domingo, 26 de agosto de 2018

De Pinhal Novo a Caminha, o comboio do PS não atrasou um minuto


À tabela. Uma viagem perfeita, em que tudo correu como previsto. Foi esta a experiência que os militantes do PS tiveram no comboio que o partido fretou para os levar à rentrée, em Caminha.

Não é um comboio de alegria esfusiante, nem um comício ambulante. No interior do comboio do PS vive-se um ambiente alegre, vagamente festivo, feito sobretudo de cumplicidades e risos, e predomina um – natural e óbvio – grande sentimento de pertença. Afinal, estes passageiros comportam-se como uma grande família, trocando saudações, conversas e até farnel.

Saído do Pinhal Novo às 9h35, o comboio especial nº. 13562/3 veio meio vazio (ou meio cheio) até Pombal e Coimbra. À medida que se aproxima do Norte, contudo, mais e mais militantes vão entrando até não haver assentos disponíveis. Chega a Caminha com cerca de 600 passageiros distribuídos por seis carruagens.

Augusta Barranha é de Leiria e veio apanhar o comboio a Pombal. Diz que até já votou no PSD, mas que nunca seria do CDS ou do PCP. Decidiu-se há pouco tempo pelo PS, mas é militante assumida e embarcou pela primeira vez numa viagem organizada do partido. “Acho que é um dever participar”, diz ao PÚBLICO, enquanto informa o grupinho de socialistas que embarcou em Pombal que fez umas pataniscas para a viagem porque não sabe se o comboio tem comida. 

Ana Paula, também de Leiria, está entusiasmada com a viagem de comboio até ao Minho, mas faz questão em contar que há três semanas foi com um casal amigo e três crianças a S. Martinho do Porto, comprou bilhete de ida e volta, mas não teve comboio para regressar, tendo ficado parada na estação. Foi resgatada por uma pessoa amiga que foi buscar o malogrado grupo de banhistas abandonados pela CP. No ano passado, Ana Paula já foi no comboio do PS para Faro e está pronta para mais viagens.

Acompanha o grupo embarcado em Pombal, Luís Guerreiro Rosa, professor do Técnico que vive em Alcobaça e que vem com a mulher para a festa da rentrée. Dentro da carruagem a conversa flui, agora com camaradas de Lisboa, da secção de Alcântara. É o caso de Helena Amaral, que vem com o pai, já idoso, com o qual se desfaz em atenções, procurando que mude de lugar porque está à janela, demasiado exposto ao sol. Mas o velho recusa. Afinal está protegido na cabeça com um chapéu do PS.

Helena Amaral é habitué nestas lides e já foi, em anos anteriores, a Faro e ao Porto nos comboios do PS. “É uma forma de reunir os amigos, os militantes e também para cativar os simpatizantes. Assim conhecemo-nos todos melhor. E o virmos de comboio dá para circularmos e ir a outras carruagens conhecer outros socialistas. De autocarro não podíamos fazer isso. Já viu o que era irmos de autocarro para Caminha?”.

Este é um comboio “pas  comme  les  autres” porque há uma vivência especial a bordo, mesmo sem grande agitação nem bandeiras. O especial nº 13562/3 tem paragem em Aveiro, Ovar, Gaia, Porto-Campanhã, e em todas as estações vão entrando mais militantes.

Ao bar começam a afluir cada vez mais passageiros e em breve há fila para tomar café. Um grupo do Porto espalha nas mesas um farto farnel composto por bôla, pastéis de bacalhau e sandes de salpicão. E escorre de um garrafão um vinho espadal (rosé de vinho verde). “Comprei isto na tasca da Badalhoca, ali na Boavista. É para quem quiser. Afinal somos todos camaradas!”, diz um entusiasmado militante, que insiste em publicitar “o espadal de Santo Tirso, que é uma autêntica maravilha”.

