Documento demonstra, com dados,
fracasso da intervenção militar. Resultados no combate ao crime são pífios.
Mantém-se padrão vingativo que caracteriza ação das polícias
Itamar Silva, no site do Ibase | em Outras Mídias
No último dia 18, foi apresentado
à imprensa carioca a “Agenda de redução de homicídios”, uma iniciativa do ISER e da Anistia Internacional, com a
participação e apoio de outras instituições que atuam no campo da segurança
pública. O documento apresenta proposições que buscam afirmar que é possível
reduzir e prevenir os homicídios no Rio de Janeiro. Além disso, é apresentado
um conjunto de “propostas para uma agenda de politicas de segurança pública
baseada em direitos humanos”.
Tais propostas interpelam o
contexto da intervenção federal, “desde o início, sustentada por uma retórica
que chancela e legitima o uso abusivo da força por parte dos agentes do
Estado”, como diz o documento que chama ainda a atenção para o fato de que “o
policial do estado do Rio de Janeiro mata muito e mata de modo ilegal”. Outro
fato importante destacado é que quase 80% das mortes causadas por policiais são
de jovens negros. Isto mostra que “o discurso de combate ao tráfico de drogas
tem funcionado sistematicamente como uma espécie de licença tácita para matar”.
No mesmo evento, o Observatório da
Intervenção, coordenado pelo CESeC, entregou para a imprensa uma síntese do
monitoramento dos quatro meses de intervenção federal no Rio de Janeiro, com
dados colhidos em várias fontes: o Instituto de Segurança Pública – ISP; o aplicativo Fogo Cruzado; a imprensa
em geral e o próprio Observatório, que tem um conselho composto por 20
ativistas e lideranças de diferentes favelas. Os números deixam claro: os 120
dias de intervenção federal apresentam resultados pouco expressivos: “Nunca se
viu tantos agentes, a custos tão altos, mobilizados para obter tão pouco”.
Um elemento verificado pelo
Observatório e comprovado em números é a dificuldade em acessar informações:
dos 77 requerimentos enviados, baseados na Lei de Acesso à Informação (LAI),
desde 07 de maio, 37 foram indeferidos. Os outros, até o momento, sequer
foram respondidos.
Pela inércia, pelo não combate, o
gabinete da intervenção deixa fluir o padrão vingativo, historicamente,
praticado pelas polícias do Rio de Janeiro e não desautoriza o discurso de ódio
e vingança proferidos publicamente por policiais em cargo de comando. Um
exemplo claro é o discurso do delegado Marcos Amin, em relação a Acari, no qual
ele diz, em um programa de televisão, que a Polícia Civil irá “caçar” e “sujar
as ruas de sangue” em busca do assassino de um policial.
Aqui, vemos também que há uma
abordagem midiática que, de forma intencional ou não, permite percepções
diferenciadas sobre as mortes violentas ocorridas no Rio de Janeiro. Ao colocar
em lados opostos policiais e moradores de favela (seja ou não vinculado ao
tráfico de drogas), esse discurso recorrente faz com que o senso comum reaja
como se a morte de policiais fosse algo muito maior do que a de moradores de
favela mortos em decorrência dos confrontos armados. Neste caso, em primeiro
lugar, é necessário e urgente nos indignarmos frente a essa barbárie e
pensarmos em mecanismos para defender todas as vidas. Em segundo, é preciso
deixar claro que a morte de um policial, de uma dona de casa na favela, de um
morador em seu cotidiano e mesmo de um jovem vinculado ao tráfico de drogas
atinge fortemente uma rede de familiares e amigos e, como consequência, marca
profundamente a sociedade. Se não conseguimos mensurar esse estrago, fica
claro que a visibilidade para os casos é dada de modo seletivo.
Além disso, é preciso qualificar
essas mortes: quantas foram em confronto? Quais e quantas são resultado da
vulnerabilidade que estamos submetidos em função de uma violência urbana que
pode atingir a qualquer um, em qualquer área geográfica da cidade? Quais foram
investigadas? E, finalmente, temos que fazer valer o nosso arcabouço legal.
Distinguir e exigir legalidade em todos os procedimentos é fundamental para se
pensar uma politica segurança pública cidadã.
O medo continua sendo o
instrumento pelo qual a sociedade é manipulada. O discurso da guerra tem
justificado o combate à violência com mais violência e ações arbitrárias: em
algumas áreas e territórios tudo pode. A banalização da morte nesses locais e a
desvalorização da vida dos mais pobres não podem ser contabilizadas como
resultado positivo de uma ação pública.
*O Outras Mídias é uma seleção de
textos publicados nas mídias livres, que Outras Palavras republica. Suas
sugestões podem ser enviada para caue@outraspalavras.net
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