sábado, 27 de outubro de 2018

Brasil | A cusparada premonitória de Jair Bolsonaro


Chico Paiva Avelino [*]

Em 2014, a Câmara dos Deputados fez uma tocante homenagem ao meu avô, Rubens Paiva: inauguraram um busto com a sua imagem em função de sua incessante luta pela democracia – causa pela qual ele literalmente deu a vida. Minha família foi em peso.

Emocionadas, minha mãe e minha tia fizeram discursos lindos e orgulhosos sobre a memória do pai. No meio de um deles, fomos interrompidos por um pequeno grupo que veio se manifestar. Era Jair Bolsonaro, junto com alguns amigos (talvez fossem os filhos, na época eu não sabia quem eram), que se deu ao trabalho do sair de seu gabinete e vir em nossa direção, gritando que "Rubens Paiva teve o que mereceu, comunista desgraçado, vagabundo!". Ao passar por nós, deu uma cusparada no busto. Uma cusparada. Em uma homenagem a um colega deputado brutalmente assassinado.

Gostaria muito de poder conversar com o meu avô nesse momento político pelo qual passamos. Teria muito a acrescentar: foi eleito Deputado Federal por São Paulo em 1962, e cassado pelo AI-1 em 10 de abril de 1964. Como democrata exemplar que era, sempre lutou contra o autoritarismo e nunca encostou numa arma. Infelizmente essa oportunidade me foi arrancada quando, em janeiro de 1971, ele foi levado de casa junto com minha avó e minha tia, que na época tinha 15 anos, para os porões do DOI-Codi do Rio de Janeiro, na Tijuca. Lá, foi torturado até morrer pelo aparelho de repressão montado pelo regime militar, cuja filial paulista era comandada por ninguém mais nem menos do que o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Na época, não havia ficado claro o motivo dos militares levarem também a minha avó e minha tia. Hoje, conhecendo os métodos praticados por Ustra, sabemos que era para trazê-las à sala de tortura e pressionar o meu avô. Elas, em celas ao lado, separadas, ouviram seus gritos antes que ele fosse morto.

O atestado de óbito só foi entregue à família 25 anos após o assassinato, em 1995. O corpo jamais foi entregue. Na Comissão Nacional da Verdade, outros militares envolvidos no crime disseram que o corpo foi enterrado e desenterrado duas vezes. Sobre o assunto, Bolsonaro debochou: pendurou na entrada do seu gabinete em Brasília uma placa que dizia "quem procura osso é cachorro".

Hoje em dia, Ustra é mais famoso não pelas atrocidades que cometeu, como torturar mães na frente de suas crianças, colocar ratos e baratas vivas dentro da vagina das mulheres, estupros, pau de arara, choques, entre outras; mas por ser o grande ídolo, chamado de herói, pelo nosso provável novo presidente, Jair Bolsonaro – que diz que seu livro de cabeceira é a história do coronel.

Em seu voto a favor do impeachment, Bolsonaro prestou homenagem ao torturador da ex-presidente. No púlpito do Congresso Nacional, com o país inteiro assistindo, ele decidiu lembrar de um ser asqueroso que era o contrário de tudo que a democracia representa, e que havia covardemente torturado a mulher que ele ali teve o sadismo de torturar psicologicamente mais uma vez.

Desde que me dou por gente, essa cicatriz já havia sido fechada na família. Não era um assunto tabu. E sempre fui ensinado que essa não era uma luta pessoal, que não devíamos denunciar e brigar contra essas práticas como vingança familiar, mas para evitar que isso ocorresse com outros. Não era uma briga nossa, mas de todo o país. Minha mãe foi a muitos eventos e deu muitas entrevistas naquele ano por ocasião dos 50 anos do golpe de 1964. Em todas elas fazia questão de lembrar do caso Amarildo, pedreiro desaparecido e assassinado pela PM do Rio de Janeiro em 2013 – como aquela prática seguia mesmo na nossa frágil democracia, e como a dor da família de Amarildo era a mesma pela qual a nossa havia passado.

Estamos às vésperas de uma eleição na qual Bolsonaro não só reafirmou sua admiração por Brilhante Ustra, mas a todo aparato do regime militar. Meu avô lutou contra discursos como esse e por isso foi covardemente preso, torturado e assassinado. Deu a vida pela democracia. Hoje, fica evidente que aquela cusparada não era algo meramente simbólico, mas um prenúncio daquilo que ele pretende fazer como Presidente, e que vem incansavelmente repetindo durante a campanha: prender e exilar seus adversários políticos, eliminar militâncias e desaparecer com as minorias.

