À tabela. Uma viagem perfeita, em
que tudo correu como previsto. Foi esta a experiência que os militantes do PS
tiveram no comboio que o partido fretou para os levar à rentrée, em Caminha.
Não é um comboio de alegria
esfusiante, nem um comício ambulante. No interior do comboio do PS vive-se um
ambiente alegre, vagamente festivo, feito sobretudo de cumplicidades e risos, e
predomina um – natural e óbvio – grande sentimento de pertença. Afinal, estes
passageiros comportam-se como uma grande família, trocando saudações, conversas
e até farnel.
Saído do Pinhal Novo às 9h35, o
comboio especial nº. 13562/3 veio meio vazio (ou meio cheio) até Pombal e
Coimbra. À medida que se aproxima do Norte, contudo, mais e mais
militantes vão entrando até não haver assentos disponíveis. Chega
a Caminha com cerca de 600 passageiros distribuídos por seis carruagens.
Augusta Barranha é de Leiria e
veio apanhar o comboio a Pombal. Diz que até já votou no PSD, mas que nunca
seria do CDS ou do PCP. Decidiu-se há pouco tempo pelo PS, mas é militante
assumida e embarcou pela primeira vez numa viagem organizada do partido. “Acho
que é um dever participar”, diz ao PÚBLICO, enquanto informa o grupinho de
socialistas que embarcou em Pombal que fez umas pataniscas para a viagem porque
não sabe se o comboio tem comida.
Ana Paula, também de Leiria, está
entusiasmada com a viagem de comboio até ao Minho, mas faz questão em contar
que há três semanas foi com um casal amigo e três crianças a S. Martinho do
Porto, comprou bilhete de ida e volta, mas não teve comboio para regressar,
tendo ficado parada na estação. Foi resgatada por uma pessoa amiga que foi
buscar o malogrado grupo de banhistas abandonados pela CP. No ano passado, Ana
Paula já foi no comboio do PS para Faro e está pronta para mais viagens.
Acompanha o grupo embarcado em
Pombal, Luís Guerreiro Rosa, professor do Técnico que vive em Alcobaça e que
vem com a mulher para a festa da rentrée. Dentro da carruagem a conversa flui,
agora com camaradas de Lisboa, da secção de Alcântara. É o caso de Helena
Amaral, que vem com o pai, já idoso, com o qual se desfaz em atenções,
procurando que mude de lugar porque está à janela, demasiado exposto ao sol.
Mas o velho recusa. Afinal está protegido na cabeça com um chapéu do PS.
Helena Amaral é habitué nestas
lides e já foi, em anos anteriores, a Faro e ao Porto nos comboios do PS. “É
uma forma de reunir os amigos, os militantes e também para cativar os
simpatizantes. Assim conhecemo-nos todos melhor. E o virmos de comboio dá para
circularmos e ir a outras carruagens conhecer outros socialistas. De autocarro
não podíamos fazer isso. Já viu o que era irmos de autocarro para Caminha?”.
Este é um comboio “pas
comme les autres” porque há uma vivência especial a bordo, mesmo
sem grande agitação nem bandeiras. O especial nº 13562/3 tem paragem em Aveiro,
Ovar, Gaia, Porto-Campanhã, e em todas as estações vão entrando mais
militantes.
Ao bar começam a afluir cada vez
mais passageiros e em breve há fila para tomar café. Um grupo do Porto espalha
nas mesas um farto farnel composto por bôla, pastéis de bacalhau e sandes de
salpicão. E escorre de um garrafão um vinho espadal (rosé de vinho verde).
“Comprei isto na tasca da Badalhoca, ali na Boavista. É para quem quiser.
Afinal somos todos camaradas!”, diz um entusiasmado militante, que insiste em
publicitar “o espadal de Santo Tirso, que é uma autêntica maravilha”.
Na carruagem de 1ª classe (a
única do comboio porque é a mesma do bar), o ambiente é mais calmo. De vez em
quando um grupo de passageiros, que percorre a composição de ponta a ponta,
chega ali e detém-se. “Olha, o comboio acaba aqui! Ali é a carruagem do
maquinista, já não podemos seguir”, diz uma senhora, constatando que o seu
passeio termina por ali.
