sábado, 8 de dezembro de 2018

Governo de Israel é xenófobo e anti-semita

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em encontro com o ministro dos Negócios Estrangeiros austríaco, Sebastian Kurz, Setembro de 2018. Créditos/ Governo do Estado de Israel
José Goulão | AbrilAbril | opinião

Os governos da União Europeia acabam de tomar uma medida há muito pretendida por Israel, que é, no fundo, dificultar ou mesmo criminalizar, se necessário, as críticas contra o comportamento do regime sionista.

A partir de agora, na União Europeia, o título deste artigo pode ser considerado um crime ou, pelo menos, deve alertar «as autoridades policiais nos seus esforços para identificar e investigar ataques anti-semitas de maneira mais eficiente e eficaz». Quem o diz são os ministros da Administração Interna dos Estados membros, que assim pretendem calar as críticas a Israel, apagando de uma penada, com as suas assinaturas, as chacinas em Gaza, a ocupação ilegal dos territórios palestinianos e de parte da Síria, a colonização da Cisjordânia e de Jerusalém Leste, violando as leis internacionais, a tortura, as execuções extra-judiciais e o racismo que são práticas comuns do regime sionista.

Não menos importante é o facto de a decisão pretender impedir a denúncia de um dos aspectos mais insólitos do comportamento dos governos de Israel ao aplicarem, na prática, aquilo que consideram ser a teoria sionista: o carácter xenófobo e anti-semita das políticas israelitas dominantes.

Os governos da União Europeia acabam de tomar uma medida há muito pretendida por Israel, que é, no fundo, dificultar ou mesmo criminalizar, se necessário, as críticas contra o comportamento do regime sionista, que pretende, abusivamente, representar os judeus de todo o mundo; e que se esforça – agora com êxito – para que as críticas ao sionismo sejam consideradas manifestação de anti-semitismo. Os governos da União não apenas instauram uma censura para proteger Israel como faltam ao respeito aos judeus que não são sionistas, ou mesmo aos judeus que, sendo sionistas, não se revêem nas práticas do governo israelita. Como, por exemplo, 34 historiadores judeus das Universidades de Yale (Estados Unidos) e Telavive que, em carta aberta, advertem que uma medida como a da União Europeia pode «dar imunidade a Israel contra as críticas por violações graves e generalizadas dos direitos humanos e do direito internacional» e «tem um efeito negativo sobre qualquer crítica a Israel». Na óptica dos governos europeus, os autores destas linhas são anti-semitas, mesmo sendo judeus.

Um processo xenófobo

A aberração nasce de um processo ferido à partida, contaminado por preconceitos xenófobos e anti-semitas.

A decisão dos ministros dos ministros da Administração Interna da União significa que assumem como definição de anti-semitismo a que foi sentenciada pela Aliança Internacional para Recordação do Holocausto (AIRH), uma entidade inter-governamental sediada em Berlim a que a UE se juntou como parceira. Essa definição estabelece o seguinte: «Anti-semitismo é uma certa percepção dos judeus que pode expressar-se através de ódio contra os judeus». A definição é acompanhada por 11 exemplos de atitudes que, por esta lógica, são consideradas anti-semitas, das quais esta pode considerar-se muito ilustrativa: «Negar ao povo judeu o seu direito à autodeterminação, por exemplo alegando que a existência de um Estado de Israel tem implicações racistas».

A manipulação e os preconceitos xenófobos associados a este jogo de conceitos são notáveis.

Passemos por cima da generalização abusiva da identificação entre judeus e as vítimas do extermínio nazi latente no termo Holocausto, sabendo-se que não foram poucos os não-judeus entre os milhões que pereceram sacrificados pela máquina de matança de Hitler. É um fenómeno recorrente, ainda que deixe no ar uma imprecisão histórica.

Pelos caminhos do absurdo

A própria definição de anti-semitismo estabelecida pela AIRH, e assumida agora pela União Europeia, é xenófoba e anti-semita ao identificar abusivamente – de novo – o universo semita com o universo judeu. Existem outros povos semitas além dos judeus – os árabes e os berberes, por exemplo. A redução do anti-semitismo ao anti-judaísmo é elitista e selectiva, logo xenófoba. E as consequências práticas da definição adoptada pelos ministros europeus podem ser tão aberrantes como o próprio processo que a transformou num padrão. Por exemplo, a União Europeia poderá considerar como uma manifestação de anti-semitismo a denúncia das atrocidades cometidas pelo exército de Israel em Gaza e, ao mesmo tempo, ignorar o anti-semitismo contido em qualquer acto contra os imigrantes árabes na Europa.