Ainda dá tempo de evitar isso, e o poder está em nossas mãos, com nosso voto. Eu nunca imaginei que, em 2018, essas informações não bastassem para que as pessoas pudessem ter repulsa a um político que defende isso. Espero que ajude alguém a refletir, a tornar mais palpável quem é Jair Bolsonaro. Em 1964, foi Rubens Paiva e milhares de outros. Em 2018, pode ser eu, você, as pessoas que amamos. 

25/outubro/2018

[*] Neto de Rubens Paiva

O original encontra-se em pcb.org.br/portal2/21199/a-cusparada-premonitoria-de-jair-bolsonaro/ 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

"Vamos ter um banho de sangue no Brasil" – Eduardo Soares


Luíz Eduardo Soares, autor dos livros que originaram o filme "Tropa de Elite", receia que a provável vitória de Bolsonaro traga uma escalada da violência.

Luíz Eduardo Soares, escritor e académico, autor dos livros que originaram o filme "Tropa de Elite", teme que a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições brasileiras motive violência política séria e um retrocesso democrático no país.

Além disso, nota, o mais provável é que a violência comece antes da tomada posse de Bolsonaro, logo depois da própria vitória.

"Há uma autorização para a violência, ainda que tácita, por parte de grupos que apoiam Bolsonaro", nomeadamente milícias, grupos militares e paramilitares, que já atuam ilegalmente com "ameaças, linchamentos e brutalidades desse tipo Brasil fora".

Aquilo a que Luíz Eduardo Soares apelida ironicamente de "brigadas patrióticas Jair Bolsonaro" já se estão a mobilizar. E as mais afetadas serão as favelas.

Chegar a um estado de sítio é uma questão de tempo e será esse o primeiro passo para um "fechamento político" e "interrupção do processo democrático", alerta.

As próximas eleições no Brasil, daqui a quatro anos, podem acontecer fora de um ambiente livre e democrático. Ou não acontecer de todo.

Ricardo Alexandre com Carolina Rico | TSF

Foto: EPA/Sebastião Moreira

Brasil | Sondagem interna do PT dá Fernando Haddad apenas a dois pontos da vitória


Diminui a vantagem dez Jair Bolsonaro na véspera da eleição. Últimas sondagens do são divulgadas esta noite. Ex-presidente do Supremo declara apoio a Haddad.

O Partido dos Trabalhadores tem uma sondagem interna que dá apenas uma diferença de quatro pontos percentuais entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad.

52-48 com vantagem para o candidato do PSL e muita expectativa para as últimas grandes sondagens, da Datafolha e do Ibope, que vão ser divulgadas quando for meia noite, hora portuguesa.

O PT aposta tudo no contacto de rua nesta tarde e noite.... cara a cara, casa a casa, bairro a bairro.

O anúncio da sondagem interna que mostra uma clara redução da vantagem de Bolsonaro foi feito há pouco por Gilberto de Carvalho, ex-ministro chefe da Secretaria Geral da Presidência da República...

O antigo homem da comunicação de Lula da Silva no deixou no entanto de afirmar, num seminário organizado por jesuítas em Brasília para uma eventual vitória de Jair Bolsonaro, que o PT já começou a negociar com outros partidos e movimentos sociais, uma "frente democrática de resistência". Carvalho informou que vão ser criados comitês de defesa da democracia para "trabalhar muito fortemente numa resistência democrática".

Juiz e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa anunciou hoje o apoio ao candidato do PT. Barbosa afirmou nas redes sociais que "pela primeira vez em 32 anos de democracia", um candidato presidencial lhe "inspira medo". Por isso, votará em Fernando Haddad.

Ricardo Alexandre - Enviado da TSF ao Rio de Janeiro

Foto Reuters

A génese da barbárie


Considerar nossas instituições maduras a ponto de conter o autoritarismo é apostar alto demais, como mostram os fatos ocorridos na Alemanha quando Hitler foi nomeado chanceler

Samuel Pinheiro Guimarães | Outras Palavras

Fernando Schuller, jornalista e cientista político, diz hoje [23.10] na coluna de Bernardo Melo Franco, em O Globo, que as instituições serão capazes de limitar Jair Bolsonaro, se eleito.

