Domingos de Andrade | Jornal de
Notícias | opinião
Os vícios do poder assomam nas
pequenas coisas. Nos gestos aparentemente inofensivos. Na falta de cuidado com
o ser e o aparentar ser. Nos partidos, começam devagarinho nos corredores do
favorzinho e acabam frequentemente em investigações judiciais que, à força de
serem tantas e tão diversas, também acabam em nada. É verdade.
A um partido, e a um partido do
poder que governa, exige-se contenção na exposição pública desse poder.
Exige-se transparência e boas contas éticas e morais de quem rodeia e
influencia a cadeira do dito poder. Mas não faltam exemplos, da Esquerda à
Direita do arco da governação, em que nada conta e nada vale. Adiante.
Fretar comboios especiais para
transportar militantes entra no domínio da duplicidade da relação de um partido
com o Estado. Percebe-se bem a ecologia da opção justificada pelo PS para levar
os seus fiéis do Sul ao Norte para a festa da rentrée em Caminha. E o convívio
que proporciona, menos fechado do que em autocarros, sempre tão mobilizador
para os tempos que aí vêm. Ano eleitoral, Orçamento do Estado em negociação com
os partidos que suportam o Governo, e uma Direita incapaz de se unir, quanto
mais de ter um projeto para o país.
Percebe-se até bem que os
comboios especiais da CP, um serviço cada vez mais utilizado por escolas,
municípios ou empresas, representem uma estratégia para aumentar os clientes e
as receitas. E até se percebe melhor que o PS, como partido responsável de
Governo, queira dar um contributo e o exemplo.
O que já não se percebe é que o
comboio fretado tenha prioridade sobre todos os outros, num momento em que o
desinvestimento na ferrovia ultrapassa todos os limites, em que o serviço
prestado é terceiro-mundista, com atrasos recorrentes, suspensão de percursos por
falta de ar condicionado, viagens infernais descritas pelos passageiros.
Nada que suceda no comboio da
festa. Porque também aí o serviço é especial.
*Diretor-executivo
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