Na véspera do congresso do MPLA,
fundador e primeiro presidente do partido tem sido lembrado, ainda que
timidamente. Conclave deve confirmar João Lourenço como novo líder partidário,
mas candidatura única é criticada.
Em Angola, os cidadãos comuns
pouco ou quase nada sabem sobre o fundador do MPLA. Meia dúzia sabe, por exemplo, que
os contatos de Mário Pinto de Andrade com os movimentos independentistas
africanos começaram em Paris, ainda nos anos 50, na mesma década em que o
político desdobrou-se em contatos em Argel, Casablanca, Acra e Conacry - num
processo que culminou em 1960, ao tornar-se o primeiro presidente do MPLA.
Cláudio Fortuna, jornalista
angolano e investigador do Centro de Estudos Africanos (CEA) da Universidade
Católica de Angola, explica, para além da política, a dimensão literária de
Mário Pinto de Andrade.
"O poema do Agostinho Neto
que tem 14 páginas, 'Renúncia Impossível', foi publicado de forma incompleta,
porque a versão original que o Agostinho tinha entregue ao Mário Pinto de
Andrade para fazer a revisão, porque ele era crítico literário, tinha 21
páginas e o poema editado agora tinha 14 páginas," recorda.
"Foi possível encontrar o
original deste poema no espólio de Mário Pinto de Andrade que esteve na
Fundação Mário Soares. Mário Pinto de Andrade marcou a história de Angola e da
sua formação política," avalia.
Segundo Cláudio Fortuna, Mário
Pinto de Andrade "era identificado como uma pessoa de consensos, de poucos
conflitos e era mais pela harmonia do que propriamente pelo divisionismo".
Afastamento do MPLA
Se era uma figura de unidade, por
que razão afastou-se do partido que fundou? Silva Mateus, da União de
Tendências do MPLA, uma corrente contestatária às antigas políticas do partido
no poder, responde à pergunta da DW explicando que, tudo teria começado quando
o atual partido no poder decidiu optar pela via armada para lutar contra o
colonialismo português.
"Tendo em conta esse
desiderato, Pinto de Andrade achou melhor dar o lugar ao Agostinho Neto para
ele falar com os outros para se mobilizarem para a guerra. Só que, Mário
conjunturou mal essa questão - porque a partir dali, Agostinho Neto começou a
lhe fazer guerra, até ele próprio afastar-se," considera.
Em 1974, depois de protagonizar,
com o seu irmão Joaquim Pinto de Andrade, a chamada "Revolta Ativa",
em oposição a Agostinho Neto, Mário abandona Angola, onde nunca mais volta em
vida.
Já, fora das fronteiras
angolanas, Cláudio Fortuna, lembra o cargo desempenhado por Mário Pinto de
Andrade na Guiné-Bissau.
"Acaba por ir exercer as
funções de ministro da Cultura e Informação da Guiné-Bissau sob a batuta de
Luís Cabral, irmão de Amilcar Cabral, que era seu amigo de luta da Casa dos
Estudantes do Império em Portugal," afirma.
Dívida histórica
Para além do reconhecimento que o
MPLA e o Estado angolano deveriam fazer a Mário Pinto de Andrade, o
investigador da Universidade Católica de Angola, aponta outras figuras.
"Passa pelo reconhecimento
de Mário Pinto de Andrade, de Ilídio Machada e passa, sobretudo, pelo
reconhecimento do grande ideólogo de sempre do MPLA, que foi Viriato da Cruz. O
MPLA está em falta com a sua história. Precisa reencontrar-se com a sua
história," considera Cláudio Fortuna.
A 26 de Agosto de 1990 falece e
volta "à casa", onde foi sepultado no Cemitério do Alto das Cruzes,
em Luanda.
Em Angola, não se fala sobre
Mário Pinto de Andrade como primeiro presidente e fundador do MPLA. Só para se
ter uma ideia, sobre as paredes das instituições desta formação política, há
apenas as fotografias de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. Também pouco
se fala sobre ele nas datas históricas do país.
Formalidade estatutária
Mas, em véspera de mais um
congresso que substituirá o atual líder, no cargo desde 1979, já se fala,
embora timidamente, sobre Mário Pinto de Andrade como fundador e primeiro
presidente do partido que proclamou a independência, em 1975.
O conclave dos
"camaradas", que acontece no próximo sábado (08.09), deverá aclamar
João Lourenço como o senhor que se segue. Cláudio Fortuna diz que já era altura
de se evoluir, por exemplo, para mais de um candidato.
"Isso não é eleição.
Claramente que belisca (a democracia interna). Se o MPLA quer fazer diferente –
se transformar num partido que acompanha os ventos da mudança, da modernidade e
da democracia - era de todo válido, ou pelo menos saudável, que pudesse
apresentar vários candidatos," defende o estudioso.
Não se sabe ao certo que MPLA se
terá depois do congresso, já que, fala-se muito de bicefalia no seio dos
"camaradas" - desde a eleição de João Lourenço como Presidente
da República, a 23 de agosto do ano passado.
Silva Mateus não comenta o futuro
do MPLA depois da fase que chama de "formalidade estatutária". Mas de
uma coisa tem a certeza: "Isso não é um congresso, é uma reunião de
transição onde o Comité Central se reúne para José Eduardo abdicar do lugar e
passá-lo ao João Lourenço. É uma formalidade estatutária," conclui.
Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche
Welle
Foto de arquivo: Mário Pinto de
Andrade (dir.) com Samora Machel, Presidente de Moçambique (1984)
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