Veja a gênese da barbárie no artigo do historiador alemão Volker Ullrich, publicado em fevereiro de 2017 no jornal Die Zeit.

“Espere calmamente”

Como jornalistas, políticos, escritores e diplomatas tiveram responsabilidade na nomeação de Adolf Hitler para chanceler.

Há razão para se preocupar? “Não”, pensou Nikolaus Sieveking, funcionário do Arquivo de Economia Internacional de Hamburgo, Alemanha. “Acho que considerar a chancelaria de Hitler como um evento extraordinário é infantil o suficiente para deixar esse sensacionalismo para seus leais seguidores”, escreveu ele em seu diário em 30 de janeiro de 1933.

Assim como Sieveking, muitos alemães não reconheceram inicialmente essa data como um ponto de virada dramático. Poucos sentiram o que a nomeação de Hitler como chanceler realmente significava, e muitos reagiram ao acontecimento com uma indiferença chocante.

O chanceler do gabinete presidencial havia mudado duas vezes em 1932. Heinrich Brüningwas foi substituído no início de junho por Franz von Papen que, por sua vez, foi substituído no início de dezembro por Kurt von Schleicher. As pessoas quase se acostumaram com esse ritmo. Por que o governo de Hitler deveria ser algo mais do que apenas um episódio? Nos noticiários de Wochenschau* exibidos nos cinemas, a informação sobre a posse do novo gabinete foi a última, depois dos grandes eventos esportivos. Isso, apesar do fato de Hitler ter explicado claramente em “Mein Kampf” e em incontáveis discursos antes de 1933 o que queria fazer uma vez no poder: abolir o “sistema” democrático da Alemanha de Weimar, “erradicar” o marxismo (pelo que ele queria dizer social-democracia e comunismo) e “remover” os judeus da Alemanha. Quanto à política externa, não fazia segredo do fato de que queria revisar o Tratado de Versalhes e que seu objetivo de longo prazo era a conquista do “Lebensraum no Oriente”.

A camarilha do presidente alemão Paul von Hindenburg, que o colocou no poder por meio de uma série de intrigas, concordou com os objetivos de Hitler de impedir o retorno à democracia parlamentar, cortar as correntes do Tratado de Versalhes, armar maciçamente os militares e, mais uma vez, fazer da Alemanha o poder dominante na Europa. Quanto ao resto das intenções declaradas de Hitler, seus parceiros da coalizão conservadora estavam inclinados a descartá-las como mera retórica. Uma vez no poder, argumentavam, ele se tornaria mais razoável. Eles também acreditavam que haviam “enquadrado” Hitler de uma forma que permitiria que suas ambições pelo poder e a dinâmica de seu movimento fossem mantidas sob controle. “O que vocês querem?”, perguntou aos críticos o vice-chanceler Papen, o verdadeiro arquiteto da coalizão de 30 de janeiro. “Eu tenho a confiança de Hindenburg! Em dois meses, teremos empurrado Hitler para tão longe que ele vai gritar.”, assegurava Papen.

A sede de poder de Hitler não poderia ter sido mais subestimada. Os nove ministros conservadores do chamado “Gabinete de Concentração Nacional” claramente tinham mais peso do que os três Nacional-Socialistas. Mas Hitler também tratou de garantir que dois ministérios principais fossem preenchidos por seus homens: Wilhelm Frick assumiu o Ministério do Interior do Reich Alemão e Hermann Göring tornou-se ministro de gabinete sem pasta além de ministro do Interior da Prússia, adquirindo poder sobre a polícia no maior estado da Alemanha¬ – importante condição prévia para o estabelecimento da ditadura nazista.

O magnata da mídia e chefe do Partido do Povo Nacional da Alemanha, Alfred Hugenberg, foi visto como o homem forte no gabinete. Ele recebeu o Ministério da Economia e Agricultura do Reich e da Prússia. O novo superministro supostamente teria dito ao prefeito de Leipzig, Carl Goerdeler, que havia cometido o “maior erro” de sua vida ao se alinhar ao “maior demagogo da história mundial”, mas ainda hoje é difícil acreditar que tenha falado isso. Hugenberg, como Papen e os demais ministros conservadores, estava convencido de que poderia fazer Hitler abandonar suas próprias idéias e seguir a orientação dos demais.