Sentado discretamente em frente a
um computador portátil viaja o secretário de Estado da Educação, João Costa. É
o único governante a bordo. Deputados, estão presentes Idália Serrão e Maria da
Luz Rosinha. Esta viaja no bar, apinhado, de pé, junto à janela e não esconde
que está deliciada com a paisagem do Alto Minho. “Isto é muito bonito. Sou
utente habitual do comboio. Todos os dias vou de Vila Franca de Xira para o
Oriente e depois para Entrecampos. E ainda ontem vim de Lagos para Lisboa de
comboio”.
A deputada reconhece que o
serviço de suburbanos da CP já funcionou melhor e foi mais pontual. “Agora há
alguns atrasos. O troço da linha do Norte até à Azambuja é muito utilizado e
quando falha uma composição, isso atrasa logo os outros comboios. Mas acho que
vamos ultrapassar estes problemas e que vamos ganhar esta aposta na ferrovia”.
E acrescenta: “Isso é determinante para o futuro do país”.
E como é composto este comboio
pelo qual o PS pagou 13 mil euros para ir do Pinhal Novo a Caminha e voltar?
São seis carruagens denominadas Corail, fabricadas na então Sorefame, na
Amadora, mas de tecnologia e patente francesa. São cinco de 2ª classe e uma de
1ª classe com bar. A locomotiva que reboca isto tudo é, obviamente, alemã. De marca
Siemens.
Em Contumil, porém, a tracção
muda. A locomotiva eléctrica é substituída por uma velha máquina britânica, a
diesel, que traz atrelado um furgão com um gerador. Como a linha do Minho ainda
não está electrificada (as obras para tal deverão terminar no fim do ano), a
energia eléctrica para a iluminação e ar condicionado da composição é fornecida
através daquele veículo, determinante para o bem-estar dos passageiros.
O comboio do PS não se atrasa. E,
aparentemente, não prejudica a vida de outras circulações. É certo que em
Pombal houve um comboio regional para Coimbra que teve de encostar para uma
linha de resguardo para ser ultrapassado pelo especial. Mas foram só uns breves
minutos. A prova, contudo, de que este serviço até nem é alvo de um tratamento
especial por parte da CP vê-se agora mesmo, em Barcelos, em que os 600
socialistas (agora o comboio já vai cheio) esperam 10 minutos para cruzar com
outro comboio. É que a linha é de via única e os cruzamentos só podem ser
feitos nas estações.
Até que aparece em sentido
contrário um comboio... de mercadorias. Ao qual, pelos vistos, foi dada
prioridade. A menos – teoria da conspiração! – que a poderosa Mota Engil tenha
metido uma cunha a pedir privilégios porque o comboio, carregado de madeira, é da
sua empresa Takargo.
De agora em diante a linha
aproxima-se muitas vezes da costa a avista-se o mar e as praias do Alto Minho,
paisagens que não deixam os passageiros indiferentes e que os leva a apressarem-se
para a fotografar pela janela. Já antes, no Porto, ao cruzar o Douro,
houve uma excitação entre os passageiros pela vista da Invicta desde a ponte de
S. João. Há militantes de base que, reconhecem, poucas vezes andaram de comboio
e esta viagem – vê-se-lhes nos rostos – tem um certo sabor a aventura.
Quem está zangada é uma militante
de uma secção de Lisboa que não quis dar o nome. No Oriente, reparou que havia
uns penetras. “Eu conheço-os. São de direita, são uns fascistas, que lata
meterem-se aqui dentro. Ninguém controla isto?”, contou, indignada.
Coisa rara na linha do Minho, o
comboio passa por Viana de Castelo sem paragem e pouco depois, após vencer um
percurso sinuoso, entra num túnel e começa a afrouxar para, mal se avista a luz
do dia, deslizar lentamente pela estação de Caminha, no preciso momento em que
o relógio marca 15 horas e 43 minutos. À tabela.
Carlos Cipriano | Público
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