Victor Ceita* | Téla Nón | opinião
A dois meses das eleições, S.
Tomé e Príncipe tem vindo a ser foco de notícias relacionadas com alegadas
intentonas, alegadamente perpetradas por indivíduos que, segundo o Governo,
pretendem eliminar fisicamente o Primeiro Ministro e alterar a ordem constitucional
do país. Com efeito, em pouco mais de 30 dias foram alegadamente desmanteladas
duas operações com o sinistro propósito atrás referido. A situação é
extremamente grave e séria, devendo merecer de todos uma reflexão profunda
sobre o caminho que se começou a traçar para o país, essencialmente, nos
últimos quatro anos.
Num quadro democrático,
independentemente da sensibilidade política de cada um, ninguém pode ficar
indiferente perante as notícias das últimas semanas, pois o cenário agora
criado faz ensombrar os resultados das próximas eleições, quer na fase
específica das campanhas quer no acto da votação, e, quiçá, depois da
publicação dos resultados. De qualquer das formas, é preciso chamar aqui
atenção para algumas reflexões sobre a(s) alegada(s) intentona(s) das últimas
semanas em S. Tomé e Príncipe.
Numa breve pesquisa nos lugares
comuns da internet pode encontrar-se diversas qualificações para o termo
intentona, mormente, definindo-o como um intento louco, um projeto insensato,
um ataque imprevisto ou mesmo conluio de motim ou revolta.
Estes adjectivos, acompanhados da
intenção de tomada do poder instituído, pode qualificar e ajudar a definir
aquilo que se vive em S. Tomé e Príncipe na actualidade. Isto é, alegadamente,
os indivíduos que têm sido apresentados como protagonistas dos actos invocados
pelo Governo, por intento louco, munidos de projecto insensato, em conluio,
tentaram preparar um ataque imprevisto, com o objectivo de eliminar fisicamente
o Primeiro Ministro e tomar o poder à margem do quadro democrático.
Isto é preocupante, senão
tenebroso. A questão que se coloca é que nestas situações, como em quaisquer
outras de semelhante configuração, não basta alegar, sendo imprescindível que
se determine com precisão e objectividade se o alegado pelo Governo tem
correspondência com a realidade, com a verdade. Esta é a regra de ouro numa
qualquer sociedade dita civilizada e num estado tomado por democrático.
E esta necessidade, que acarreta
e pressupõe séria investigação e prova, visa não apenas fazer justiça e
apaziguar a sociedade, mas também, quiçá principalmente, verificar a
credibilidade de quem anunciou a existência da(s) intentona(s), de quem
despoletou o alarme social com a divulgação quase propagandista deste fenómeno.
Aqui entra o papel de outras instituições, diferentes do Governo, instituições
incumbidas pela Constituição e por lei de investigar, acusar (se for o caso) e
julgar os factos alegados pelo Governo.
São estas instituições que,
exercendo as funções que lhes estão acometidas, irão dissipar as dúvidas sobre
estes casos, lançando para a sociedade a verdade dos factos e as possíveis
reais intenções e/ou motivações por detrás deste fenómeno. E parece ser aqui
que o Governo encontrará enorme dificuldade na gestão deste assunto, fruto dos
actos ultimamente protagonizados pelo próprio Governo e o Partido que o
sustenta.
Na verdade, o que aconteceu ao
sector da Justiça em S. Tomé e Príncipe nos tempos recentes é algo digno de
estudo académico quer na vertente sociológica quer na vertente psiquiátrica de
alguns dos seus protagonistas. A questão é que, ao contrário do que se possa
pensar, a subversão da ordem política e social do Estado não é um
fenómeno exclusivamente derivado da acção militar ou outra forma violenta
de tomada do poder.
A subversão da ordem política de
um Estado pode igualmente ser perpetrada de forma institucional, pelo poder
instituído, que, por acções à margem do quadro legal e constitucional do país,
e disfarçando uma actuação regular, passa a controlar o parelho do Estado nas
suas mais variadas vertentes, com destaque para a Justiça, a Comunicação
Social, a Economia, etc.
No caso concreto de S. Tomé e
Príncipe, a avaliar pelos últimos actos praticados pelo Partido que sustenta o
Governo, não estamos longe de uma verdadeira subversão da ordem democrática.
Com efeito, o ADI, que não governa com maioria qualificada, (i) ao impor ao
país um Tribunal Constitucional, o qual veio à luz por meio de actos violentes
contra os deputados da oposição na Casa da Democracia, (ii) ao eleger sozinho
os seus juízes para o seu Tribunal Constitucional, (iii) ao exonerar Juízes do
Tribunal Supremo de forma sumária e por mera resolução da Assembleia Nacional,
(iv) ao eleger sozinho e por resolução da Assembleia Nacional os seus juízes
para o “novo” Tribunal Supremo, se não matou a Justiça do país, feriu de morte a
ténue credibilidade que essa Justiça ainda desfruía. Ora, se assim é, como
espera o Governo e o seu Partido que a sociedade acredite no que há-de vir em
relação ao esclarecimento da(s) intentona(s) denunciadas? Poderá o normal e
pacato cidadão santomense esperar que a investigação, a acusação (se houver) e
o julgamento do caso da(s) intentona(s) publicitadas pelo Governo conhecerá
seriedade e justiça que situações dessas reclamam? Fica tudo muito nublado,
pois o ADI e o seu Governo criaram todo um quadro descredibilizante do sistema
de Justiça ao ponto de ser legítimo questionar a sua imparcialidade, a sua
independência, a sua credibilidade, segundo as regras democráticas.
Não é em vão que os últimos
suspeitos da alegada mais recente intentona viram prejudicado o elementar
direito de serem ouvidos por um juiz no mais curto período de tempo possível.
Ao que se lê nas notícias, muitos juízes declinaram o trabalho, recusando
associar-se ao assunto.
A solução teve de vir do Distrito
de Lembá, cujo tribunal é titulado pelo juiz, o mesmo que resolveu(?) o assunto
Rosema a favor dos seus interessados e não a favor da Justiça, que foi
escolhido para a empreitada, numa espécie de juiz de serviço.
Será muito difícil, pelo menos
para a opinião pública, aceitar sem desconfiança que a actual Justiça estará em
condições de exercer a sua verdadeira função, com imparcialidade, independência
e credibilidade, lançando a verdade dos factos que neste momento é essencial
para a própria credibilidade do Governo e do seu Partido. Estes, fruto do
vendaval que semearam no sistema constitucional e legal da sociedade
santomense, arriscam-se a beber do próprio cálice cujo conteúdo, por ser
perigoso, teria sido preparado para servir a outrem.
No quadro acima exposto, espero
que um assunto tão sério como é o fenómeno da(s) intentonas(s) que surgiram no
país, nas vésperas das anunciadas eleições, não venha a ser encarado como uma
simples e instrumental inventona.
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– INTENTONA
VERSUS INVENTONA
*Victor Ceita, advogado
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