sábado, 28 de abril de 2018

"O povo quer melhorias concretas em Angola", diz economista


A perspetiva económica em Angola melhorou devido à subida do preço do petróleo e o apoio do FMI, segundo a agência Fitch. Mas o povo ainda espera mudanças no país, diz um economista ouvido pela DW África.

A perspetiva económica de Angola passou de "negativa" para "estável". Quem diz isso é a agência de notação financeira Fitch, que, entretanto, manteve o rating da dívida angolana no nível "B", abaixo da escala de investimento. Entre os motivos para a nova perspetiva do país, apontou a Fitch, está o aumento do preço do petróleo no mercado internacional.

Para o economista angolano Yuri Quixina, professor de Macroeconomia do Instituto Superior Politécnico de Angola,  a perspetiva "estável" de Angola poderá atrair mais investimentos externos. Mas isto dependerá, também, de outros fatores, como a sustentabilidade da dívida pública e a transparência das contas do Estado, afirmou o economista.

Em entrevista à DW África, Quixina também falou do Plano de Reforma Estrutaral implementado pelo Governo, que terá o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI), e ressaltou que o povo angolano está à espera de melhorias concretas no país.
DW África: O que significa, de facto, essa mudança na perspetiva económica de Angola?

Yuri Quixina (YQ): Esta notação de perspetiva "estável", no meu entender, deriva mais da recuperação do barril de petróleo no mercado internacional. Se os preços continuarem a subir nessa trajetória de aumento, significa que futuramente as receitas do Estado podem aumentar e, naturalmente, Angola poderá honrar com os seus compromissos a nível internacional e pagar o endividamento externo através de divisas. Em segundo lugar, outro elemento que eu acho que a Fitch levou muito em consideração é a tentativa de implementação do Plano de Reforma Estrutural, que seguramente as autoridades estão a implementar. A equipa económica apresentou algumas derrapagens do ponto de vista da aplicação e só foram concluídas 37 das 144 medidas. E, com certeza, o Presidente da República achou melhor recorrer ao FMI para redesenhar o Plano de Reforma Estrutural. Entretanto, o facto de o FMI vir para Angola, isso também desperta segurança dos investidores a nível internacional. Portanto, esses três elementos são fundamentais para a que Fitch atribuísse uma perspetiva "estável".

DW África: Essa nova avaliação da economia seria um reflexo das políticas económicas que vem sendo aplicadas pelo Governo de João Lourenço. O cidadão comum já sente no dia a dia os resultados dessas novas políticas?

YQ: Seguramente os cidadãos sentem essas expetativas, se bem que, efetivamente, o povo quer mais, quer na prática, do ponto de vista do "pão na mesa". O primeiro trimestre já foi. Os indicadores, provavelmente, vão mostrar uma estagnação, a inflação ainda é considerável, o desemprego também é considerável, a pobreza continua extrema, a saúde... Já nem podemos mais falar sobre a saúde. Mas ainda é muito cedo. É uma economia que está muito bagunçada, mas a expetativa é alta.

DW África: Uma das justificativas para evolução do rating de Angola é a subida do preço do petróleo no mercado internacional, já que a matéria-prima ainda é responsáveis por mais de 90% das exportações angolanas. Mas essa dependência não será, na verdade, um risco?

YQ: Com certeza foi e continua a ser um risco. O petróleo fez ruir muito as equipas económicas que passaram na governação de Angola. Eu tenho dito que quem faz um país não é o Presidente da República, mas toda uma equipa. E as equipas criaram uma matriz económica virada para o consumo. Importávamos muitos produtos no mercado internacional, e quem importa muito, naturalmente, depois vai sofrer um revés quando não aumenta a base de exportação.

DW África: A elevada carga da dívida angolana é um dos fatores citados pela agência, que manteve o país na categoria de "lixo”, embora tenha passado para uma perspetiva "estável".  Como avalia a sustentabilidade da dívida de Angola?

YQ: A dívida angolana continua a aumentar, então vai gerar o aumento do imposto amanhã. E o imposto é também custo de produção, isso não atrai investimento estrangeiro, que procura um país cujo o pacto fiscal é mínimo. Então a dívida pública, no meu entender, é muito preocupante e pode contrair a atividade económica de Angola.

DW África: A oposição angolana já cobrou no Parlamento a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para analisar a dívida pública, mas sem sucesso. Acha que o Governo tem interesse em tornar as contas mais transparentes?

YQ: Se efetivamente queremos mudar de modelo económico, portanto, "abrir o livro", "abrir as portas", pode influenciar [positivamente] nos investimentos estrangeiros em Angola. Eu acho que este Presidente tem vontade em fazer com que Angola seja mais transparente.

Thiago Melo | Deutsche Welle

ANGOLA | Eduardo dos Santos deixa liderança do MPLA para João Lourenço em setembro


MPLA aprovou a realização de um congresso extraordinário na primeira quinzena de setembro deste ano e a candidatura de João Lourenço ao cargo de presidente do partido, ocupado desde 1979 por José Eduardo dos Santos.

A informação consta de uma nota enviada à agência Lusa pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), no poder desde 1975, a propósito da reunião desta sexta-feira do bureau político, orientada por José Eduardo dos Santos.

"O bureau político aprovou a proposta de resolução e o cronograma de preparação e realização do 6.º Congresso Extraordinário do partido, a ter lugar na primeira quinzena de setembro próximo e, consequentemente, aprovou a candidatura do camarada João Lourenço, atual vice-presidente, ao cargo de presidente do MPLA", lê-se na nota.

O bureau político do MPLA é o organismo permanente de direção do partido, que delibera no intervalo das reuniões do Comité Central, e realizou hoje, em Luanda, a sua 3.ª reunião ordinária, que segundo o partido foi orientada por José Eduardo dos Santos, na presença de João Lourenço, vice-presidente - chefe de Estado - e Paulo Kassoma, secretário-geral.

A 16 de março último, no discurso de abertura da 5.ª sessão ordinária do Comité Central do MPLA, realizado em Luanda, José Eduardo dos Santos, de 75 anos, propôs a realização de um congresso extraordinário para dezembro deste ano ou abril de 2019.

Preparação das eleições autárquicas 

Durante a intervenção, José Eduardo dos Santos, que foi chefe de Estado em Angola durante 38 anos e não concorreu às eleições gerais de agosto passado, recordou que se comprometeu a envolver-se pessoalmente no grupo de trabalho que ao longo de 2018 vai "preparar a estratégia" do MPLA para as primeiras eleições autárquicas em Angola.

"Assim, recomendo, por ser mais prudente, que a realização do congresso extraordinário do partido, que vai resolver a liderança do MPLA, seja em dezembro de 2018 ou abril de 2019", disse, sem adiantar mais pormenores sobre este processo.

Contudo, a proposta não terá merecido o consenso dos militantes, tendo o comunicado final da mesma reunião informado a realização, este ano, de duas reuniões de reflexão sobre a proposta apresentada, a primeira, em abril - realizada hoje -, pelo bureau político e a segunda, em maio, pelo Comité Central.

No dia seguinte, o porta-voz do MPLA, Norberto Garcia, chegou a negar que a proposta apresentada pelo líder do partido no poder em Angola, para a realização de um congresso extraordinário sobre a transição da liderança do partido, tivesse sido recusada.

Segundo o secretário para a Informação do bureau político do MPLA, não houve rejeição da proposta do líder, mas sim "um melhoramento" da mesma: "Estamos a evoluir positivamente, estamos a trabalhar com bastante harmonia e coesão, é evidente que há situações que, em sede das quais, poderá haver uma abordagem mais crítica, menos crítica, o que é normal, estamos em democracia e é isso que nós queremos, um partido cada vez mais democrático, cada vez mais aberto".

Bicefalia no MPLA

Nos últimos tempos têm crescido os comentários na sociedade angolana sobre a existência de uma suposta bicefalia entre o chefe de Estado angolano e vice-presidente do MPLA, João Lourenço, e o líder do partido, José Eduardo dos Santos, em que se incluem críticas internas sobre a situação.

