Eurodeputada Ana Gomes considera
"positivo" o discurso e a presença de João Lourenço no Parlamento
Europeu mas relembra "contradições". Eurodeputada reconhece avanços
na luta contra corrupção mas diz que é preciso mais.
Ana Gomes considera que o
discurso de João Lourenço no Parlamento Europeu
foi "claro”. Para a eurodeputada, a mensagem e objetivos
partilhados pelo Presidente angolano são “salutares” mas é preciso ter
resultados. Faltou também mencionar certos desafios que o Governo angolano
enfrenta, particularmente, no que diz respeito ao caso de Rafael Marques, que
considera ser uma dificuldade e contradição à mensagem que o Presidente propõe.
DW África: No final do discurso
cumprimentou João Lourenço. No Twitter partilhou que lhe perguntou acerca do
julgamento de Rafael Marques e o porquê de ser ele a ser julgado e que João
Lourenço só se riu e encolheu os ombros. Não falaram de mais nada?
Ana Gomes (AG): A minha
interpretação é que o Presidente entende que isso é um assunto que está no
domínio da Justiça. Mas não é só Justiça, uma vez que a Procuradoria-Geral, que
acusa Rafael Marques, está ligada ao atual poder político. Mas também tive a
oportunidade de transmitir a João Lourenço como tinha apreciado a ligação que ele
tinha feito ao relembrar a contribuição dos africanos na construção das
economias mundiais por terem sido vítimas da escravatura e o fenómeno hoje das
migrações, onde ele sublinhou que havia responsabilidades coletivas do lado
africano e do lado europeu, e que era uma vergonha para a maioria dos
africanos, por um lado, que os seus tivessem de fugir da miséria, má governação
e opressão e que é uma questão que tem de ser gerida de forma solidária entra a
Europa e a África. Eu penso que ele tem razão porque eu também me envergonho de
certas posições que líderes europeus tem hoje em relação ao fenómeno das
migrações e apoio a refugiados.
DW África: Uma vez que não havia
espaço para os eurodeputados colocarem questões ao Presidente angolano, enviou
ao Presidente do Parlamento Europeu, António Tajani, sete perguntas,
particularmente, relacionadas com corrupção e direitos humanos. Viu algumas das
suas questões respondidas?
AG: Ele [João Lourenço]
tocou em várias das questões que abordo em várias das minhas perguntas. As
minhas perguntas são questões muito concretas. Têm a ver com aspetos que ele
referiu como objetivos, como o combate à impunidade, o combate contra a
corrupção. Eu ponho questões muito concretas, é evidente que não tive resposta
a estas questões mas ainda espero ter. Apesar de tudo, penso que foi positivo o
Presidente angolano ter vindo, não só pelo discurso que foi importante, e
positivo, mas, ao vir, pôs Angola no mapa, no radar da União Europeia, e penso
que isso é bom para Angola e para a União Europeia.
DW África: João Lourenço falou
que está a levar a cabo uma “cruzada contra a corrupção”. Nota que há de facto
sinais de melhoria ou ainda é preciso passar das palavras aos atos?
AG: Já muito mudou, como
vimos, aliás, com a limpeza que o Presidente fez com a família dos Santos, da
Sonangol, etc. Mas não basta ficar por aí. É preciso que as pessoas sejam
responsabilizadas. Os principais tubarões da corrupção em Angola são
conhecidos, não são só elementos da família dos Santos, são pessoas ligadas por
exemplo, ao partido do poder e muitos outros. Em todos esses casos, tem de
haver justiça e o povo tem de ver que se faça justiça. Só dessa maneira se vai
ser capaz de combater corrupção a todos os níveis. Se não se for aos grandes
tubarões, que são perfeitamente conhecidos da sociedade angolana, então esse
combate não vai ser eficaz e não se vai traduzir em dividendos a todos os outros
níveis da sociedade angola.
DW África: Também foi dito que
Angola vê na UE um importante parceiro. O que é que a UE pode fazer para
melhorar a situação desse país?
AG: Desde logo, ter
políticas de desenvolvimento e outras políticas integradas: comerciais,
agrícolas, de todo o tipo, que invistam na capacitação da sociedades civis,
porque são as sociedades civis que vão ter capacidade de pedir contas aos
governantes, seja na luta contra a corrupção, seja no combate pelos direitos
humanos. A UE pode fazer muito e precisa de políticas consequentes. Políticas
que efetivamente promovam os objetivos do desenvolvimento sustentável.
DW África: Hoje, a FLEC-FAC, em
comunicado, apelou à intervenção do Parlamento Europeu para travar a escalada
de repressão e ocupação angolana em Cabinda. Acompanha esta questão? Cabe ao
Parlamento Europeu pronunciar-se?
AG: Eu não apoio nenhuma
agenda separatista em Cabinda, mas percebo que o povo de Cabinda tem
particulares queixas porque, por um lado, sabe que é um dos territórios mais
ricos do país, que fornece, designadamente, o petróleo, que é um dos principais
recursos que sustenta a governação do país. Por outro lado, não vê os
dividendos disso traduzido em benefícios, serviços públicos, etc. Espero que
isso mude, se não, a agenda separatista alimentar-se-á disso.
Vera Covelo Tavares | Deutsche
Welle
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