sábado, 20 de outubro de 2018

O Brasil e as fontes do mal


Pedro Lains | Diário de Notícias | opinião

O populismo de direita está em ascensão, na Europa, na Ásia e nas Américas, podendo agora vencer a presidência do Brasil. Como se explica esta tendência preocupante? A resposta pode estar na procura de padrões comuns, exercício que infelizmente ganha profundidade com o crescente número de países envolvidos. A conclusão é que os pontos comuns não se encontram na aversão à globalização, à imigração ou à corrupção política, mas sim numa nova era de campanhas eleitorais que os políticos democráticos não estão a conseguir acompanhar, ao contrário de interesses políticos e económicos de tendências não democráticas. A solução não é fácil, mas tudo é mais difícil se não forem identificadas as verdadeiras fontes. É isso que devemos procurar fazer.

Nesta paradoxal era de expansão da democracia, as forças populistas de direita têm conseguido poder pelo voto, através de campanhas bem organizadas. Não é a primeira vez que tal acontece na história moderna, mas o número e a diversidade de países atingidos é inédito.

Perceber um fenómeno global como este implica procurar causas comuns. As causas podem ser diferentes de caso para caso, mas as mais fortes, as que dão a chave da resposta, serão sempre as causas comuns ao maior número de casos, se não a todos os casos.

Na Europa, o populismo de direita governa a Polónia, a Hungria e a Itália, e ameaça a Alemanha e a França. No Reino Unido, o brexit é também filho dessa vaga. A leitura destes casos levaria a concluir que as origens do populismo estão no impacto da globalização e no medo da imigração. Essa mesma conclusão seria confirmada pela vitória de Trump nos Estados Unidos. Todavia, temos de ter em atenção o facto de a Polónia ou a Alemanha serem países que globalmente ganharam com a globalização, dada a capacidade exportadora. Assim, desde já, sem sairmos da Europa, ficamos reduzidos a uma só causa comum, a imigração.

Todavia, ao viajarmos para a Ásia, com o caso das Filipinas, ou para a América do Sul, com o Brasil, claramente a imigração sai da lista das causas comuns, assim como, digamo-lo enfaticamente, a globalização. Na verdade, o Brasil tem menos de 0,5% de imigrantes residentes, e é das economias que mais têm ganho com a expansão global, sobretudo através de uma impressionante resposta das exportações agrícolas.

A corrupção, outra causa muitas vezes invocada, também não passa o teste de entrada na lista das causas comuns, uma vez que o conjunto de países ameaçados pelo populismo de direita inclui a Alemanha, o Reino Unido e a França, onde a corrupção, em termos absolutos, tem expressão mínima. A insatisfação com os partidos do "sistema" não é uma causa, é um sintoma e a acusação aos movimentos alternativos, ao chamado "politicamente correcto", nem sequer merece ser mencionada.

Se o fenómeno é global ou aceitamos que não pode ser cabalmente explicado, ou que as causas também têm de ser globais. Restam assim duas.

Na falta de poder militar, a Rússia de Putin tem procurado influenciar a política mundial através de campanhas nas redes sociais, em particular no Facebook, como aconteceu nos Estados Unidos e em outras partes. Forças políticas internas usam estratégia semelhante, contratando empresas como a Cambridge Analytica, cuja actuação foi detectada nas campanhas de Trump e do brexit, e na Índia, no Bangladesh e no Sri Lanka. Problema semelhante se coloca no Brasil, através do WhatsApp. As campanhas populistas de direita são também largamente apoiadas por televisões e jornais, como a Fox News, com Trump, a Sky News e um número considerável de tablóides, com o brexit, ou a Record, com Bolsonaro.

A causa comum global da ascensão do populismo de direita deve ser procurada nas campanhas eleitorais orquestradas e sem escrúpulos. São campanhas que navegam sobre ondas de insatisfação, mas são elas, as campanhas, que definem o modo de contestação. O populismo não passa de uma arma política nas mãos de agentes que não hesitam em utilizá-lo. É isso que marca a diferença e é para isso que devemos encontrar soluções.

A insatisfação popular sempre existiu, sempre existirá e é saudável. O que é novo é o sucesso com que a insatisfação é usada em campanhas sem escrúpulos por agentes não democráticos. O futuro da força da democracia depende da atenção que for dada às novas formas de fazer campanhas. O resto pode ser mera distracção.

*Economista. Escreve quinzenalmente e de acordo com a antiga ortografia

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