José Eduardo dos Santos, líder do MPLA desde 1979, anunciou em 2016 que este ano deveria deixar a vida política ativa.

Agência Lusa, ar | Deutsche Welle

Reforma da Justiça em São Tomé e Príncipe avança para o Parlamento


A Ação Democrática Independente (ADI), no poder em São Tomé e Príncipe, e o Partido da Convergência Democrática (PCD), da oposição, chegaram a entendimento para o avanco da reforma da justiça. Referendo cai por terra.

O entendimento entre os dois partidos com assento parlamentar foi alcançado esta semana. O documento vai subir ao Parlamento em breve.

O projeto da reforma da justiça é uma iniciativa dos advogados Adelino Pereira, Celisa Deus Lima e Filinto Costa Alegre. Inconformados com o estado crítico da justiça em São Tomé e Príncipe, propõem, entre várias medidas, a criação de um Conselho Nacional da Justiça que deverá reorganizar o setor num período de cinco anos.

Para a aprovação do documento na Assembleia Nacional é necessária a maioria de dois terços, lembra o  líder parlamentar do PCD, Danilson Couto. "O projeto para ser submetido à mesa da assembleia tem que ter cinco assinaturas. Nós vamos indicar dois nomes e o ADI indicará necessariamente três", disse Danilo Couto.

Em entrevista à DW África, Danilson Couto explica que "a degradação da Justiça" foi a razão que levou o seu partido a viabilizar o projeto da reforma da justiça.

"Na verdade, o nosso país precisa de ir se actualizando, mas neste caso específico a justiça carece de uma atenção particular", lembra o deputado.

Memorando de desconfiança

Levy Nazaré, secretário-geral do partido no poder ADI, aplaude a iniciativa, mas desconfia da posição da bancada parlamentar do PCD, que tinha rejeitado a proposta quando foi apresentada.

"Nós olhamos com um sentimento de esperar para ver. Porque a ADI é o único partido que desde a primeira hora abraçou o porojeto Então, o PCD pode estar com algum receio do impacto negativo nos votos por não ter abraçado a reforma da justiça", diz Levy Nazaré.

Sem referendo

O consenso alcançado entre duas forças políticas deixa cair por terra a ideia de realizar um referendo, cuja decisão caberia ao Governo. A ida de magistrados estrangeiros ao arquipélago lusófono por um período de cinco anos para reorganizar o sistema era o ponto da discórdia.

Danilson Couto faz outra leitura sobre este ponto. "É importante que também se tenha em conta o que é de mais importante, que é o princípio de separação de poderes. Nós, enquanto legisladores, temos a obrigação de melhorar a justiça, mas é imperativo que se tenha em conta este princípio, que é universal, de separação dos poderes. Sempre que este princípio for acautelado estamos prontos para avançar em prol de melhores dias para os são-tomenses", assegura.

A ADI, através do seu secretário-geral Levy Nazaré, fez saber que o Governo decidiu avançar com o seu projeto de reforma. "A nossa reforma não vai parar, isso tem que ficar claro, nós vamos avançar porque uma coisa não choca com a outra", alertou o número dois do partido no poder.

Ramusel Graça | Deutsche Welle

Na foto: Palácio da Justiça de São Tomé

UE preparada para colaborar com a Guiné-Bissau


União Europeia diz estar pronta a auxiliar autoridades na realização de legislativas "transparentes e inclusivas", em novembro. Novo Governo inclusivo foi empossado esta semana após três anos de instabilidade política.

A União Europeia (UE) referiu este sábado (28.04) estar "pronta" para colaborar com a Guiné-Bissau na organização das eleições legislativas "transparentes e inclusivas".

Num comunicado divulgado à imprensa, a porta-voz da representante para a Política Externa da UE, Federica Mogherini, diz que a nomeação de um Governo inclusivo e de um primeiro-ministro de consenso "são passos importantes para o restabelecimento do normal funcionamento das instituições".

"Encorajamos todas as partes a comprometerem-se com a nova oportunidade para a recuperação da normalidade democrática, do Estado de Direito e da estabilidade institucional", refere.

Para a UE, é a "hora de consolidar o progresso político e institucional, ter um programa e orçamento para o Governo apresentado e debatido na Assembleia Nacional Popular e iniciar os preparativos para as eleições legislativas", que serão realizadas em 18 de novembro.

A União Europeia também destacou os esforços da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) para ultrapassar o impasse político que durava quase três anos.

O consenso político foi alcançado entre os dois principais partidos, o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e o Partido da Renovação Social (PRS), depois de intensas negociações promovidas pela CEDEAO.

Mensagem positiva aos guineenses

O novo Governo de inclusão da Guiné-Bissau tomou posse  na última quinta-feira (26.04) com o principal objetivo de organizar as eleições legislativas. A nova equipa governamental é liderada pelo primeiro-ministro, Aristides Gomes, que prometeu cumprir de forma escrupulosa o Acordo de Conacri.

Ao empossar os 26 membros do novo Governo, o Presidente guineense, José Mário Vaz, afirmou que os atores políticos guineenses deram um sinal claro de que ainda querem salvar esta legislatura e renovar a confiança e a esperança da população.

"Com o primeiro-ministro de consenso e o Governo de inclusão, demonstramos ao mundo que somos capazes de respeitar os esforços de ajuda de vários intervenientes e aconselhamentos de amigos da Guiné-Bissau", afirmou José Mário Vaz. "Por isso, considero hoje um dia especial para a Guiné-Bissau e para os guineenses, os irmãos voltaram a dar as mãos e deixaram de lado as diferenças do passado."

O chefe de Estado salientou ainda que a "confiança" depositada no Governo deve ser encarada como "uma missão de trabalho e de resultados concretos".

kg, Agência Lusa | Deutsche Welle

GUINÉ-BISSAU | Empossado novo Governo


Chefe de Estado guineense empossou os 26 membros do novo Governo que resultou de um consenso político alcançado entre os dois principais partidos, o PAIGC e o PRS, depois de intensas negociações promovidas pela CEDEAO.

Na cerimónia de tomada de posse do novo Executivo da Guiné-Bissau, o Presidente guineense, José Mário Vaz, disse que se fez história no país com o fim da legislatura, a 23 de abril, sem interrupções, sem mortes, sem violência, sem golpe de Estado e sem lágrimas daqueles que outrora sofreram e viveram sobressaltados, com noites longas e incertezas do dia seguinte.

Perante os membros do novo Governo, representantes da comunidade internacional e dos orgãos da soberania, para além de vários políticos guineenses, José Mário Vaz afirmou que com o consenso alcançado, os atores políticos guineenses deram um sinal claro de que ainda queriam salvar esta legislatura e renovar a confiança e a esperança que os guineenses depositaram neles.

"Com o primeiro-ministro de consenso e Governo de inclusão, demonstramos ao mundo que somos capazes de respeitar os esforços de ajuda de vários intervenientes e aconselhamentos de amigos da Guiné-Bissau. Mais uma vez mulheres e homens guineenses demonstraram a sua maturidade colocando o interesse do país acima de qualquer ambição pessoal e honraram os seus compromissos e acordos assumidos. Por isso, considero hoje um dia especial para a Guiné-Bissau e para os guineenses, os irmãos voltaram a dar as mãos e deixaram de lado as diferenças do passado".

Eleições justas e transparentes

José Mário Vaz, manifestou-se convicto que a nova equipa governamental, liderada pelo primeiro-ministro, Aristides Gomes, saberá gerir e conduzir a bom porto os destinos do país, com transparência e zelo pela coisa pública. E que terá como principal missão a criação de condições para a realização das eleições legislativas, justas e transparentes marcadas para 18 de novembro do corrente ano.

