domingo, 5 de agosto de 2018

Casamento infantil continua a ser realidade em Moçambique


No topo da lista dos casamentos precoces estão seis distritos da província de Manica: Machaze, Manica, Báruè, Guro, Gondola e Tambara. Para desencorajar a prática, ONG concede bolsas de estudo a raparigas em risco.

A legislação moçambicana considera "prematuras" uniões matrimoniais com menores de 18 anos. As autoridades admitem que os casamentos prematuros continuam a ser uma realidade em muitas zonas do país. Na província de Manica têm sido realizadas palestras e debates radiofónicos sobre os casamentos prematuros. As campanhas são financiadas por ONG e apoiadas pelas autoridades, tanto a nível nacional, como a nível provincial. 

Recentemente foram resgatadas algumas crianças que viviam com homens bastante mais velhos no distrito de Gondola, conta Assane Ernesto, chefe do Departamento da Criança na Acção Social de Manica. "Conseguimos resgatar neste primeiro semestre sete raparigas, que foram enquadradas nas escolas. Os responsáveis estão sob custódia das autoridades competentes", afirma. 

O educador António Chissambe, residente em Machaze, um dos distritos com um dos maiores índices de casamentos prematuros, acredita que as campanhas de sensibilização estão a ter resultados. Mas continua a haver casos em que homens "encomendam" meninas para se casarem com eles.

"Temos muitos homens que trabalham na África do Sul e, estando lá, eles solicitam aos pais que procurem uma menina em Moçambique", conta Chissambe à DW África. "Muitas vezes os pais acabam por entregar uma menina em idade escolar. Nós sensibilizamos os pais e sentimos que há algumas zonas onde as coisas mudaram. Há muitas meninas que passaram a frequentar a escola", diz.

"Troca-se uma menina por uma bicicleta"

Apesar das muitas campanhas, os casamentos prematuros continuam a ser uma realidade em várias zonas de Moçambique, confirma a diretora da organização Save the Children em Manica, Ana Dulce Chiluvane. Segundo a responsável, Manica parece ser a província moçambicana mais afetada pelo fenómeno, havendo até muitas raparigas, sobretudo de famílias pobres, que são prometidas em casamento ainda antes de nascerem, já que os supostos maridos suportam as despesas enquanto a mãe está grávida.

Para desencorajar esta prática, a Save the Children tem estado a conceder bolsas de estudo, para que muitas raparigas se possam formar e trabalhar nas zonas de origem. "Por exemplo, no distrito de Machaze, muitas famílias aceitam trocar uma bicicleta por uma menina em casamento", conta Ana Dulce Chiluvane.

"Nós também encontramos situações bastante fortes nos distritos de Guro, Báruè e Tambara. Quando acontecem estes casos, temos criado oportunidades para elas poderem retornar à escola, porque o nosso maior objetivo é que elas consigam ser educadas e que elas possam ultrapassar esse trauma relacionado com o casamento ou a gravidez precoces", explica.

Diálogo constante com pais e líderes locais

As autoridades governamentais e as ONG que atuam na área têm falado sobre o problema com líderes religiosos, régulos, pais e encarregados de educação, sociedade civil e organizações não-governamentais. O objetivo tem sido procurar estratégias em conjunto, para pôr fim a esta prática.

"Estamos a encontrar aqui algumas respostas para casos de casamentos prematuros. Em alguns casos conseguimos que as meninas, que foram forçadas a ir viver com pessoas muito mais velhas até do que os seus próprios pais, estejam a regressar às escolas", sublinha Alcinda de Abreu, esposa do governador de Manica, que recentemente promoveu um seminário sobre o tema. "Muitas até ganham coragem de sair desses seus casamentos forçados".

Bernardo Jequete (Manica) | Deutsche Welle

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