Representantes de grandes empresas compartilhavam a mesma ilusão. Em um editorial no Deutsche Allgemeine Zeitung, que tinha laços estreitos com a indústria pesada, o editor-chefe Fritz Klein escreveu que trabalhar junto com os nazistas seria “difícil e cansativo” mas que as pessoas tinham que ousar “dar o salto” nas trevas “porque o movimento de Hitler tornou-se o ator político mais forte da Alemanha. O chefe do partido nazista teria agora que provar “se ele realmente tinha o que era necessário para se tornar um estadista”. O mercado de ações também não parecia assustado.As pessoas estavam esperando para ver o que aconteceria.

Os conservadores que ajudaram Hitler a ascender ao poder e seus opositores no campo republicano estavam errados em sua avaliação da verdadeira divisão do poder. Em 31 de janeiro, Harry Graf Kessler, diplomata e patrono das artes, relatou ter conversado com Hugo Simon, ex-colega do ministro das Relações Exteriores Walther Rathenau, assassinado em 1922. “Ele vê Hitler como prisioneiro de Hugenberg e Papen. “Aparentemente, Kessler via da mesma forma, porque apenas alguns dias depois profetizou que o novo governo não duraria muito, já que só era mantido pelos “exageros e intrigas” de Papen ”, e argumentou: “Hitler já deve ter percebido que foi vítima de uma fraude. Ele está preso, de mãos e pés, a esse governo e não pode se mover nem para frente nem para trás”.

“Os sinais estão apontando para uma tempestade”

Em seu livro “Desafiando Hitler”, escrito no exílio na Inglaterra em 1939, o jornalista Sebastian Haffner relembrou o “horror gélido” que sentiu quando soube da nomeação de Hitler enquanto trabalhava como funcionário do tribunal de Kammergericht, em Berlim, seis anos antes. Por um momento, ele “sentiu fisicamente (Hitler) o cheiro de sangue e sujeira”. Mas na noite de 30 de janeiro, ele discutiu os pontos de vista do novo governo com seu pai, um educador progressista liberal, e eles rapidamente concordaram que, embora o gabinete pudesse causar muitos danos, ele não poderia ficar no poder por um tempo muito longo. “Um governo profundamente reacionário, com Hitler como seu porta-voz. Além disso, não difere muito dos dois governos que sucederam Brüning. Não, considerando todas as coisas, este governo não foi motivo de alarme.”

Os grandes jornais liberais também argumentaram que nada realmente terrível aconteceria. Theodor Wolff, o editor-chefe do Berliner Tageblatt, via o gabinete como a personificação do que os grupos políticos de direita unidos queriam desde sua reunião em Bad Harzburg em 1931. Ele abriu seu editorial em 31 de janeiro escrevendo: “Foi alcançado. Hitler é o Chanceler do Reich, Hugenberg é o ditador da economia e as posições foram distribuídas como os homens da ‘Frente Harzburger’ queriam.” O novo governo, disse ele, tentaria qualquer coisa para “intimidar e silenciar os oponentes”. A proibição do Partido Comunista estava na agenda, assim como a redução da liberdade de imprensa. Mas mesmo a imaginação desse jornalista de reconhecida visão não foi longe o suficiente para conceber o poder de uma ditadura totalitária. Ele argumentou que havia uma “fronteira que a violência não iria atravessar”. O povo alemão, que sempre se orgulhou da “liberdade de pensamento e de expressão”, criaria uma “resistência emotiva e intelectual” e sufocaria todas as tentativas de estabelecer uma ditadura.

No Frankfurter Zeitung, o editor de política Benno Reifenberg expressou dúvidas de que Hitler teria “competência social” para o cargo de chanceler, mas achava que a responsabilidade do ofício o transformaria de modo a que passasse a ser respeitado. Como Theodor Wolff, Reifenberg descreveu Hitler como “um julgamento errado e sem esperanças de que nosso país acreditasse que um regime ditatorial poderia ser forçado a isso”. “A diversidade do povo alemão exige democracia”, escreveu ele.