"Dispõem de apenas 7 meses até a data das próximas eleições legislativas. Mas, apesar do escasso tempo disponível, ainda temos tempo para trabalharmos juntos com a missão e desafios imediatos e um calendário temporal que não pára de contar, pois os dias passam rapidamente. Mais do que tudo, este Governo tem de ser realista e concentrar toda a sua energia e recursos no trabalho afim de melhorar as condições de vida dos guineenses, ou seja: Criar condições para a realização das eleições legislativas justas e transparentes, garantir energia elétrica para todos, educação e saúde para todos, trabalhar para o sucesso da campanha da castanha de cajú do corrente ano, arroz – comida na mesa para todas as famílias guineenses", destacou o Presidente.

Membro do Governo é missão patriótica

Para José Mário Vaz ser ministro ou secretário de Estado não é um privilégio, mas uma missão patriótica. 

"A governação é a prestação de serviço público. Ser nomeado membro do Governo deve deixar ser considerado um privilégio, ou um lugar de conforto e visibilidade, para ser encarado como uma missão patriótica de servir o nosso povo e dar mais do que receber", afirmou.

O chefe de Estado salientou ainda que a "confiança" depositada no Governo deve ser encarada como "uma missão de trabalho e de resultados concretos".

Por seu turno, o primeiro-ministro, Aristides Gomes, criticou o que considerou ser  "o clientelismo político existente no país" e prometeu uma maior regulação do Estado, salientando que a crise política deixou todos mais pobres.

"Apesar de as armas não terem substituído o diálogo entre homens e mulheres, desta vez, por ocasião de mais uma crise política as consequências negativas não deixaram de se fazer sentir. Estamos mais pobres e as formas de estruturação das instituições estatais obedecem, cada vez menos, à racionalidade própria de um Estado", afirmou Aristides Gomes, durante o discurso proferido na cerimónia de tomada de posse do novo Governo.

Para o chefe do Executivo guineense, o processo de estruturação das instituições está a adquirir "dimensões sombrias". 

"A prática política torna-se cada vez mais uma luta do quotidiano para o acesso de indivíduos a postos que dão acesso imediato a bens materiais para fins de satisfação pessoal ou de grupos", salientou. 

Acordo de Conacri

O primeiro-ministro garantiu que vai cumprir de forma escrupulosa o Acordo de Conacri e realizar as eleições legislativas a 18 de novembro. 

"Vamos elaborar um programa de estabilização e consolidação das conquistas nas diferentes áreas da vida do nosso país, particularmente nos domínios da educação, saúde, incitação à economia através da produção e fornecimento de energia e água para que o país possa fazer face ao período eleitoral que se avizinha", disse Aristides Gomes. 

O chefe do executivo quer também reforçar a regulação do Estado, incluindo clarificar os pontos mais polémicos da Constituição, da lei dos partidos políticos e da lei eleitoral e manter uma gestão disciplinada das finanças públicas com o apoio do Fundo Monetário Internacional. 

Aristides Gomes garantiu também que vai continuar a colaborar com o Banco Mundial e o Tribunal de Contas no atual processo de auditorias às empresas públicas.

Braima Darame (Bissau) | Deutsche Welle

Brasil | CONFESSO QUE CHOREI


Joaquim Ernesto Palhares* | Carta Maior

Chorei ao ver o vídeo do meu amigo Leonardo, impedido de levar amizade e palavra de conforto a Lula. Uma imagem forte da indignação, da resistência e da dignidade que tanto diz sobre a luta da esquerda neste país.

Como impedem alguém da estatura humana e intelectual de Leonardo Boff e de Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, de cumprirem sua missão? A troco de quê e sob qual concepção de Justiça? Tamanha vilania e desrespeito apenas rechaça a brutalidade da Operação Lava Jato.

Se a juíza Carolina Moura de Lebbo, da 12ª. Vara da Justiça Federal de Curitiba, que vem negando sistematicamente visitas de amigos a Lula, acha que prejudicou o ex-presidente, ela está redondamente enganada. Isso apenas aproximou de Lula, os verdadeiros cristãos e os católicos que seguem as palavras do Papa Francisco.

É essa proximidade que a perversidade notória dos agentes de Justiça está promovendo. Os que defendem os direitos humanos, petistas ou não petistas, de esquerda ou progressistas também acompanharam as palavras de Esquivel, atual presidente do Organismo de Tutela Internacional dos Direitos Humanos (SERPAJ), impedido de inspecionar as instalações dos presos na Polícia Federal de Curitiba, no último dia 18 de abril.

Palavras que engolem a pequenez de ex-presidentes que afirmam que Lula é um político preso. Não é. Lula é um preso político e encontra-se sequestrado pela direita brasileira, mantido em condição de isolamento, por uma corja de ignorantes políticos que ignoram ou preferem ignorar a História desse país.

Ignoram os personagens da História. Ignoram a democracia pela qual muitos lutaram e muitos morreram. Fazem de conta que não sabem onde meteram o país e o povo brasileiro. Sim, havia muitas dificuldades, mas nós estávamos finalmente trilhando o caminho. Foram oito anos que, finalmente, o Estado olhou para a maioria da nossa população com admiração e respeito. Oito anos em 518 anos de História do Brasil.

Incapazes de se localizarem no tempo e no espaço, presos às regalias fáceis do poder, aos tapinhas nas costas e microfones da imprensa, às promoções e regalias de uma casta que detêm o poder de mando. Os responsáveis pela prisão e isolamento de Lula violam a Justiça, reduzindo-a a essa justiça minúscula, irresponsável e desumana.

A imagem de Boff, de resistência paciente e imensurável humanidade ficará marcada para sempre na memória de todos. Junto a ele, sentado naquela cadeira, estão milhões de brasileiros que se pegam, ao longo do dia, pensando em Lula e em como ele está agora. Milhões que sentem sua prisão como a prisão de um ente querido. Suas palavras em São Bernardo do Campo servem de força a todos neste momento: “Vão fazer o que vocês têm para fazer”, disse o presidente Lula.

A ideia que Lula representa é a desse Brasil que não abaixa a cabeça. Ela está plantada e floresce a resistência ouvida nas ruas, na fala contra os diversos fascismos, no compromisso dos que afirmam sua posição política neste momento, na empatia que tanto nos aproxima enquanto humanidade, na amizade que nos une neste momento de angústia, na pluralidade de lutas que abraçamos e defendemos porque somos mais do que nossos umbigos.

Isso se chama dignidade, que só se aprende com a vida.

Carta Maior está fazendo o que tem para fazer e só conseguimos porque não estamos sozinhos nessa. Com a doação de nossos leitores, em 2017, produzimos 1.200 matérias, realizamos 43 entrevistas, promovemos quatro especiais, mudamos o layout do site e ainda criamos dez novas editorias, com o intuito de melhor responder aos desafios do tempo presente.

A qualidade e quantidade de análises e reportagens que vocês encontrarão nas nossas editorias falam por sim. Na editoria Poder e ContraPoder, reunimos textos de primeira linha sobre a geopolítica atual. Montamos o Especial 200 anos de Marx, sobre o pensamento que revolucionou o mundo. E, obviamente, criamos o especial Eleição sem Lula é Fraude.

Não deixem, também, de conferir o especial Realidade e Cinema, com vasto e riquíssimo conteúdo de filmes políticos e de alta qualidade cultural. Filmes que ampliam nossa capacidade de ver e pensar o mundo, que podem ser utilizados em salas de aula e iniciar excelentes debates.

Financiados exclusivamente pelos nossos leitores, sem comprometer nossa liberdade editorial, assumidamente 100% de esquerda, diariamente nós prestamos um serviço com o CM8, nosso clipping internacional elaborado, generosamente, pelo amigo e colaborador o economista Carlos Eduardo Silveira. O clipping é publicado de segunda a sexta-feira e conta com uma edição especial aos domingos, com o melhor da imprensa mundial. Todos os dias a sua espera, às oito horas da manhã.

