Martinho Júnior | Luanda
Na ordem capitalista de cultura
anglo-saxónica iniciada com a Revolução Industrial, a mais-valia escravocrata e
colonial em África tornou-se roubo, delapidação e opressão sem limites, em
muitos casos traduzidos nos primeiros grandes genocídios que se reflectem até
hoje nas tão fragilizadas quão vulnerabilizadas sociedades africanas, num
processo histórico sem descolonização mental, cuja esteira tem por isso mesmo
favorecido, sem remissão e no superlativo, os procedimentos característicos do
capitalismo financeiro transnacional pintados de “globalização”!
1- A União Europeia e os
principais estados seus mentores, casos da Alemanha, da França, da Itália, ou
ainda da Espanha, em relação a África (mas também Oriente Médio e América Latina),
tornaram-se factores instrumentais exímios ao serviço do império da hegemonia
unipolar, no que diz respeito à hipocrisia e cinismo constantemente utilizados
pelos interesses de suas oligarquias vassalas da aristocracia financeira
mundial.
É intrínseco, à “civilização
cristã ocidental”, de há séculos até hoje, mas agora com a agravante das “presstitutes” se
terem tornado dominantes!
Todos os outros estados europeus
filiados na União Europeia, potências coloniais ou não, têm seguido os
mesmíssimos critérios por arrasto ou diligentemente, por que por outro lado são
membros da NATO, onde para o efeito estão“amarrados curto” aos interesses
dominantes e suas estratégias de guerra psicológica, de ingerência, de
subversão e de manipulação.
De facto isso tem ocorrido de
forma mais evidente quando entrou em colapso o campo socialista, não por que
ele demonstrasse ser inviável, mas por que os dirigentes que foram alcançando o
poder neles, não souberam com responsabilidade, coerência e dignidade, cultivar
o legado ao nível da clarividência, rigor e honestidade intelectual e humana de
Marx, Engels, Lénine e Stalin.
Essa conclusão teve-a Cuba
Revolucionária, teve-a o Comandante Che Guevara, teve-a o Comandante Fidel, por
que por experiência foi cultivada a sensibilidade de perceber em primeira mão e
com sentido crítico, quanto a corrupção das elites sócio-politicas a coberto do
poder, se tornou no cenário onde os actores se transformaram em marionetes
disponíveis e úteis para a subversão do próprio socialismo.
2- Na então colónia alemã do
Sudoeste Africano, hoje estado independente da Namíbia, no princípio do século
XX o poder colonial provocou o genocídio dos hereros e namas numa escala que
seria o precedente para outras ampliadas iniciativas que se lhes vieram a
suceder, quer na Namíbia ocupada pelo “apartheid”, quer no próprio
continente europeu.
O massacre de Cassinga a 4 de
Maio de 1978, dentro do território angolano e contra um campo de refugiados
identificados com a SWAPO, é outro episódio dessa mesma inequívoca evidência,
ignóbil e racista.
A Namíbia foi, no princípio do
século XX, um laboratório ensanguentado que só se tornou conhecido por via da
luta de libertação contra o colonialismo e o “apartheid”, ele próprio uma
deriva da radicalização de processos intrínsecos às culturas anglo-saxónicas e
sua desumanidade para com África!
Um século depois, por estes dias,
a Alemanha reconhece a responsabilidade histórica desse genocídio, entrega as
ossadas de alguns hereros e namas que terão morrido na Alemanha por via das
experiências racistas indexadas ao surgimento do próprio nazismo, mas recusa-se
a pagar qualquer indemnização às comunidades afectadas da Namíbia que, também
por efeito das chacinas de então, são hoje minoritárias e reduzidas a umas
escassas dezenas de milhares de pessoas…
3- Sintomaticamente, ao serviço
do interesse do capitalismo financeiro transnacional, os agentes do
imperialismo da hegemonia unipolar promovem revoluções coloridas e primaveras
árabes, disseminando caos, terrorismo e todo o tipo de divisões e balcanizações
em países alvo como a Jugoslávia, a Geórgia, o Iraque, a Líbia, a Síria, a
Ucrânia entre tantos outros, a ponto de serem assassinados os que encontraram
pelo caminho e não se vergaram ao seu bárbaro“diktat”!
Com o ataque dos Estados Unidos,
da Grã-Bretanha, da França e da Itália à Líbia em 2011, todo o continente
africano foi afectado, em especial os fragilizados e extremamente vulneráveis
estados da África do Oeste e do Sahel, grande parte deles integrantes do “pré
carré” do “FrançAfrique”!
Não só os jihadistas financiados
pelos circuitos dos Irmãos Muçulmanos se espalharam até ao lago Chade, Grandes
Lagos e Bacia do Congo, como também o caso do colonialismo marroquino no Sahara
ganhou novo fôlego, com o prémio concedido a Marrocos no sentido de se candidatar
a tornar na “correia de transmissão” dos investimentos europeus em
direcção a África, a pretexto duma crise de refugiados que tem tudo a ver com a
desarticulação induzida na Líbia, na África do Oeste e no Sahel, facto que
nenhum estado europeu assume enquanto protagonista causador da hecatombe, da
devassa, do caos e do terrorismo!
