segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Isabel dos Santos: "Império" empresarial em Portugal em risco?


À luz da ofensiva de combate à corrupção desencadeada por João Lourenço, é inevitável mexer nos interesses de Isabel dos Santos em Portugal, dizem analistas. Prevê-se redução do poder da empresária angolana em Portugal.

Quando em 2014 Francisco Louçã publicou o livro "Os Donos Angolanos de Portugal", em coautoria com Jorge Costa e João Teixeira Lopes, era muito significativo o poder e a influência do capital angolano. Estavam em foco as relações dos grupos económicos portugueses com o então regime de José Eduardo dos Santos.

Hoje, o economista, que já foi líder do Bloco de Esquerda, considera que a figura de Isabel dos Santos perdeu relevância, não tanto em Portugal, mas certamente em Angola. Tanto por ter sido afastada da administração da Sonangol como pelo facto de a própria família ter, atualmente, um peso económico e político bastante menor.

"Ela tem um investimento significativo em Portugal, tanto no BCP como na EFACEC, entre outros setores, e isso creio que continuará. Qual a estratégia que ela vai seguir no futuro não sabemos e é muito importante que haja alguma definição, mas os empresários portugueses, angolanos, chineses ou norte-americanos têm que cumprir as mesmas regras", disse Francisco Louçã à DW África.

Fim dos "anos de glória"

Passados os anos de glória do investimento angolano em Portugal, o Presidente de Angola, João Lourenço, quer limitar os poderes de Isabel dos Santos, principalmente na petrolífera portuguesa Galp e na EFACEC. 

De acordo com a última edição do semanário português Expresso, João Lourenço tem uma estratégia que visa destroçar financeiramente a "mulher mais rica de África". A questão que os observadores levantam é se Isabel dos Santos conseguirá manter o seu império empresarial em Portugal?  

Para o jornalista angolano Armindo Laureano, a saída da Sonangol foi o ponto de partida para a perda da "ascensão que tinha". "E agora começam a aparecer estes casos da notícia que fala da delimitação do seu poder em Portugal. Porque o Estado angolano começa a agir, nomeadamente nos negócios que tinha com ela a nível da Galp. Até há a notícia de que a Sonangol exige a devolução de 70 milhões de dólares. Isso já foi comunicado e até advogados da Sonangol já contactaram os advogados de Isabel dos Santos para a devolução dos dividendos da Galp", conta o jornalista.

Poderes reduzidos

Armindo Laureano não tem dúvidas que a redução dos poderes da filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos em Portugal começa a ser uma evidência.

"Durante muito tempo, Isabel dos Santos foi vista como a afirmação empresarial angolana no exterior, nomeadamente em Portugal. Era ela que aparecia à frente dos grandes negócios. Creio que, nos próximos anos, os cifrões, os zeros vão começar a diminuir nas contas de Isabel dos Santos", disse.

O jornalista sublinha que não se trata de uma ação pessoal de João Lourenço contra Isabel dos Santos. Trata-se, sim, de uma estratégia do Executivo angolano visando acabar com certos grupos dominantes. "Isabel dos Santos estava à frente de muitos interesses corporativos ou de grupos", esclareceu.

"A própria entrada dela como presidente do Conselho de Administração da Sonangol foi um bocado para proteger certos interesses seus, pessoais e até de grupos. E isso começou-se a ver mesmo a nível daquilo que é a Unitel e depois em relação ao próprio negócio da Galp", acrescentou Armindo Laureano.

Nesta ofensiva contra a corrupção em Angola, é inevitável mexer nos interesses de Isabel dos Santos, afirma João Paulo Batalha, presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade Portugal (TIAC).

"Justamente porque os grandes investimentos que Isabel dos Santos fez em Portugal ao longo dos últimos anos foram feitos sob uma suspeita basilar sobre a origem do dinheiro que ela trouxe para Portugal. Portanto, muitos dos investimentos, nomeadamente na Galp, mas, enfim, em todos os outros, foram feitos ou com empréstimos de empresas públicas angolanas ou com capital adquirido através dos negócios de favor que ela fez com o Estado angolano", explica à DW África.

"Por isso, todo o império de Isabel dos Santos, numa lógica de transparência e de combate à corrupção, fica posto em causa, incluindo as ramificações desse império em Portugal", acrescentou João Paulo Batalha.

Portugal vai sentir consequências

O presidente da TIAC reconhece que as medidas que o Presidente João Lourenço têm vindo a tomar para esclarecer a origem da fortuna de Isabel dos Santos também terão implicações em Portugal.

"Deve ser um aviso para as autoridades portuguesas, quer as autoridades judiciais quer as autoridades políticas, para, no momento em que querem inaugurar uma nova fase de boas relações com Angola, fazermos nós próprios, aqui em Portugal essa investigação à origem dos capitais e à lisura dos negócios de Isabel dos Santos para que possamos assistir o Estado angolano numa potencial reversão de capitais de Isabel dos Santos para o Estado angolano. Porque, verdadeiramente, o dinheiro que ela tem trazido para Portugal é dinheiro que pertence ao povo angolano", lembra.

João Paulo Batalha acrescenta que o poder político em Portugal sempre teve "uma relação oportunista" com Angola, privilegiando ligações com a elite angolana, independentemente, de considerações sobre corrupção ou abusos dos Direitos Humanos.

Isabel dos Santos, que terá viajado para Portugal, foi já notificada pela Procuradoria-Geral da República de Angola. 

"Há uma pressão que vem de vários lados", refere Armindo Laureano, para quem o corte do ponto de vista empresarial,  por um lado, e, por outro, a ação por parte da justiça, põem em perigo o futuro do império da "mulher mais rica de África". 

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

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