quarta-feira, 17 de outubro de 2018

RENAMO precisava de "preparação mais séria" para fiscalizar autárquicas


Dentro da RENAMO, há quem questione o nível de preparação do próprio partido nas eleições de 10 de outubro. António Chichone, membro do partido na diáspora, diz que faltou mais organização para evitar a fraude.

António Chicone, membro do maior partido da oposição moçambicana na diáspora, a residir em Portugal, considera que a RENAMO deveria, por exemplo, ter apresentado os seus resultados paralelos da contagem dos votos imediatamente, como forma de travar a fraude eleitoral nas eleições de 10 de outubro.

Em entrevista à DW África, o membro da RENAMO entende que há conformismo em relação aos alegados ilícitos eleitorais.

DW África: Como avalia o processo de votação em Moçambique?

António Chichone (AC): Várias críticas. É preciso frisar que tudo começou no ato da votação. Ocorreram vários ilícitos que foram sendo denunciados por populares, membros e fiscais dos partidos. O processo em si, no geral, foi uma fraude de um descaramento total. É importante também realçar que isto poderia ter sido evitado, na minha óptica, se a denúncia fosse feita consoante a apresentação de elementos por parte dos fiscais. As pessoas iam denunciando que estavam a circular camiões, editais, que havia movimentação de pessoas de um lado para o outro com a intenção de votar e a própria CNE e o STAE são cúmplices desse processo todo. Falhou, num geral, mais pressão, mais fiscalização séria e cerrada deste processo todo.

DW África: Como membro da RENAMO, acha que o seu partido estava devidamente preparado para este processo? Não falhou em nada?

AC: O partido, segundo as informações que tenho, prepara-se como os outros partidos neste processo. Creio que toda a preparação tem de ser cuidada. Agora, até que nível o partido se preparou nesse aspecto? Deixo aqui as minhas dúvidas. Podia ser uma preparação mais séria. Note-se, por exemplo, a contagem paralela: na minha opinião, deviam ser logo apresentados os resultados paralelos, caso houvesse dúvidas. A CNE, até aqui, apresentou os seus resultados adulterados e ainda não há uma resposta em termos do que é o resultado verdadeiro. Quando falo de preparação, é neste sentido. A RENAMO devia ter um resultado muito bom se estivesse muito preparada em termos de organização. Faltou uma organização a 100% para que a questão da fraude não fosse efetivada.

As coisas estão a andar naturalmente e há um conformismo nesse sentido: 'está feito, está feito, deixa estar assim'. A população que defendeu a RENAMO, votou na RENAMO, que andou em massa a fazer campanha durante os quinze dias, sem transportes, sem meios, fica sem resposta. Não estou a dizer que devia ser uma resposta em termos de violência, mas convocar a comunidade internacional, apresentar evidências, no sentido de dizer que houve violações e editais adulterados.

DW África: Fez referência ao eleitorado da RENAMO. Há relatos de que alguns destes eleitores atacaram alguns cabeças de lista na província de Cabo Delgado na sequência de resultados que indicam a derrota da RENAMO em alguns municípios. Como vê essa reação?

AC: É indignação frustrada, porque votaram na RENAMO e percebem que o partido, efetivamente, ganhou. Muitos estão a entender aquela lógica do presidente [Afonso] Dhlakama, quando dizia 'a RENAMO está sendo roubada', as pessoas agora estão a entender. O povo, sentindo isso, reagiu – porque são eleições locais. Agiram violentamente, mas não porque a RENAMO determinou.

DW África: As organizações da sociedade civil e indivíduos é que têm reportado a maior parte dos ilícitos eleitorais. Dos observadores internacionais que estiveram no país, há pareceres positivos, como é o caso da CPLP, por exemplo. Como é que vê o trabalho dos observadores?

AC: Apesar do Acordo Geral de Paz ter como uma das exigências as eleições livres, justas e transparentes, não há, neste momento, quem possa dizer ‘sim, as eleições em Moçambique foram livres'. Há aquilo a que chamamos de interesses económicos da comunidade internacional que, muitas vezes, validam as eleições. Isto não poderia acontecer. Com uma pequena suspeita nos Estados Unidos ou na Europa, as eleições seriam anuladas. Acho que deve haver uma recontagem dos votos quando há suspeita.

DW África: Comparando com os anteriores processos eleitorais, acha que a RENAMO evoluiu em termos de fiscalização, agilidade e empenho no processo de votação?

AC: Sem sombra de dúvida, há uma evolução muito importante. Isto mostra que há um crescimento. Se a RENAMO não tivesse uma organização a esse respeito, as eleições autárquicas seriam uma catástrofe. Mas há que evoluir ainda mais. Os partidos devem fazer uma formação contínua, não apenas esperar pelos momentos eleitorais e, na véspera, fazer formação de fiscais. Com dados concretos, para que a comunidade internacional seja posta em causa nas suas análises. Até agora, isto não está a acontecer. Por isso, depois de fazerem a sua observação, os observadores dão pareceres que não são justos.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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