Trazemos também para nossos leitores conteúdos atualizados das principais capitais do mundo. Já contamos com cartas de Montevidéu, Buenos Aires, Santiago do Chile, Assunção, La Paz, Lima, Quito, Bogotá, Caracas, Havana, San José da Costa Rica, Cidade do México, Lisboa, Barcelona, Manágua, Paris e Berlim. Em breve teremos a confirmação das cartas de Londres, Nova Iorque, Tel Aviv, Genebra, Ramallah, Moscou e Pequim, além de algumas capitais africanas. Esse material está reunido na editoria Cartas do Mundo que já conta com oito páginas.

Todo esse conteúdo está aqui e à disposição de vocês.

De forma inovadora, nós estamos cobrindo a conjuntura por meio de análises de fundo. Recuamos a pressa em busca da qualidade, mas não abandonamos o calor da hora: o nosso Twittão Maior, produzido por Saul Leblon, em que disseminamos o conteúdo nosso e compartilhamos o de vários veículos alternativos, fortalecendo a luta da Mídia Alternativa, alcançou número recorde de 5 milhões de visitas nos últimos trinta dias e conta com 158.000 mil seguidores.

Nosso Facebook, ainda responsável por 70% dos acessos a Carta Maior – e precisamos cada vez mais de entradas diretas no site, evitando o cerceamento econômico da empresa de Zuckerberg – conta com quase 300 mil seguidores. Nosso Boletim Diário é expedido todos os dias para mais de 80 mil leitores cadastrados na Carta Maior (clique aqui e receba os boletins).

Sim, precisamos avançar: produzir mais matérias, mais reportagens, mais entrevistas, mais vídeos para a TV Carta Maior, pioneira em transmissão ao vivo no Brasil.

Para seguirmos adiante precisamos de todos vocês. Torne-se um parceiro da Carta Maior agora (clique aqui e saiba como) para podermos fazer o jornalismo que 2018 exige. Com apenas 1 real por dia, totalizando 30 reais por mês, você pode participar. Se puder doe mais e venha conosco.

Vamos fazer aquilo que temos de fazer. Lutar pelo nosso país. Lutar por uma comunicação democrática, plural, universal. O Brasil é maior que seus algozes. É a luta e a dignidade de companheiros como Leonardo Boff (leia a carta de Boff). É a coragem de Marielle e a luta das periferias brasileiras. É a força do enfrentamento dessa geração de dicentes e docentes que estão transformando as universidades brasileiras. É essa classe artística que lembra: cultura é luta contra a barbárie.

O Brasil é a força e a inteligência de milhões de trabalhadoras, grande maioria, mães de família e de milhões de trabalhadores que efetivamente constroem este país, à revelia dos que “não querem pagar o pato”, porque preferem especular com o dinheiro dos outros.

Este é o Brasil que vocês encontram aqui na Carta Maior. Essa a comunicação que acreditamos. O que temos para fazer. O que podemos fazer (graças à contribuição de vocês). O que fazemos com muita paixão.

Boas leituras e boa semana,

*Joaquim Ernesto Palhares é diretor da Carta Maior

Na foto: Leonardo Boff esperando poder visitar Lula. Não autorizaram.

BRASIL | Uma possível era pós-Lula


Esgotado o modelo sindicalista que animou vitórias do PT, há oportunidade para novo um projeto da esquerda: não desvinculado da figura do ex-presidente, mas ultrapassando-a

Sebastián Ronderos e Lucas Augusto da Silva* | Outras Palavras

Desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, existe uma constante oscilação na posição ideológica dos pré-candidatos para as eleições presidenciais. Basta uma notícia, uma entrevista, um evento (ou mesmo a omissão sobre tais) associado ao nome do candidato e o campo político se reestrutura.

Certas vezes, basta a explícita opinião de um adversário para que um ou outro candidato seja arremessado para um espaço abstrato na disputa ideológica (afim ou oposto à opinião deflagrada). Bolsonaro é um desses casos emblemáticos: a própria existência de um candidato que flerta com a ditadura militar, que impõe um discurso de asco às demandas identitárias das minorias e que destila ofensas contra os parlamentares progressistas acaba gerando uma espécie de afinidade ideológica entre os demais candidatos que declaram oposição ao neofascismo. A existência de Bolsonaro aproxima relativamente Marina Silva e Guilherme Boulos, por exemplo, na luta contra a ascensão de um sugestivo totalitarismo de extrema direita.

Inúmeros acontecimentos sucederam-se e deslocaram com relevância as peças nessa espécie de gráfico dinâmico de orientação política e identificação popular: os escândalos de corrupção contra membros do alto escalão do MDB, a campanha de Michel Temer pela aprovação da contrarreforma da previdência, a intervenção militar no Rio de Janeiro e, mais recentemente, a execução de Marielle Franco. A ocorrência mais relevante para esta reorganização ideológica, porém,  aconteceu em 6 de abril.

mandado de prisão expedido contra o ex-presidente Lula remodelou a matriz ocupada pelas candidaturas de esquerda e refletiu na adaptação de seus discursos. Ausente do debate central (e do palanque no qual o petista discursou no Sindicato dos Metalúrgicos de SBC), Ciro Gomes reafirmou seu distanciamento ao modelo organizado pelos altos quadros do PT, o que não surpreendeu boa parte dos candidatos da esquerda. O candidato do PDT parece repisar sua estratégia de ocupação de um espaço de fato vazio de personificação (centro-progressista), sustentada fundamentalmente na tecnocracia e em sua experiência política. Contudo, a organização dos demais candidatos da esquerda de união em solidariedade a Lula afasta Ciro da agenda progressista e o aproxima das candidaturas que concorrem para conquistar os votos dos eleitores que tentam fugir da polarização política.

Enquanto Ciro parece se afastar da esquerda e se concentrar ao redor de outros candidatos que mantêm um posicionamento mais frouxo sobre a prisão de Lula, como a chapa formada por Marina Silva e Joaquim Barbosa, a fotografia simbólica no palanque do sindicato na qual constam as três candidaturas expoentes da esquerda no pleito presidencial prenuncia um fôlego providencial frente à preocupação com a aliança feroz e fortalecida entre o grupos de mídia, poderes Legislativo e Judiciário, e grandes concentradores de riqueza que orquestraram a prisão de Lula e que desenvolvem um  programa regressivo que ameaça as conquistas democráticas dos últimos anos. Travestidos em um discurso anticorrupção, estas energias fortalecem e reproduzem as bases que permitem que o sistema criticado continue em progressão.

Esta espécie de cartografia decantada após a prisão arbitrária de Lula permite empreender uma análise mais sóbria sobre as estratégias envolvidas e nos leva a oferecer algumas teses sobre o atual momento e futuro da esquerda brasileira.

Os Limites do Consenso

Uma condição central está submersa naquilo que consideramos ser o esgotamento de um determinado modelo de poder baseado na aglutinação de demandas antagônicas (assemblage), através de uma capacidade privilegiada de negociação. Esta estratégia, desenvolvida ao longo da história do Partido dos Trabalhadores, através da condução inquestionável de Lula, relacionamos ao que chamaremos de “modelo sindicalista de poder”’ (MSP). Lula tem se destacado através de sua história como um líder carismático com uma capacidade admirável de articulação e uma sensibilidade estadista única na formulação de políticas públicas, na reestruturação e profissionalização diplomática, na redistribuição de renda e democratização do acesso à educação e demais serviços públicos. Mantendo a conciliação, o ex-presidente astutamente estruturou uma cooperação dos setores estratégicos na conformação do seu modelo de governo, conseguindo, com evidente sucesso, transformações demográficas históricas.

Tal agenda mostrou-se perfeitamente harmonizada com os próprios processos históricos impulsionados por grandes pactos nacionais, desde a independência do país — decretada e alcançada primordialmente por um sistema de concessões entre oprimidos e opressores — até a derrocada da ditadura que, depois de finda, não resultou em um plano de acerto de contas pelas elites militares. Ao invés de relevantes rupturas protagonizadas pelos setores subalternos como impulso para as transformações sociais, o que se observa na história política do Brasil são constantes rearranjos de pactos que blindam os interesses dos atores dominantes e, em contrapartida, oferecem concessões pontuais às classes exploradas. Isso justifica, por exemplo, o isolamento do país diante dos vizinhos latino-americanos nos processos de descolonização e abolição da escravatura.