Na carruagem de 1ª classe (a única do comboio porque é a mesma do bar), o ambiente é mais calmo. De vez em quando um grupo de passageiros, que percorre a composição de ponta a ponta, chega ali e detém-se. “Olha, o comboio acaba aqui! Ali é a carruagem do maquinista, já não podemos seguir”, diz uma senhora, constatando que o seu passeio termina por ali.

Sentado discretamente em frente a um computador portátil viaja o secretário de Estado da Educação, João Costa. É o único governante a bordo. Deputados, estão presentes Idália Serrão e Maria da Luz Rosinha. Esta viaja no bar, apinhado, de pé, junto à janela e não esconde que está deliciada com a paisagem do Alto Minho. “Isto é muito bonito. Sou utente habitual do comboio. Todos os dias vou de Vila Franca de Xira para o Oriente e depois para Entrecampos. E ainda ontem vim de Lagos para Lisboa de comboio”.

A deputada reconhece que o serviço de suburbanos da CP já funcionou melhor e foi mais pontual. “Agora há alguns atrasos. O troço da linha do Norte até à Azambuja é muito utilizado e quando falha uma composição, isso atrasa logo os outros comboios. Mas acho que vamos ultrapassar estes problemas e que vamos ganhar esta aposta na ferrovia”. E acrescenta: “Isso é determinante para o futuro do país”.

E como é composto este comboio pelo qual o PS pagou 13 mil euros para ir do Pinhal Novo a Caminha e voltar? São seis carruagens denominadas Corail, fabricadas na então Sorefame, na Amadora, mas de tecnologia e patente francesa. São cinco de 2ª classe e uma de 1ª classe com bar. A locomotiva que reboca isto tudo é, obviamente, alemã. De marca Siemens.

Em Contumil, porém, a tracção muda. A locomotiva eléctrica é substituída por uma velha máquina britânica, a diesel, que traz atrelado um furgão com um gerador. Como a linha do Minho ainda não está electrificada (as obras para tal deverão terminar no fim do ano), a energia eléctrica para a iluminação e ar condicionado da composição é fornecida através daquele veículo, determinante para o bem-estar dos passageiros.

O comboio do PS não se atrasa. E, aparentemente, não prejudica a vida de outras circulações. É certo que em Pombal houve um comboio regional para Coimbra que teve de encostar para uma linha de resguardo para ser ultrapassado pelo especial. Mas foram só uns breves minutos. A prova, contudo, de que este serviço até nem é alvo de um tratamento especial por parte da CP vê-se agora mesmo, em Barcelos, em que os 600 socialistas (agora o comboio já vai cheio) esperam 10 minutos para cruzar com outro comboio. É que a linha é de via única e os cruzamentos só podem ser feitos nas estações.

Até que aparece em sentido contrário um comboio... de mercadorias. Ao qual, pelos vistos, foi dada prioridade. A menos – teoria da conspiração! – que a poderosa Mota Engil tenha metido uma cunha a pedir privilégios porque o comboio, carregado de madeira, é da sua empresa Takargo.

De agora em diante a linha aproxima-se muitas vezes da costa a avista-se o mar e as praias do Alto Minho, paisagens que não deixam os passageiros indiferentes e que os leva a apressarem-se para a fotografar pela janela. Já antes, no Porto, ao cruzar o Douro, houve uma excitação entre os passageiros pela vista da Invicta desde a ponte de S. João. Há militantes de base que, reconhecem, poucas vezes andaram de comboio e esta viagem – vê-se-lhes nos rostos – tem um certo sabor a aventura.

Quem está zangada é uma militante de uma secção de Lisboa que não quis dar o nome. No Oriente, reparou que havia uns penetras. “Eu conheço-os. São de direita, são uns fascistas, que lata meterem-se aqui dentro. Ninguém controla isto?”, contou, indignada.

Coisa rara na linha do Minho, o comboio passa por Viana de Castelo sem paragem e pouco depois, após vencer um percurso sinuoso, entra num túnel e começa a afrouxar para, mal se avista a luz do dia, deslizar lentamente pela estação de Caminha, no preciso momento em que o relógio marca 15 horas e 43 minutos. À tabela.

Carlos Cipriano | Público

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