segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Intentona VERSUS Inventona: Duas faces de uma mesma moeda?

Victor Ceita* | Téla Nón | opinião

A dois meses das eleições, S. Tomé e Príncipe tem vindo a ser foco de notícias relacionadas com alegadas intentonas, alegadamente perpetradas por indivíduos que, segundo o Governo, pretendem eliminar fisicamente o Primeiro Ministro e alterar a ordem constitucional do país. Com efeito, em pouco mais de 30 dias foram alegadamente desmanteladas duas operações com o sinistro propósito atrás referido. A situação é extremamente grave e séria, devendo merecer de todos uma reflexão profunda sobre o caminho que se começou a traçar para o país, essencialmente, nos últimos quatro anos.

Num quadro democrático, independentemente da sensibilidade política de cada um, ninguém pode ficar indiferente perante as notícias das últimas semanas, pois o cenário agora criado faz ensombrar os resultados das próximas eleições, quer na fase específica das campanhas quer no acto da votação, e, quiçá, depois da publicação dos resultados. De qualquer das formas, é preciso chamar aqui atenção para algumas reflexões sobre a(s) alegada(s) intentona(s) das últimas semanas em S. Tomé e Príncipe.

Numa breve pesquisa nos lugares comuns da internet pode encontrar-se diversas qualificações para o termo intentona, mormente, definindo-o como um intento louco, um projeto insensato, um ataque imprevisto ou mesmo conluio de motim ou revolta.

Estes adjectivos, acompanhados da intenção de tomada do poder instituído, pode qualificar e ajudar a definir aquilo que se vive em S. Tomé e Príncipe na actualidade. Isto é, alegadamente, os indivíduos que têm sido apresentados como protagonistas dos actos invocados pelo Governo, por intento louco, munidos de projecto insensato, em conluio, tentaram preparar um ataque imprevisto, com o objectivo de eliminar fisicamente o Primeiro Ministro e tomar o poder à margem do quadro democrático.

Isto é preocupante, senão tenebroso. A questão que se coloca é que nestas situações, como em quaisquer outras de semelhante configuração, não basta alegar, sendo imprescindível que se determine com precisão e objectividade se o alegado pelo Governo tem correspondência com a realidade, com a verdade. Esta é a regra de ouro numa qualquer sociedade dita civilizada e num estado tomado por democrático.

E esta necessidade, que acarreta e pressupõe séria investigação e prova, visa não apenas fazer justiça e apaziguar a sociedade, mas também, quiçá principalmente, verificar a credibilidade de quem anunciou a existência da(s) intentona(s), de quem despoletou o alarme social com a divulgação quase propagandista deste fenómeno. Aqui entra o papel de outras instituições, diferentes do Governo, instituições incumbidas pela Constituição e por lei de investigar, acusar (se for o caso) e julgar os factos alegados pelo Governo.

São estas instituições que, exercendo as funções que lhes estão acometidas, irão dissipar as dúvidas sobre estes casos, lançando para a sociedade a verdade dos factos e as possíveis reais intenções e/ou motivações por detrás deste fenómeno. E parece ser aqui que o Governo encontrará enorme dificuldade na gestão deste assunto, fruto dos actos ultimamente protagonizados pelo próprio Governo e o Partido que o sustenta.

Na verdade, o que aconteceu ao sector da Justiça em S. Tomé e Príncipe nos tempos recentes é algo digno de estudo académico quer na vertente sociológica quer na vertente psiquiátrica de alguns dos seus protagonistas. A questão é que, ao contrário do que se possa pensar, a subversão da ordem política e social do Estado não é um fenómeno exclusivamente derivado da acção militar ou outra forma violenta de tomada do poder.

A subversão da ordem política de um Estado pode igualmente ser perpetrada de forma institucional, pelo poder instituído, que, por acções à margem do quadro legal e constitucional do país, e disfarçando uma actuação regular, passa a controlar o parelho do Estado nas suas mais variadas vertentes, com destaque para a Justiça, a Comunicação Social, a Economia, etc.

No caso concreto de S. Tomé e Príncipe, a avaliar pelos últimos actos praticados pelo Partido que sustenta o Governo, não estamos longe de uma verdadeira subversão da ordem democrática. Com efeito, o ADI, que não governa com maioria qualificada, (i) ao impor ao país um Tribunal Constitucional, o qual veio à luz por meio de actos violentes contra os deputados da oposição na Casa da Democracia, (ii) ao eleger sozinho os seus juízes para o seu Tribunal Constitucional, (iii) ao exonerar Juízes do Tribunal Supremo de forma sumária e por mera resolução da Assembleia Nacional, (iv) ao eleger sozinho e por resolução da Assembleia Nacional os seus juízes para o “novo” Tribunal Supremo, se não matou a Justiça do país, feriu de morte a ténue credibilidade que essa Justiça ainda desfruía. Ora, se assim é, como espera o Governo e o seu Partido que a sociedade acredite no que há-de vir em relação ao esclarecimento da(s) intentona(s) denunciadas? Poderá o normal e pacato cidadão santomense esperar que a investigação, a acusação (se houver) e o julgamento do caso da(s) intentona(s) publicitadas pelo Governo conhecerá seriedade e justiça que situações dessas reclamam? Fica tudo muito nublado, pois o ADI e o seu Governo criaram todo um quadro descredibilizante do sistema de Justiça ao ponto de ser legítimo questionar a sua imparcialidade, a sua independência, a sua credibilidade, segundo as regras democráticas.

Não é em vão que os últimos suspeitos da alegada mais recente intentona viram prejudicado o elementar direito de serem ouvidos por um juiz no mais curto período de tempo possível. Ao que se lê nas notícias, muitos juízes declinaram o trabalho, recusando associar-se ao assunto.

A solução teve de vir do Distrito de Lembá, cujo tribunal é titulado pelo juiz, o mesmo que resolveu(?) o assunto Rosema a favor dos seus interessados e não a favor da Justiça, que foi escolhido para a empreitada, numa espécie de juiz de serviço.

Será muito difícil, pelo menos para a opinião pública, aceitar sem desconfiança que a actual Justiça estará em condições de exercer a sua verdadeira função, com imparcialidade, independência e credibilidade, lançando a verdade dos factos que neste momento é essencial para a própria credibilidade do Governo e do seu Partido. Estes, fruto do vendaval que semearam no sistema constitucional e legal da sociedade santomense, arriscam-se a beber do próprio cálice cujo conteúdo, por ser perigoso, teria sido preparado para servir a outrem.

No quadro acima exposto, espero que um assunto tão sério como é o fenómeno da(s) intentonas(s) que surgiram no país, nas vésperas das anunciadas eleições, não venha a ser encarado como uma simples e instrumental inventona.

Pode ler o artigo em formato PDF – INTENTONA VERSUS INVENTONA

*Victor Ceita, advogado

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