As conquistas obtidas pelo modelo aplicado são indiscutíveis: o Brasil deixou o mapa da pobreza, as minorias raciais acessaram espaços anteriormente exclusivos e o país voltou a ser um relevante protagonista nas instâncias de atuação internacional. Ato contínuo, o golpe institucional de 2016 e a inelegibilidade de Lula em 2018 são os reflexos evidentes do esgotamento desta estratégia de coalizão. Ao ascender ao espaço de governo, o petismo tentou neutralizar os antagonismos inerentes à própria disputa política, expressa desde Maquiavel já no século XVI, fechando os olhos para as relações de poder que extrapolam as ocupações efêmeras das instituições formais. A conformação das estruturas de poder, centralizadas nas elites históricas, que possibilitou a promiscuidade entre os poderes institucionais para atacar ferozmente o PT, não foram ocupadas de forma adversa à gestão petista, mas fortalecidas pelo seu MSP.

Longe de estabelecer a construção de uma contra-hegemonia, propiciando novos espaços de poder que conseguissem sustentar uma nova correlação de forças diante das necessárias reformas estruturais, o PT pareceu tentar incluir seus representados e eleitores no racional da própria estrutura hegemônica imperante, esculpida desde há muito por seus algozes. Qualquer das partes neste acordo poderia ter reconhecido os limites orgânicos desta coalizão. Na hora H, os inimigos estavam mais atentos e atacaram. No momento em que este modelo apresentou certa inconveniência aos interesses de acumulação e concentração do capital, bem como percebeu-se um tímido avanço no redesenho das fronteiras constitutivas das classes sociais, a elite política, respaldada pelo apoio das camadas médias brasileiras que “olhavam para a frente e viam os ricos se distanciarem; olhavam para trás e viam os pobres se aproximarem” (palavras do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad), desatou os acordos a que tinha aderido e iniciou a demonização do (ex)parceiro.

Lula: de Significante Mestre a Significante em Disputa

Depois do triunfo da Revolução Cubana, Fidel Castro pediu a Regis Debray que percorresse a América Latina e fizesse uma análise sobre a repercussão do processo cubano na região. Debray desenvolveu um relatório no qual reconhece que as elites latino-americanas e os Estados Unidos compreenderam com maior rapidez a importância de dita Revolução do que a própria esquerda. Esta característica parece se repetir na atual conjuntura política no Brasil.

O período que sucedeu o impeachment de Dilma Rousseff exigiu da militância da esquerda brasileira a construção de uma narrativa monocórdia ancorada em dois significantes simbólicos importantes: o “golpe” e o “Fora Temer”. Vale frisar que boa parte das disputas integradas pela oposição a Michel Temer durante este período, como o combate à reforma da previdência, foi alicerçada nesta construção discursiva. Todavia, existe uma evidente limitação nas articulações destas peças. Hoje o impeachment estabeleceu-se como golpe dentro do idílio da esquerda nacional e com reverberações internacionais, porém Michel Temer deve concluir seu mandato sem maiores transtornos.

Com a prisão de Lula, contudo, o que avistamos, distantes da leitura mainstream que enfatiza um iminente (e óbvio) retrocesso democrático, é a germinação de um interregno que indica a necessidade de transição estratégica da esquerda através do reforço dos antagonismos sociais após Junho de 2013. Uma oportunidade única de aproveitar os avanços e as bases até agora cimentadas, compreendendo-as não como erros táticos, mas como fundamentos na configuração estratégica de uma transição estrutural, que reclama um processo de autocrítica e renovação na configuração organizacional da esquerda. As elites, por sua vez, parecem ter avistado esse interregno com maior avidez, reestruturando-se com a mudança de ciclo econômico e se articulando mais rapidamente na guerra de posições.

A inelegibilidade (prática) e o encarceramento do ex-presidente apresentam-se como revelação das cartas guardadas na manga pela oligarquia político-econômica durante os mandatos petistas, e que agora foram escancaradas e estão transparentes no tabuleiro ideológico. Longe de negar o evidente retrocesso republicano que as instituições formais operam neste momento no Brasil, cabe, em paralelo, analisar este acontecimento como uma janela de oportunidade para o contra-ataque progressista.

Ao pronunciar “não sou mais um humano; sou uma ideia”, Lula reconhece sua capacidade ímpar de pautar o debate ideológico e disponibiliza seu próprio nome (e legado) como significante a ser apropriado, além de perceber implicitamente os limites que seu modelo de poder e o futuro curto de sua carreira política (sobretudo pela sua idade) lhe impõem. É nesta vacância, neste espaço a ser ocupado que identificamos a oportunidade sem precedentes da construção de um projeto de robustecimento da esquerda: não desvinculado do Lulismo, porém conscientemente reformulado a partir de seu potencial discursivo e da inevitável crítica às bases metodológicas do MSP (mais uma vez, modelo sindicalista de poder).

Da Razão Sindical ao Bloco Histórico

Na entrevista que Lula concedeu a Félix Guattari em 1982, quando questionado sobre o programa econômico de seu partido (embora orientado por uma macro-proposta de estatização de empresas privadas) o líder sindical pondera que “é preciso estar com os pés no chão e saber que os processos de transformação não se dão porque queremos, mas em virtude das forças políticas sobre as quais eles se apoiam. (…) Nós não queremos ir com sede ao pote. Nós queremos é matar nossa sede”. Em outra pergunta, Lula diz que “o PT aproximou as pessoas; criou novas relações de fraternidade e lá as pessoas se sentem mais iguais”.

Ao recorrer à obediência às forças políticas operantes nos processos de transformação e à capacidade de conciliação entre contrários como emblemas de seu projeto de poder, a liderança petista cria características auto-explicativas do que aqui chamamos de MSP. Mais do que isto, sustentamos que as potencialidades do MSP estabelecidas enquanto o partido ainda não havia acessado o Executivo federal foram elas próprias as causas do enfraquecimento dos mandatos Lula-Dilma e, atualmente, do esgotamento do próprio modelo, como numa espécie de doença autoimune.

Não à toa o arquiteto do golpe foi o próprio vice-presidente que compôs chapa com Dilma Rousseff em 2014; não à toa cinco dos seis votos contrários ao habeas corpus impetrado por Lula foram anunciados por ministros indicados pelos ex-presidentes petistas; não à toa foram os mandachuvas das empreiteiras privadas que mais lucraram na era Lula os mesmos que ofereceram o dossiê probatório no qual foram sustentados todos os processo instaurados contra o ex-presidente. A estratégia de comando político do PT, ao integrar aqueles que pareciam ser o sistema imunológico perfeito contra as ameaças da oposição, ofereceu, consecutivamente, o ambiente mais adequado para o ataque desenfreado dos anticorpos contra as próprias células de seu tecido estrutural.

Todo este processo se insere numa disputa política a campo aberto, pautada, desde 2008, por uma nova crise do capitalismo financeiro e da democracia representativa a nível internacional. Em determinadas ocasiões, e cada vez com maior força, costuma ser a extrema direita que se conecta sem meias palavras com essa insatisfação genuína frente ao limite dos marcos liberais, embora propondo mecanismos que elevariam a precarização dos direitos econômicos, civis e políticos a uma condição crônica.

Se as instituições tradicionais da democracia liberal carecem de empatia representativa no atual contexto político das sociedades ocidentais, a reprodução das narrativas germinadas no interior dos mandatos petistas tampouco apresentam uma alternativa satisfatória. É preciso compreender que não só a extrema direita se apresenta como ameaça a esta oportunidade de recomposição das estruturas democráticas, mas a própria manutenção de um projeto conciliador e neutralizador das identidades antagônicas, com disponibilidade para o diálogo com as ortodoxas e experientes elites políticas brasileiras, também põe em risco a construção de uma contra-hegemonia.

