segunda-feira, 3 de setembro de 2018

MPLA em dívida com Mário Pinto de Andrade


Na véspera do congresso do MPLA, fundador e primeiro presidente do partido tem sido lembrado, ainda que timidamente. Conclave deve confirmar João Lourenço como novo líder partidário, mas candidatura única é criticada.

Em Angola, os cidadãos comuns pouco ou quase nada sabem sobre o fundador do MPLA. Meia dúzia sabe, por exemplo, que os contatos de Mário Pinto de Andrade com os movimentos independentistas africanos começaram em Paris, ainda nos anos 50, na mesma década em que o político desdobrou-se em contatos em Argel, Casablanca, Acra e Conacry - num processo que culminou em 1960, ao tornar-se o primeiro presidente do MPLA.

Cláudio Fortuna, jornalista angolano e investigador do Centro de Estudos Africanos (CEA) da Universidade Católica de Angola, explica, para além da política, a dimensão literária de Mário Pinto de Andrade.

"O poema do Agostinho Neto que tem 14 páginas, 'Renúncia Impossível', foi publicado de forma incompleta, porque a versão original que o Agostinho tinha entregue ao Mário Pinto de Andrade para fazer a revisão, porque ele era crítico literário, tinha 21 páginas e o poema editado agora tinha 14 páginas," recorda.

"Foi possível encontrar o original deste poema no espólio de Mário Pinto de Andrade que esteve na Fundação Mário Soares. Mário Pinto de Andrade marcou a história de Angola e da sua formação política," avalia.

Segundo Cláudio Fortuna, Mário Pinto de Andrade "era identificado como uma pessoa de consensos, de poucos conflitos e era mais pela harmonia do que propriamente pelo divisionismo".

Afastamento do MPLA

Se era uma figura de unidade, por que razão afastou-se do partido que fundou? Silva Mateus, da União de Tendências do MPLA, uma corrente contestatária às antigas políticas do partido no poder, responde à pergunta da DW explicando que, tudo teria começado quando o atual partido no poder decidiu optar pela via armada para lutar contra o colonialismo português.

"Tendo em conta esse desiderato, Pinto de Andrade achou melhor dar o lugar ao Agostinho Neto para ele falar com os outros para se mobilizarem para a guerra. Só que, Mário conjunturou mal essa questão - porque a partir dali, Agostinho Neto começou a lhe fazer guerra, até ele próprio afastar-se," considera.

Em 1974, depois de protagonizar, com o seu irmão Joaquim Pinto de Andrade, a chamada "Revolta Ativa", em oposição a Agostinho Neto, Mário abandona Angola, onde nunca mais volta em vida.

Já, fora das fronteiras angolanas, Cláudio Fortuna, lembra o cargo desempenhado por Mário Pinto de Andrade na Guiné-Bissau.

"Acaba por ir exercer as funções de ministro da Cultura e Informação da Guiné-Bissau sob a batuta de Luís Cabral, irmão de Amilcar Cabral, que era seu amigo de luta da Casa dos Estudantes do Império em Portugal," afirma.

Dívida histórica

Para além do reconhecimento que o MPLA e o Estado angolano deveriam fazer a Mário Pinto de Andrade, o investigador da Universidade Católica de Angola, aponta outras figuras.

"Passa pelo reconhecimento de Mário Pinto de Andrade, de Ilídio Machada e passa, sobretudo, pelo reconhecimento do grande ideólogo de sempre do MPLA, que foi Viriato da Cruz. O MPLA está em falta com a sua história. Precisa reencontrar-se com a sua história," considera Cláudio Fortuna.

A 26 de Agosto de 1990 falece e volta "à casa", onde foi sepultado no Cemitério do Alto das Cruzes, em Luanda.

Em Angola, não se fala sobre Mário Pinto de Andrade como primeiro presidente e fundador do MPLA. Só para se ter uma ideia, sobre as paredes das instituições desta formação política, há apenas as fotografias de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. Também pouco se fala sobre ele nas datas históricas do país.

Formalidade estatutária

Mas, em véspera de mais um congresso que substituirá o atual líder, no cargo desde 1979, já se fala, embora timidamente, sobre Mário Pinto de Andrade como fundador e primeiro presidente do partido que proclamou a independência, em 1975.

O conclave dos "camaradas", que acontece no próximo sábado (08.09), deverá aclamar João Lourenço como o senhor que se segue. Cláudio Fortuna diz que já era altura de se evoluir, por exemplo, para mais de um candidato.

"Isso não é eleição. Claramente que belisca (a democracia interna). Se o MPLA quer fazer diferente – se transformar num partido que acompanha os ventos da mudança, da modernidade e da democracia - era de todo válido, ou pelo menos saudável, que pudesse apresentar vários candidatos," defende o estudioso.

Não se sabe ao certo que MPLA se terá depois do congresso, já que, fala-se muito de bicefalia no seio dos "camaradas" - desde a eleição de João Lourenço como Presidente da República, a 23 de agosto do ano passado.

Silva Mateus não comenta o futuro do MPLA depois da fase que chama de "formalidade estatutária". Mas de uma coisa tem a certeza: "Isso não é um congresso, é uma reunião de transição onde o Comité Central se reúne para José Eduardo abdicar do lugar e passá-lo ao João Lourenço. É uma formalidade estatutária," conclui.

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

Foto de arquivo: Mário Pinto de Andrade (dir.) com Samora Machel, Presidente de Moçambique (1984)

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