Mariana Mortágua | Jornal de Notícias
| opinião
Foi durante a Comissão de
Inquérito ao BES que Luís Horta e Costa, antigo administrador da ESCOM,
explicou o paradeiro da comissão de €27 milhões que a sua empresa recebeu por
ter sido intermediária na compra de dois submarinos pelo Estado português. Sabia-se
que 5 milhões tinham sido entregues à família Espírito Santo e 16 milhões aos
administradores da própria ESCOM. Foi com espanto que a Comissão ouviu de Horta
e Costa que os outros 6 milhões tinham sido "investidos" a montar um
esquema de ocultação e fuga ao Fisco, que envolvia fundos e contas bancárias
offshore para todos os gostos. Faltava então saber como voltou o dinheiro a
Portugal. Horta e Costa explicou: "Há uma lei aprovada aqui na Assembleia
da República, e foi essa que a gente aproveitou".
A lei que permitiu ao clã
Espírito Santo repatriar o seu capital sem outras consequências, a troco de uma
pequena taxa de imposto, foi o Regime Especial de Regularização Tributária -
RERT I, aprovado em 2005 pelo PS. Depois disso, não só Salgado como muitas outras
personalidades e empresas puderam branquear as suas práticas de fraude e fuga
ao Fisco através de mais dois RERT, um em 2010 e outro em 2012. Este último,
aprovado já no tempo de Passos Coelho, foi o mais bem-sucedido. Pelo pagamento
de uma modesta taxa de 7,5%, foi possível amnistiar 3445 milhões de euros, sem
que sequer fosse exigida a repatriação desse dinheiro.
Por conta destes RERT o Estado
perdoou mais de 3 mil milhões de euros relativos a mais de 7 mil milhões, cujos
detentores foram amnistiados dos seus crimes e fraudes. Como se isto não fosse
chocante e perverso quanto baste, quem fez estas leis delegou no sistema
financeiro a responsabilidade de certificar os clientes que acederam a estas
amnistias, e no Banco Portugal as funções de guardião da informação. O que é
que isto quer dizer na prática? Quer dizer que a Autoridade Tributária (AT) não
tem como investigar estas pessoas e empresas.
Quem usou um RERT poderá sempre
usar esse certificado como um salvo-conduto que impede o Fisco de investigar,
não só essa, mas outras operações não amnistiadas. O Fisco está de mãos atadas
e trabalha às escuras.
O Bloco votou contra todos os
RERT, criados pelas mãos, ora de PS, ora de PSD e CDS. Sabemos que dificilmente
se podem alterar leis do passado. Mas isso não quer dizer que pactuemos com o
regime de opacidade por elas criado. Porque não o queremos fazer apresentámos
uma proposta para que a AT possa deter e controlar a informação relativa aos
RERT, impedindo que estes sejam usados abusivamente para proteger outras
fraudes. É o mínimo da decência exigida por quem não se resigna à ideia de que
o crime compensa.
* Deputada do BE
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