terça-feira, 3 de julho de 2018

União Europeia se entrega à pressão dos populistas


Sem muita resistência, bloco se curva à vontade de Salvini, Kurz e Orbán e decide fechar suas fronteiras para refugiados. CSU deveria pensar melhor nos riscos do que está fazendo, opina a correspondente Barbara Wesel.

Se o resultado da cúpula vai ou não vai salvar o mandato da chanceler federal alemã não foi decidido em Bruxelas – os neopopulistas de Munique é que terão agora de quebrar a cabeça com isso. Todo mundo sabe que essa briga pelo poder encenada em Berlim não tem nada que ver com os fatos sobre a atual migração para a União Europeia (UE). É, na verdade, uma insolência como um punhado de bávaros megalômanos tenta tomar refém a União Europeia e manipulá-la para tomar o poder da ala mais liberal do conservadorismo alemão, liderada por Merkel.

O destino quis que justamente a Áustria assumisse a presidência temporária da União Europeia pelos próximos seis meses. O chanceler Sebastian Kurz agarra com entusiasmo essa chance de dar uma guinada à direita dentro da União Europeia, a mesma que os conservadores, liderados por ele, já deram em Viena, por meio da aliança com a extrema direita do FPÖ. Esta se apresenta em íntima aliança com a Liga na Itália, onde Matteo Salvini se vê como o nove Duce, na sucessão direta de Mussolini, e eleva a misantropia a uma nova forma de arte.

E este novo eixo de extrema direita está unido em amizade também com o húngaro Viktor Orbán, o pai das campanhas difamatórias, dos discursos de ódio e do populismo desenfreado na Europa. A receita dele: basta repetir várias vezes que estrangeiros e migrantes são o inimigo para que as pessoas passem a acreditar nisso. E, na Hungria, isso funciona às maravilhas.

A CSU já parou para pensar que tipo de pregadores de ódio e demagogos ela está imitando? Será que todos esses bávaros faltaram nas aulas de história ou não entenderam os mecanismos com os quais se estabelece o autoritarismo e se destrói as estruturas democráticas? Isso é um atestado de ignorância política, ainda mais para alemães!

O complicado sistema chamado União Europeia é um produto da democracia liberal na Europa. Ele se baseia em direitos e deveres equitativos dos Estados-membros, no espírito de cooperação e de solidariedade, esta uma qualidade que praticamente já virou palavrão. O slogan "A Itália em primeiro lugar", porém, como ele é repetido pelo novo governo em Roma, é o ressurgimento do nacionalismo egoísta, um veneno mortal para a Europa. Ou vale o sistema da busca de compromissos, do equilíbrio e do interesse conjunto, ou vale o benefício próprio nacional. Os dois ao mesmo tempo não dá.

No momento parece que o novo nacionalismo está em alta. Mas a assombrosa miopia de seu defensores faz com que eles estejam cortando o galho sobre o qual todos nós estamos sentados. Orbán só consegue criar sua autocracia particular na Hungria porque está sentado sobre os bilhões que vêm de Bruxelas. Se ele ajudar a destruir a União Europeia, vai cair como um pino de boliche.

Ao longo de décadas, a União Europeia assegurou liberdade, bem-estar e paz para todos nós. Quão cegos precisam ser esses conservadores da Baviera para ignorar que eles – junto com o norte da Itália – se tornaram uma das regiões mais ricas do mundo principalmente por causa da União Europeia? Só o fechamento das fronteiras dentro do espaço de Schengen custará bilhões em curto espaço de tempo. E tudo isso por causa de uma histeria ideológica que transforma os migrantes no pior de todos os males.

E onde ficam, por falar nisso, os valores humanitários? E os chamados valores cristãos? Em vez de dependurar cruzes em repartições públicas, os bávaros deveriam cultivar a virtude da compaixão. Mas a única que ainda ousa falar, cuidadosamente, em direitos humanos, é Angela Merkel. Infelizmente quase ninguém mais dá ouvidos a ela.

Sem oferecer grande resistência, a União Europeia se entrega à pressão dos populistas. E deixa de lado seus verdadeiros problemas: a ameaçadora desmontagem da Otan, a guerra comercial com Donald Trump, as regiões e populações negligenciadas, a economia digital – não faltam coisas a fazer! Mas tudo indica que os democratas na Europa deixaram escapar a hora certa de resistir. Merkel está enfraquecida, Emmanuel Macron faz apenas cálculos de poder e, de um modo geral, falta o contrapeso político para defender o núcleo da Europa.

E justamente os conservadores da Baviera contribuem fortemente para essa situação desoladora. Porém, se a CSU, em meio à sua tentativa desesperada de se apresentar como a Liga Sul na Alemanha, der uma olhada nas pesquisas, vai ficar preocupada. Seus líderes, Horst Seehofer e Markus Söder, estão em queda livre. Um europeu convicto não tem outra opção que não seja desejar a eles que caiam ainda mais.

Barbara Wesel (as) | Deutsche Welle | opinião
Na foto: Chanceler austríaco, Sebastian Kurz, assume presidência temporária da UE

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