A hipocrisia e o cinismo de sua
presença militar em África, “ajudando na conquista da paz” face ao
caos, ao terrorismo e às desarticulações que eles próprios contribuíram para
semear, é uma ensanguentada coroa das suas doutrinas que alegam ser próprias
da “civilização cristã ocidental”!
4- De hipocrisia em hipocrisia,
de cinismo em cinismo, aqueles estados que de algum modo assumem
responsabilidades históricas como Cuba em relação a África, ou a Venezuela
Socialista e Bolivariana não só em relação a África, mas sobretudo em relação
aos fragilizados e vulnerabilizados estados insulares membros do CARICOM,
surgidos das trevas da escravatura e do colonialismo, são vilipendiados nos
seus propósitos e subvertidas suas intenções e acções em prol da humanidade!
Estado europeu algum reconhece
que é legítima a exigência de compensações aos membros do CARICOM, como é
legítima a exigência das minorias hereros e namas da Namíbia, algo que acontece
por que a Alemanha desempenha o papel de um dos principais protagonistas da
União Europeia e por tabela do relacionamento da Europa para com África, por
tabela para com a América Latina.
Assim como de hipocrisia em
hipocrisia, de cinismo em cinismo, os relacionamentos da União Europeia para
com outros continentes continuam a ser de velhos suseranos para com servos da
gleba, nem que para tal se continue com a barbaridade da metralha, ganham
espaço no continente europeu doutrinas, filosofias e ideologias racistas,
xenófobas e fascistas, que em tudo têm a ver com o passado de trevas que
alimentou escravatura, colonialismo e nazismo!
Essas correntes têm um peso
específico já de tal ordem, que simples operações humanitárias no Mediterrâneo
como a do navio “Aquarius”, interpretando justamente direitos humanos
fastidiosamente pré-anunciados, têm cada vez mais obstáculos à sua
continuidade!
Em África, os agenciamentos de
ocasião levam a que elites corruptas assumam a responsabilidade de fazer o jeito
aos suseranos e, como induzidas marionetes do tempo de Jacques Foccard,
aceitarem tudo de-ânimo-leve, inclusive a sua própria corrupção e a
reintegração de Marrocos na União Africana, mantendo indefinidamente suspensa a
legítima descolonização do Sahara!
O colonialismo ainda não é um
longínquo resíduo em África, por que uma parte importante das elites africanas
estão longe de assumir a descolonização mental!
Assim, como os crimes compensam,
em nome da justiça social, em nome de equilíbrios globais inadiáveis, em nome
do imenso respeito devido ao planeta, em nome de relacionamentos saudáveis,
emergentes e multipolares, em nome de toda a humanidade, história alguma,
alguma vez os poderá absolver!
Martinho Júnior - Luanda, 27 de Setembro de 2018
Imagens:
-Cerimónia, na Alemanha, da
trasladação de restos mortais de namibianos (hereros e namas) para a Namíbia;
-Prisioneiros hereros e namas no
início do século XX, por altura do seu genocídio;
-Crânio dum namibiano que terá
servido de estudo na Alemanha, aos “cientistas” do racismo e da
xenofobia;
-Vala comum onde foram enterrados
os corpos das vítimas do massacre de Cassinga;
-Cerimónia, na Alemanha, da
trasladação de restos mortais de namibianos (hereros e namas) para a Namíbia.
Anteriores sobre o tema da
autoria de Martinho Júnior:
-IMENSAS RAZÕES PARA OS IMENSOS
RESGATES QUE HÁ QUE REALIZAR!... – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/06/imensas-razoes-para-os-imensos-resgates.htm
-CASSINGA, OU UM ABISMO ENTRE
CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE – http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/05/cassinga-ou-um-abismo-entre-civilizacao.html;
-OS PUNHAIS SANGRENTOS DE TROTTA E
VORSTER – http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/05/os-punhais-sangrentos-de-trotta-e.html;
-UM ANIVERSÁRIO QUE DEVERIA SER
COMEMORADO POR TODA A HUMANIDADE! – http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/05/um-aniversario-que-deveria-ser.html;
-VITÓRIA ESTRATÉGICA PARA TODA A
HUMANIDADE! – http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/05/vitoria-estrategica-para-toda-humanidade.html
Outras consultas:
-Debate aceso na Namíbia, silêncio
na Alemanha – http://paginaglobal.blogspot.com/2018/05/genocidio-debate-aceso-na-namibia.html;
-Genocidio en Namibia: Alemania
devuelve restos de víctimas usados para 'experimentos raciales' – https://actualidad.rt.com/actualidad/287718-genocidio-namibia-alemania-restos-experimentos-raciales;
-Cassinga: la historia de Cuba en
África – http://www.radiorebelde.cu/noticia/cassinga-historia-cuba-africa-20180504/;
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