Esgotado o modelo, sobrevive o legado e uma oportunidade histórica se revela.

Uma vez arrefecida a potência de uma racionalidade sindical como modelo de governo, uma alternativa que pode confluir as demandas sociais dispersas sem esvaziar o significante do “lulismo” seria a composição do que vinculamos com o que Antonio Gramsci chamou de ‘Bloco Histórico’. Este conceito supõe um conjunto complexo de relações sociais, potencializando estrategicamente forças tanto materiais quanto simbólicas. Estabelece uma junção de formas jurídicas, políticas, jornalísticas, artísticas, filosóficas e religiosas ao serviço da consciência do momento histórico, empreendendo lutas populares sintonizadas que superem as formas tradicionais de resistência e retaguarda, cavando trincheiras criativas num movimento de avanço. Entende a centralidade do Estado, mas compreende também a necessidade da criação e ocupação de espaços informais que cultivam a memória social sensível, constituída primordialmente por expressões culturais.

E por que talvez esta seja a oportunidade única para o desenvolvimento desse embrião? Porque a própria complexidade do momento levou a uma convocação espontânea de um quadro que extrapola as fragmentações partidárias, propondo quase de forma inadvertida a união precisa para uma estratégia vitoriosa, pois conecta com demandas contemporâneas e acessa espaços por onde a esquerda tradicionalmente tem dificuldade de caminhar. Além disso, se apropria do alcance que o significante “Lula” tem de transbordar os limites convencionais, superando as próprias armadilhas que a esquerda construiu discursivamente, ao estruturar pautas transversais que atingem a sensibilidade do cidadão comum, mas, desta vez, revelando os antagonismos que a própria polarização política exige.

O ocaso do MSP levou a uma interseccionalidade de agentes, propiciando a ocupação deste discurso, e o símbolo maior deste “bloco histórico” foi o palanque constituído no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo: a aglutinação de lideranças políticas e sociais, artísticas e religiosas, unidas em prol de uma radicalização da democracia, representa uma ressignificação precisa do devir do “lulismo”.

Mais do que mostrar os dentes, o momento exige saber onde e como morder. Exige repensar as alianças baseadas nas entranhas dos antagonismos sociais e conectar com os insumos de insatisfação, concentrando o alvo naquelas reservas subjetivas e coletivas expressas na carência de representação, que continuam dispersas e órfãs desde 2013.

Este projeto não se confunde com a unificação das estratégias eleitorais, nem com a propositura (equivocada) de uma chapa única para o pleito eleitoral a seguir. Pelo contrário, ele as engloba: a chapa formada por Guilherme Boulos (liderança social consolidada) e Sônia Guajajara (expoente nas lutas dos povos indígenas) somada à candidatura de Manuela D’Ávila (que empunha com maestria o discurso feminista) e às figuras de Celso Amorim (voz ecoante nas internacionalidades), João Pedro Stédile (líder do MST), Osmar Prado (representando a classe artística) e peças-chave da Igreja Católica eleva a interseccionalidade a um nível de diálogo com a sociedade civil providencial para o projeto de radicalização do discurso da esquerda.

Basta saber se, desta vez, o PT estará disposto a abandonar seu modelo de governo para disputar o poder ou continuará alimentando os anticorpos que atacam seu próprio tecido.

*Sebastián Ronderos (foto) é cientista político colombiano, doutorando em ideología e análise de discurso pela Universidade de Essex. Lucas Augusto da Silva é poeta, advogado e mestrando em Sociologia pela Universidade de Lisboa.

Dois séculos depois o pensamento de Karl Marx está vivo e recomenda-se


Jorge Rocha* | opinião

Em 5 de maio iremos celebrar o bicentenário do nascimento de Karl Marx, efeméride que nos desafia a atualizar a sua análise do capitalismo e das lutas de classes à luz deste presente em que a globalização e a financeirização das economias baralharam as contas dos que apostavam num determinismo histórico, que se cumpriria em iminentes amanhãs que cantassem.

Vimos muitos esquerdistas desencantados mudarem de campo, abjurarem as antigas convicções, ainda que, paradoxalmente, se viessem a revelar tão dogmáticos nas teses contrárias quanto o haviam sido nas que lhes tinham iluminado as tardias adolescências. Mas só nos podemos congratular com essa autodepuração, que fez diminuir o ruído num espaço de pensamento onde importa potenciar a lucidez, a clareza de espírito.

Para os que não se renderam ao pensamento dominante nos órgãos de informação - inteiramente nas mãos de quantos pretendem retardar tanto quanto possível a concretização de uma sociedade mais justa e igualitária! - a recuperação urgente da metodologia analítica proposta por Marx, para a aplicar ao atual momento histórico, torna-se um imperativo. Porque pode englobar os contributos segmentados de tantos investigadores, que detalham os sintomas do mal estar social e os associam a causas muito precisas, mas as não enquadram em razões mais a montante, inevitavelmente relacionadas com o trabalho convertido em mercadoria e no capital cada vez mais ganancioso na acumulação das mais-valias.

Um bom estímulo para a reflexão pode ser a programação do canal franco-alemão neste sábado porque exibe «Karl Marx, Pensador Visionário» de Christan Twente ao início da noites, seguindo-se-lhe o documentário «De Marx aos Marxistas» de Peter Dörfler.

Mario Adorf veste a personagem de Karl Marx no primeiro desses filmes, que tem a filha do filósofo, Eleanor, como narradora, iniciando-se em 1882, quando, entre sucessivas viagens e já adoentado, ele sentia-se exaurido pela escrita do segundo volume do «Capital», uma obra que o ocupara durante duas décadas. Voltando ao passado vemo-lo evocar sucessivamente a juventude romântica, o casamento com a brilhante aristocrata Jenny von Westphalen e o frutuoso exílio em Paris, antes de passar por tempos assaz difíceis em Bruxelas e em Londres. No meio das sucessivas reconstituições da vida do homenageado, vão surgindo biógrafos, historiadores e economistas para acentuarem as suas fulgurantes propostas, sem escamotearem algumas das suas contradições.

A proposta de Peter Dörfler aborda as diversas aplicações das teorias marxistas no último século e o quanto elas permanecem vivas hoje em dia. De Atenas a Pequim, de Berlim a Paris, escalpelizam-se não só os regimes soviético, chinês, cubano ou leste-alemão, mas também os diversos movimentos ocorridos em 1968 em França, na Alemanha, nos EUA. Hoje os críticos mais argutos do capitalismo financeiro não dispensam as orientações marxistas, aplicando-as à interpretação dos acontecimentos atuais.

Quem tiver arriscado, que o marxismo se convertera numa teoria obsoleta, depressa se dará conta de quão exagerado fora o seu anúncio de dobrar a finados...

*Jorge Rocha | em Ventos Semeados

PS confunde "rigor das contas com absolutização da redução do défice"


O secretário-geral do PCP acusou hoje o PS de confundir "o rigor das contas públicas com a absolutização do critério da redução do défice imposto pelo Euro e a União Europeia", rejeitando a criação de impostos europeus.

No encerramento do seminário "Para onde vai a Europa? Não à União Europeia das transnacionais das grandes potências. Por uma Europa de cooperação, progresso social e de paz", Jerónimo de Sousa voltou a criticar o PS pelas opções políticas inscritas no Programa de Estabilidade e no Programa Nacional de Reformas.

"O PS confunde o rigor das contas públicas com a absolutização do critério da redução do défice imposto pelo Euro e a União Europeia", disse.

O PCP não quer discutir, segundo o líder comunista, "apenas as quatro décimas de défice", mas sim "as opções que estão por detrás de todas as décimas que se revelem necessárias para dar prioridade à vida dos trabalhadores, do povo e do país, sem o espartilho de imposições externas".

"Numa situação que possibilitaria avançar na resposta aos problemas do País, esta não se concretiza porque o PS e o seu Governo, convergindo com o PSD e o CDS, continuam comprometidos com os interesses do grande capital e a submissão às imposições do Euro e da União Europeia", condenou.