Este exemplo é extensivo à maioria dos comportamentos dos governos de Israel em relação aos árabes – atitudes anti-semitas nuas e cruas. Desde a rejeição da autodeterminação dos palestinianos, à expulsão de centenas de milhares das suas terras, arrasando as suas casas, aldeias, vilas e cidades, passando pela humilhação quotidiana de que são vítimas os habitantes de Gaza, da Cisjordânia, de Jerusalém Leste, dos Montes Golã. Porém, segundo a filosofia assumida pela União Europeia, anti-semitismo é revelar as práticas violentas e arbitrárias dos ocupantes, a perseguição dos ocupados. Anti-semitismo, em suma, é lembrar que Israel se coloca à margem do direito internacional recusando-se a cumprir 40 resoluções do Conselho de Segurança e 100 decisões da Assembleia Geral da ONU.

Aliás, a definição assumida pela União Europeia pode levar-nos bastante mais longe pelos caminhos do absurdo. Um dos 11 exemplos de anti-semitismo citados pela AIRH é «negar a intencionalidade do genocídio do povo judeu às mãos da Alemanha Nacional-Socialista». Pelo que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, é um rematado anti-semita. Foi ele quem expôs a tese de que Hitler apenas queria expulsar os judeus da Alemanha e só optou pela matança depois de encorajado pelo Grande Mufti de Jerusalém, que lhe terá sugerido: «queime-os!».

Consta, porém, que a decisão assumida pelos ministros da Administração Interna da União Europeia não é vinculativa. E qual será o governo que se atreverá a não integrá-la no seu código de conduta? Olhem o que está a acontecer com o Partido Trabalhista britânico de Jeremy Corbyn, que teve a ousadia de não se identificar com quatro dos 11 exemplos da AIRH. Anti-semita será talvez o menor dos insultos com que vem sendo mimoseado pelas muitas antenas internas e externas de transmissão do sionismo internacional e do regime de Israel.

Lei racista e anti-semita

O momento escolhido pelos ministros da União Europeia para esta decisão sobre o anti-semitismo não poderia ser mais oportuno. Sucede à adopção pelo Estado de Israel de várias medidas que reforçam o seu carácter de entidade exclusiva de judeus, impondo assim um filtro étnico e racista a não-judeus, dos quais a maior parte dos atingidos são semitas.

A Lei do Estado Nação aprovada pelo Parlamento de Israel é o exemplo mais flagrante de imposição de um contexto anti-semita em sentido absoluto, não de acordo com a definição xenófoba adoptada pela AIRH. Estabelece que o Estado de Israel é de todos os judeus, vivendo ou não em Israel, e que os não-judeus nascidos na Palestina não poderão ser cidadãos israelitas. Como se não bastasse existir já um muro e muitas cercas de arame farpado separando fisicamente israelitas de palestinianos – todos semitas – foi agora construído o muro legislativo.

O governo austríaco, conhecido pelas intransigentes posições xenófobas e anti-semitas, porque é ferozmente contra os refugiados e imigrantes, especialmente árabes, foi quem tomou a iniciativa de elaborar o documento transformado em definição de anti-semitismo para vigorar na União Europeia. Por sinal um executivo de extrema-direita em que um dos parceiros da coligação, o Partido da Liberdade (FPO), é o herdeiro do partido fundado por Adolfo Hitler e que está actualmente de excelentes relações com o governo de Israel. Como diz o porta-voz do governo de Viena na União Europeia, «tenho a certeza de que o governo austríaco está totalmente comprometido ma luta contra o anti-semitismo; fomos nós que lançámos o processo que conduziu à declaração».

O caso austríaco não surge isoladamente, nem fora de contexto. O Estado de Israel é um dos grandes aliados do governo neonazi da Ucrânia nascido do golpe de Estado de 2014, em cujas operações de combate participaram elementos do exército israelita como irmãos de armas do grupo fascista Svoboda.

Associar o sionismo praticado pelo governo de Israel ao fascismo pode ser criminalizável, mas nem por isso deixa de ser uma realidade.

Estas ligações fazem, afinal, todo o sentido se tivermos em conta as relações fraternais entre as administrações Netanyahu e Trump com o objectivo comum de resolver de vez a questão palestiniana, recorrendo a todo o arsenal anti-semita que seja necessário.

A União Europeia limitou-se, afinal, a fazer o que é de sua natureza, seguir o rasto do eixo israelita-norte-americano. Consta, aliás, que o texto inicial para os ministros subscreverem era bastante mais aguerrido na criminalização do anti-semitismo, versão xenófoba, do que o conteúdo final.

O que vem provar, se ainda fosse necessário, que a intenção original da iniciativa é dificultar e penalizar as críticas ao Estado de Israel à medida que este vai agravando a violência e a marginalização de índole racista contra os palestinianos.

Os dirigentes europeus podem assim, em sã consciência, multiplicar acções, declarações, repressões, guerras contra alvos árabes. Afinal, nada disso é anti-semitismo.

Anti-semitismo, sim, é acusar o Estado de Israel de suprimir os direitos dos palestinianos, se for necessário retirando-lhes a vida. Os cidadãos da União Europeia que tenham tento no que dizem, escrevem, quiçá pensem, ou então que se cuidem…

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