domingo, 26 de agosto de 2018

Portugal | Desencalhar os salários


Manuel Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião

Há muito tempo que os salários de grande parte dos portugueses estão praticamente estagnados, o nível médio salarial é muito baixo e a mediana ainda mais. Estes factos tolhem o futuro das jovens gerações, consolidam a persistência de baixas pensões de reforma, são a primeira causa de pobreza e impedem o desenvolvimento do país. Mas a melhoria dos salários exige uma agenda política bem estruturada e articulada com a agenda social, exige opções económicas e práticas de gestão, privadas e públicas, que incorporem esse objetivo como estratégico.

Se a esmagadora maioria dos jovens que termina o Ensino Secundário não segue para a universidade é porque no seio das suas famílias (e na sociedade) estão instalados obstáculos que é preciso remover: o do baixo nível de rendimentos e o da insuficiência de motivações não são os únicos, mas são fortes.

Se é uma evidência que o país está depauperado com a emigração dos jovens, em particular dos mais qualificados, há mesmo que melhorar a oferta salarial a fazer-lhes, é preciso baixar o custo da habitação e melhorar condições de mobilidade. "Pacotes fiscais agressivos" também poderão ser úteis, mas são apenas complementares. Essas políticas devem estar no cerne do reacerto da matriz de desenvolvimento económico, social e cultural que queremos para o nosso futuro coletivo.

Quando António Costa reclama que "as próprias empresas têm de perceber que têm de alterar as suas estruturas salariais" e, a propósito, denuncia a desigualdade salarial, exemplificada nas retribuições escandalosas atribuídas aos supergestores - prenhes de mérito e motivação - de grandes grupos empresariais, ele apenas enuncia uma das causas da esmagadora maioria dos portugueses terem muito baixos salários.

Foram elucidativas, aliás, e de uma pobreza gritante, as respostas dadas por representantes patronais às declarações do primeiro-ministro. O presidente da CIP, num enviesamento total, comparou esses "grandes" gestores a jogadores (estrelas) do futebol e, por arrastamento, equiparou as grandes empresas às sociedades que gerem os grandes clubes. Será que a conceção de empresa moderna de António Saraiva se situa nos exemplos da indústria especulativa e do espetáculo profundamente mediatizado que marcam o futebol a que se referiu? João Vieira Lopes, presidente da CCP, afirmou que "Não cabe aos governos parametrizar situações". Será que em democracia as empresas podem ser coutadas à margem de políticas económicas, sociais e laborais gerais, sem parâmetros mínimos que a todos obrigam? É evidente que, em muitos grandes grupos empresariais, se montou um conluio vergonhoso entre acionistas e gestores de topo que têm sido, inclusive, a causa de desastres empresariais. Se existem problemas nas empresas, ou em qualquer outra área da sociedade, que estão a impedir que esta se desenvolva melhor e com mais justiça, o poder político tem o direito e o dever de observar e agir para superar esses bloqueios.

Em Portugal os salários estagnaram e paga-se muito mal aos jovens, porque a matriz de desenvolvimento que tem sido prosseguida se sustenta exatamente em políticas de baixos salários, o que agrava as condicionantes negativas externas que se fazem sentir sobre as nossas empresas e a economia. Mas a este bloqueio associam-se - ou são-lhe intrínsecos - muitos outros. O trabalho na Administração Pública tem sido desvalorizado e o Estado foi afastado de importantes alavancas (grandes grupos) da economia, o que o impede de puxar positivamente pelos salários. O desemprego tem sido elevado e muito do novo emprego é demasiado instável e precário, limitando os trabalhadores nas suas reivindicações. As sucessivas invocações de crises, a excessiva individualização das relações laborais, o enfraquecimento da contratação coletiva e a colocação dos sindicatos em "situação de necessidade" impedem a construção de uma dinâmica negocial positiva e de harmonização no progresso.

Os baixos salários resultam de políticas económicas e sociais prosseguidas ao longo dos tempos e de fatores externos negativos, quantas vezes assumidos falsamente como modernidade. Há que travar um forte combate social e político para que não vingue esta "inevitabilidade".

* Investigador e professor universitário

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