Num discurso muito crítico, como é habitual, em relação à União Europeia, Jerónimo de Sousa voltou a rejeitar "a criação de impostos europeus, a redução das verbas dos chamados fundos de coesão e de apoio à agricultura e a imposição de regras de condicionalidade macroeconómica na aplicação dos fundos comunitários".

O PCP bate-se, garantiu o seu secretário-geral, pelo "reforço dos meios financeiros do orçamento comunitário, a par de uma redistribuição justa e adequada pelos países em função dos seus níveis de desenvolvimento económico e social".

"O PCP considera que estes meios financeiros devem contribuir para o reforço do investimento público, o apoio aos sectores produtivos, à criação de emprego, aos serviços públicos, à proteção do ambiente e ao pleno aproveitamento das potencialidades de cada país, e não para o militarismo e a guerra", explicou.

De acordo com Jerónimo de Sousa, os comunistas consideram que "a contribuição para o orçamento comunitário de cada país deve ser proporcionalmente ajustada à sua dimensão e grau de desenvolvimento, tendo por base o respetivo Rendimento Nacional Bruto".

"O PCP salienta a importância de manter o princípio da unanimidade da decisão sobre o Quadro Financeiro Plurianual, enquanto instrumento do qual Portugal não deve prescindir na defesa dos interesses nacionais", observou.

O líder comunista criticou a União Europeia por ser um instrumento para "assegurar o domínio político e económico das grandes potências, particularmente da Alemanha, e a prevalência dos interesses dos seus grandes grupos económicos e financeiros".

"Para quantos se questionam quanto a este desígnio primordial da União Europeia, aí está a comprová-lo a recente redefinição do número de deputados no Parlamento Europeu e sua redistribuição por país, concretizada na medida da salvaguarda e reforço do domínio do processo de decisão por parte das grandes potências e prejudicando países como Portugal", exemplificou, recordando que o PCP rejeitou esta decisão.

Lusa | em Notícias ao Minuto | Foto: Sara Matos / Global Imagens

Fim de semana está aí. Saiba o que pode ver à borla em Lisboa e no Porto


Irá deparar com eventos de sexta-feira (27) mas esses só fazemos constar aqui para o aliciar a tomar mais atenção ao Notícias ao Minuto às sextas-feiras. Terá de alinhar e aproveitar as borlas só de hoje e de amanhã (28 e 29). É que já não há almoços grátis e eventos culturais são cada vez menos os que pode desfrutar de borla. Ora veja o que perdeu e o que ainda pode recuperar a partir de agora e até amanhã, domingo. (PG)

Fique a conhecer as sugestões de borlas culturais que temos para si neste fim de semana

Já sabe o que vai fazer este fim de semana? Como é habitual o Notícias ao Minuto deixa-lhe algumas sugestões culturais e a melhor parte? São gratuitas. 

Há grande diversidade cultural nos próximos dias. Há peças de teatro, concertos, exposições, feiras e mercados à escolha do freguês.

O Museu do Oriente continua a celebrar os seus 10 anos e presenteia quem o quiser visitar com exposições, palestras e workshops que lhe dão a conhecer mais profundamente as diferentes culturas asiáticas. 

Aproveite por isso as nossas sugestões para os dias 27, 28 e 29 de abril.

Grande Lisboa

Feira da bagageira em Benfica

A itinerante feira da bagageira vai decorrer este fim-de-semana no Mercado de Benfica. Artigos em segunda mão, velharias, reciclados e projectos inovadores. DJ, Animação, massagens e ateliers de reciclagem. O desafio é simples: vá de carro e faça da bagageira do seu automóvel a banca de vendas. No fim, feche a mala e regresse a casa. A feira decorre durante este domingo, 29 de abril.

'Assim Termina o Lamento' no ILGA

Não perca a oportunidade de assistir à peça de teatro da autoria do Grupo Gesto, 'Assim Termina o Lamento'. Esta peça conta a história de sete mulheres que partilham dores, fobias e lamentos numa só voz. Cada uma delas vive o momento e ri-se de si própria. Este trabalho foi criado a partir de memórias de algumas personalidades femininas de épocas diferentes e está ainda a surpreender neste processo de criação. Com encenação de Margarida Barata, para ver no ILGA - Centro LGBT esta sexta-feira às 21h30.

Mercado da Diversidade

A VIII Edição do Mercado da Diversidade vai decorrer este sábado. Pode ficar a conhecer melhor culturas diferentes através do artesanato, moda e gastronomia. Tem lugar no Lugar de Fala, na Calçada do Cascão, entre as 9h30 e as 17h00.

Pedaços d'Alma

Foi inaugurada na passada sexta-feira nas instalações de Galiarte - Espaço Artístico uma exposição a solo de Gália Henriques intitulada 'Pedaços d'Alma'. A mostra estará aberta ao público até ao próximo dia 11 de maio. É aproveitar.

Domingos no Mundo

Um dos espaços mais privilegiados de Lisboa no que a vista diz respeito dá-nos música todos os fins de semana, com o bom sabor das misturas culturais. Este domingo a música fica a cargo dos Ginga à Milanesa.

Onde
Costa do Castelo, 7 - Lisboa
Quando
Domingo, 29 de abril, às 22h30
Uma década de Museu do Oriente

O Museu do Oriente organizou uma festa de celebração dos dez anos que vai durar até dia 27 de maio.  Há exposições, concertos, palestras e workshops. A oferta? As entradas ao domingo são de borla. Saiba tudo aqui.

Fingertips ao vivo na Fnac

No ano em que comemoram 15 anos de carreira, Zé Manuel está de volta aos Fingertips para apresentar '15', um álbum inédito que inclui, entre os seus maiores êxitos, material original nunca antes editado. A banda vai dar uma série de concertos este fim-de-semana em várias lojas da Fnac.

Fnac do Cascais Shopping
  Sábado, 28 de abril, às 17h
Fnac do Vasco da Gama
  Sábado, 28 de abril, às 21h30
Fnac do Alegro      
 Domingo, 29 de abril, às 16h
Fnac do Colombo 
 Domingo, 29 de abril, às 19h

Raparigas da Faixa de Gaza

Gaza Girls: Growing Up in the Gaza Strip (Raparigas de Gaza: Crescer na Faixa de Gaza) é uma exposição de fotografia construída no espaço público, da autoria da fotojornalista Monique Jaques, que oferece uma perspetiva sobre as vidas de mulheres jovens que crescem e chegam à idade adulta no convulsionado território do Médio Oriente. A exposição vai estar patente na Alameda dos Oceanos até ao próximo dia 30 de abril.

Grande Porto

Exposição Coletiva de Pintura e Fotografia

A Cordeiros Galeria, no Porto, conta com uma exposição Coletiva de Pintura e Fotografia nos meses de abril e maio. São vários os artistas que estão a mostrar os seus trabalhos. Saiba mais clicando aqui.

Dia da Dança este Dominguinho

O MAR Shopping continua a dar-nos Dominguinhos, manhãs de domingos com animação a pensar na pequenada. Este domingo, 29 de abril, há Dia da Dança. É gratuito mas será necessário inscrição. Inscrições e mais informações aqui.

Stand-up Philosophy

Há stand-up comedy... e stand-up philosophy. O Humor e a Filosofia sempre andaram e andam de mãos dadas. Pedro Pescador junta filosofia e humor. Há encontro marcado para este domingo, a partir das 17h, na Fnac do MarShopping.

Centro Português de Fotografia

Entre fotografia contemporânea e histórica, há sempre exposições para espreitar no Centro Português de Fotografia. Localiza-se na Cadeia da Relação do Porto, a cadeia oitocentista onde, por exemplo, Camilo Castelo Branco esteve detido. A entrada é sempre gratuita. Clique aqui para espreitar as exposições atualmente patentes.

