Ferreira Fernandes | Diário de
Notícias | opinião
Quando a transparência é
demasiada o pobre do cidadão desconfia... A frase não é essa? Pois devia ser.
Infelizmente, Portugal tornou-se o mais límpido e transparente país da União
Europeia e arredores. Uma juíza interroga um suspeito de um crime e, logo, a
gravação do interrogatório passa e repassa nas televisões. Maior transparência
não podia haver... Infelizmente.
Repito, é mau. E infelizmente o
erro disso tem de ser explicado. Como se fosse necessário explicar - mas é! -
que não se pode filmar um detido durante um interrogatório e pespegar a sua
cara, as evasivas, as hesitações e o medo, expostos nas televisões. Só hoje,
três anos depois, Miguel Macedo viu um tribunal reconhecer que a justiça não
podia abusar dele como o foi. Então, expliquemos como essa precedente
indecência - acontecida porque cometida a um ex-ministro (como se contra os
poderosos tudo fosse permitido) - levou ao espanto de ontem.
António Joaquim é suspeito no caso
do assassínio do triatleta Luís Grilo. A mulher de Luís, Rosa, é também
suspeita e, tal como António Joaquim, está igualmente detida. O processo está
em inquérito e os interrogatórios dos arguidos estão sob segredo de justiça
para garantir sucesso na procura de provas. Quer dizer, por exemplo, o que um
detido diz não deve ser do conhecimento dos eventuais cúmplices. Já todos vimos
filmes e séries de televisão para saber como isso se passa: da contradição
entre coarguidos conseguem-se firmes sentenças.
Mas isso é lá fora. Por cá, os
interrogatórios na investigação são a Casa dos Segredos onde as palavras de um
arguido transformam um interrogatório na mais famosa casa do país. Ontem, dizia
António Joaquim à juíza: "Senhora doutora, confesso que pergunto aos
senhores guardas o que se diz lá fora". Ingénuo suspeito! O que se diz lá
fora é o que ele diz à juíza. E o que ele diz à juíza logo vai chegar à sua
coarguida, que está tão dentro como ele e devia ignorar, nesta fase do
processo, o que ele diz dela. E, sejam ambos culpados ou inocentes, a obtenção
de provas acabou de se tornar mais difícil.
Resumindo o óbvio: o lugar
próprio da justiça não é em comício televisivo. A justiça é para defender o
direito dos cidadãos (mesmo quando são arguidos, como o ex-ministro Miguel
Macedo) e para perseguir os crimes (como o assassínio de Luís Grilo). Os
justiceiros populares são maus porque violam os direitos dos cidadãos e
dificultam os crimes de serem desvendados. E acresce esta culpa: são
publicidade enganosa. Dizem que nos informam mas são tão fúteis como Teresa
Guilherme e mil vezes mais perigosos.
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