Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
Há muito tempo que os salários de
grande parte dos portugueses estão praticamente estagnados, o nível médio
salarial é muito baixo e a mediana ainda mais. Estes factos tolhem o futuro das
jovens gerações, consolidam a persistência de baixas pensões de reforma, são a
primeira causa de pobreza e impedem o desenvolvimento do país. Mas a melhoria
dos salários exige uma agenda política bem estruturada e articulada com a
agenda social, exige opções económicas e práticas de gestão, privadas e
públicas, que incorporem esse objetivo como estratégico.
Se a esmagadora maioria dos
jovens que termina o Ensino Secundário não segue para a universidade é porque
no seio das suas famílias (e na sociedade) estão instalados obstáculos que é
preciso remover: o do baixo nível de rendimentos e o da insuficiência de
motivações não são os únicos, mas são fortes.
Se é uma evidência que o país
está depauperado com a emigração dos jovens, em particular dos mais
qualificados, há mesmo que melhorar a oferta salarial a fazer-lhes, é preciso
baixar o custo da habitação e melhorar condições de mobilidade. "Pacotes
fiscais agressivos" também poderão ser úteis, mas são apenas
complementares. Essas políticas devem estar no cerne do reacerto da matriz de
desenvolvimento económico, social e cultural que queremos para o nosso futuro
coletivo.
Quando António Costa reclama que
"as próprias empresas têm de perceber que têm de alterar as suas
estruturas salariais" e, a propósito, denuncia a desigualdade salarial,
exemplificada nas retribuições escandalosas atribuídas aos supergestores -
prenhes de mérito e motivação - de grandes grupos empresariais, ele apenas
enuncia uma das causas da esmagadora maioria dos portugueses terem muito baixos
salários.
Foram elucidativas, aliás, e de
uma pobreza gritante, as respostas dadas por representantes patronais às
declarações do primeiro-ministro. O presidente da CIP, num enviesamento total,
comparou esses "grandes" gestores a jogadores (estrelas) do futebol
e, por arrastamento, equiparou as grandes empresas às sociedades que gerem os
grandes clubes. Será que a conceção de empresa moderna de António Saraiva se
situa nos exemplos da indústria especulativa e do espetáculo profundamente
mediatizado que marcam o futebol a que se referiu? João Vieira Lopes,
presidente da CCP, afirmou que "Não cabe aos governos parametrizar
situações". Será que em democracia as empresas podem ser coutadas à margem
de políticas económicas, sociais e laborais gerais, sem parâmetros mínimos que
a todos obrigam? É evidente que, em muitos grandes grupos empresariais, se
montou um conluio vergonhoso entre acionistas e gestores de topo que têm sido,
inclusive, a causa de desastres empresariais. Se existem problemas nas
empresas, ou em qualquer outra área da sociedade, que estão a impedir que esta
se desenvolva melhor e com mais justiça, o poder político tem o direito e o
dever de observar e agir para superar esses bloqueios.
Em Portugal os salários
estagnaram e paga-se muito mal aos jovens, porque a matriz de desenvolvimento
que tem sido prosseguida se sustenta exatamente em políticas de baixos
salários, o que agrava as condicionantes negativas externas que se fazem sentir
sobre as nossas empresas e a economia. Mas a este bloqueio associam-se - ou
são-lhe intrínsecos - muitos outros. O trabalho na Administração Pública tem
sido desvalorizado e o Estado foi afastado de importantes alavancas (grandes
grupos) da economia, o que o impede de puxar positivamente pelos salários. O
desemprego tem sido elevado e muito do novo emprego é demasiado instável e
precário, limitando os trabalhadores nas suas reivindicações. As sucessivas
invocações de crises, a excessiva individualização das relações laborais, o
enfraquecimento da contratação coletiva e a colocação dos sindicatos em
"situação de necessidade" impedem a construção de uma dinâmica negocial
positiva e de harmonização no progresso.
Os baixos salários resultam de
políticas económicas e sociais prosseguidas ao longo dos tempos e de fatores
externos negativos, quantas vezes assumidos falsamente como modernidade. Há que
travar um forte combate social e político para que não vingue esta "inevitabilidade".
* Investigador e professor
universitário
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