Onde
Largo Amor de Perdição
Quando
De terça a sexta das 10h às 18h, sábados, domingos e feriados das 15h às 19h. Encerra à segunda

Adriana Marques ao vivo na Fnac

Acompanhada de Carlos Leitão na viola, Carlos Menezes no contrabaixo e Custódio Castelo na guitarra portuguesa, a fadista Adriana Marques apresenta o seu novo projeto, 'Simplesmente' com vários concertos nas lojas da Fnac no Porto este fim-de-semana.

Fnac do Santa Catarina
  Sexta-feira, 27 de abril, às 18h30
Fnac do Norte Shopping
  Sexta-feira, 27 de abril, às 22h
Fnac do Gaia Shopping
  Sábado, 28 de abril, às 17h
Fnac do Mar Shopping
  Sábado, 28 de abril, às 22h

Um olhar sobre Varanasi

A objetiva do fotógrafo Tiago Figueiredo leva-nos a uma viagem de cor e cultura pela Índia, o lugar continuamente habitado mais antigo do mundo, a cidade de mil rostos onde vida e morte passeiam de mãos dadas. A exposição estará patente na Fnac do Norte Shopping até dia 10 de maio. 

Bom fim de semana e boas descobertas culturais!

Fábio Nunes | Notícias ao Minuto | Foto: Stock/DR

Peniche enaltece projeto para Museu da Resistência na Fortaleza


A Assembleia Municipal de Peniche aprovou, na sexta-feira à noite, uma moção em que saúda o programa de conteúdos anunciado como primeiro passo para a instalação do Museu Nacional da Resistência e Liberdade na Fortaleza da cidade.

Aprovada com os votos a favor da CDU, PS e Grupo de Cidadãos Eleitores por Peniche e com PSD a votar contra e a abster-se, a moção "saúda as medidas e conteúdos anunciados que permitem o arranque da fase de concretização do projeto de recuperação, requalificação e valorização da Fortaleza de Peniche e a decisão de aí criar o Museu Nacional da Resistência e Liberdade".

Para os deputados, é importante que o projeto garanta espaços museológicos dedicados à história da Fortaleza de Peniche e das suas gentes e o acesso livre da população local.

A moção recorda que o projeto vem ao encontro dos anseios de democratas e antifascistas que, desde o 25 de Abril de 1974, defendem um museu na Fortaleza de Peniche que a "reafirme como testemunho vivo para as atuais e futuras gerações" do que foi a resistência à ditadura e a luta pela liberdade e pela democracia.

"Foram precisos 44 anos para que o poder político reconhecesse a importância de instalar na Fortaleza de Peniche o Museu Nacional da Resistência e da Liberdade", sublinha.

O projeto torna Peniche num dos oito concelhos do país a ter um museu nacional, "uma oportunidade para dinamizar e afirmar ainda mais, no plano nacional e internacional, o concelho", defendem os eleitos locais.

O Museu Nacional da Resistência e Liberdade, da Fortaleza de Peniche, vai ter 11 núcleos, segundo o guião entregue na sexta-feira em Lisboa pela respetiva Comissão de Instalação dos Conteúdos e da Apresentação Museológica (CICAM) ao ministro da Cultura, Luís Castro Mendes, que prometeu a inauguração para abril de 2019.

O primeiro dos 11 núcleos será dedicado ao Parlatório, que evocará as condições em que decorriam as visitas aos presos políticos, bem como a solidariedade da população de Peniche para com os presos - e as suas famílias --, e com as fugas.

O segundo e o terceiro núcleos serão memoriais da história da Fortaleza e de todos os que se sacrificaram pela conquista da liberdade e democracia, ao passo que o quarto e o quinto núcleos recordarão como foi o regime fascista e o sistema policial e repressivo, durante a ditadura do Estado Novo.

O núcleo 6 é dedicado ao colonialismo e à guerra colonial, o núcleo 7 conta a história da resistência antifascista e anticolonialista, e o núcleo 8 recorda as fugas de presos políticos do sistema repressivo policial.

Os três últimos núcleos evocam o 25 de Abril, a libertação dos presos políticos do Forte de Peniche e a cadeia do Forte de Peniche, havendo ainda outros espaços com conteúdos específicos, como a "Cela A. Cunhal", que será individualizada com uma placa exterior com a ficha prisional e referências ao trabalho intelectual e artístico aí desenvolvido.

A fortaleza, classificada como Monumento Nacional desde 1938, foi uma das prisões do Estado Novo de onde se conseguiu evadir, entre outros, o histórico secretário-geral do PCP Álvaro Cunhal, em 1960, protagonizando um dos episódios mais marcantes do combate ao regime ditatorial.

Após o 25 de Abril de 1974, os últimos presos políticos foram daí libertados dois dias depois.

Lusa | em Notícias ao Minuto | Foto: Pixabay

Populismo? "Há um processo de desagregação e de difícil arranjo europeu”


Francisco Louçã enquadra discurso do Presidente da República, na parte a que Marcelo se referiu ao populismo, ao "processo de desagregação e de difícil arranjo europeu” que se vive nalguns países.

Apesar de já terem passado dois dias das comemorações do 25 de Abril, o discurso do Presidente da República ainda é assunto de análise nos espaços de comentário, sobretudo pela ‘troca’ de palavras que se sucederam entre um primeiro-ministro que não percebeu o discurso presidencial e um Presidente que disse que um banhista de 20 anos conseguiu a proeza que Costa não conseguiu: perceber o seu discurso preventivo.

Sobre o discurso de Marcelo, Louçã referiu que “haverá muitos intérpretes diferentes”. “Creio até que António Costa referiu-se com algum humor e com alguma simpatia”, disse o comentador, defendendo que “quem tem autoridade para reconhecer o valor das suas palavras é a própria pessoa que formula o discurso”. De todo o modo, “foi muito interessante que o PR no dia seguinte tenha usado a metáfora do jovem banhista, tudo isto tem muita graça”, assinalou. 

Louçã enquadra o discurso do Presidente sobre populismo no “processo de desagregação e de difícil arranjo europeu” que se vive, não tendo considerado as suas palavras um recado interno.

“Se olharmos para o que o PR fez nos dias anteriores podíamos perceber a lógica. O Presidente esteve, juntamente com o primeiro-ministro, com o presidente francês a comemorar os 100 anos de batalha de La Lys, uma das desgraças da história militar portuguesa, mas que evoca um período final da Primeira Guerra Mundial e a memória dos fracassos na conclusão da guerra lembra os erros que se acumularam até à Segunda Guerra, com populismo, nazismo, ditadura em vários países”, sustentou.

Como tal, no seu entendimento, “olhar para essa tragédia europeia é importante no momento em que há muita exasperação”. “Há países que têm governos muito próximos destas fronteiras da intolerância e da violência, no centro da Europa, há aqui um processo de desagregação e de difícil arranjo europeu”, analisou, considerando que, embora não seja um recado interno, Marcelo pode ter-se referido de forma mais genérica, porque se há uma vaga de desagregação europeia, ela tem consequências para Portugal.

Mas Marcelo, destacou o bloquista, foi muito explícito sobre duas questões portuguesas. A primeira, o sublinhado que fez em relação ao seu "receio de alguma desorganização dos espaços políticos e emergência de formas inorgânicas de demagogia e de repolarização política". Tal, "aplica-se particularmente no espaço da Direita, entre o PSD e o CDS", concluiu. 

Por outro lado, o Presidente "sublinhou muito o papel da estrutura militar".  "Não esqueçamos que ele tem sempre chamado a atenção que o mistério do roubo em Tancos não foi resolvido e não parece haver nenhuma outra hipótese que não que tenham sido militares", assinalou. 

Em suma, para Louçã, o discurso de Marcelo Rebelo de Sousa "é um sinal de alerta de que o Presidente terá entendido que era tempo de dizer e que o nadador percebeu [risos]". 

Melissa Lopes | Notícias ao Minuto | Foto: Blas Manuel/Notícias ao Minuto

Mais lidas da semana