
acções do “apartheid” na Namíbia e em Angola;
- O Seeker I, numa foto tirada em
área operacional das SADF;
- “Quatrocentos e noventa e
três dias no Cuito Cuanavale”, explica a presença cubana no esforço armado no
sudeste de Angola, desmentindo algumas versões postas a circular por correntes
oportunistas de carácter neoliberal no Jornal de Angola;
- Foto publicada nos “Jogos
Africanos”, do cristão-democrata e membro do “Le Cercle”, Jaime Nogueira
Pinto, com a seguinte descrição: “Conferências militares, ISEM, Angola. O
Nuno Rogeiro, o Miguel Freitas da Costa e eu com um grupo de oficiais e
participantes nos cursos do ISEM e o adido militar da embaixada de Portugal. O
segundo a contar da esquerda é o general José Maria. Os cursos foram integrados
na cooperação técnico-militar portuguesa”.
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