Julius Elbau, editor-chefe do Vossischer Zeitung, mostrou menos otimismo. “Os sinais estão apontando para uma tempestade”, escreveu ele em seu primeiro comentário. Embora Hitler não tenha conseguido alcançar o poder absoluto que buscava – “não é um gabinete de Hitler, mas um governo Hitler-Papen-Hugenberg” – esse triunvirato estava de acordo, apesar de todas as suas contradições internas, que queria uma “ruptura completa com tudo o que veio antes”. Dada essa perspectiva, o jornal advertiu que isso constituía “uma experiência perigosa, que só se pode observar com profunda preocupação e com a mais forte suspeita”.

A esquerda também estava preocupada. Em seu apelo em 30 de janeiro, o líder do Partido Social-Democrata e seu grupo parlamentar no Reichstag pediram aos militantes que dessem inicio à “luta com base na Constituição”. Cada tentativa do novo governo de prejudicar a Constituição, conclamavam, “será recebida com a mais extrema resistência da classe trabalhadora e de todos os elementos da população que amam a liberdade”.

Com a insistência estrita na legalidade constitucional, a liderança do Partido Social Democrata (SPD) ignorou o fato de que os governos anteriores já tinham esvaziado a Constituição e que Hitler não hesitaria em destruir seus últimos vestígios.

O Partido Comunista da Alemanha (KPD) também fez um erro de julgamento ao pedir uma “greve geral contra a ditadura fascista de Hitler, Hugenberg e Papen”. Dado que havia 6 milhões de desempregados na Alemanha, poucos tinham o desejo de entrar em greve. O chamado para construir uma frente comum de defesa também não era muito popular entre os socialdemocratas, que os comunistas haviam difamado como “fascistas sociais” pouco tempo antes.

A ideia de agir fora do parlamento estava muito longe das mentes dos sindicatos. “Organização – não demonstração: essa é a palavra da hora!” , declarou Theodor Leipart, chefe do Sindicato Geral da Alemanha, em 31 de janeiro. Na opinião dos representantes do movimento social-democrata dos trabalhadores, Hitler era um capanga das velhas elites de poder socialmente reacionárias – grandes proprietários de terra da região leste do Elba e a indústria pesada da Renânia-Vestefália. Em uma palestra no início de fevereiro de 1933, o legislador do SPD Reichstag, Kurt Schumacher, descreveu o líder nazista como sendo apenas uma “peça de decoração”. “O gabinete tem o nome de Hitler no mastro, mas na realidade o gabinete é Alfred Hugenberg. Adolf Hitler pode fazer os discursos, mas Hugenberg vai agir.”

Os perigos que emanavam de Hitler não poderiam ter sido interpretados de forma mais grotesca. A maioria dos principais social-democratas e sindicalistas cresceram no Kaiserreich alemão. Eles poderiam imaginar uma repressão semelhante à lei anti-socialista de Bismarck, mas não que alguém tentasse seriamente destruir o movimento dos trabalhadores em sua totalidade.

Hitler precisou de apenas cinco meses

O fato de a nomeação de Hitler significar que um antissemita fanático chegou ao poder deveria ter deixado os judeus da Alemanha, acima de tudo, nervosos. Mas esse não foi o caso. Em uma declaração feita em 30 de janeiro, o presidente da Associação Central dos Cidadãos Alemães da Fé Judaica disse: “Em geral, hoje, mais do que nunca, devemos seguir a diretiva: espere calmamente”. Disse ainda que, embora se observe o novo governo “com profundas suspeitas”, o presidente Hindenburg representa a “influência calmante” e por isso não havia razão para duvidar de seu “senso de justiça” e “lealdade à constituição”. Como resultado, acrescentou, deve-se estar convencido de que “ninguém ousaria” “tocar nos nossos direitos constitucionais”. E de acordo com editorial do jornal judeu Jüdische Rundschau, publicado em 31 de janeiro, “há poderes que ainda estão despertos no povo alemão que se levantam contra as políticas antijudaicas bárbaras”. Levaria apenas algumas semanas até que todas essas expectativas se mostrassem ilusórias.

Diplomatas estrangeiros também fizeram falsas suposições sobre a natureza da mudança de poder. O cônsul geral americano em Berlim, George S. Messersmith, acreditava que era difícil fazer uma previsão clara sobre o futuro do governo de Hitler e falava de sua suposição de que representava um fenômeno de transição no caminho para uma situação política mais estável. Para o embaixador britânico Horace Rumbold, parecia que os conservadores tinham conseguido cercar os nazistas com sucesso. Mas ele também previu que em breve haveria conflitos entre os parceiros de coalizão porque o objetivo de Papen e Hugenberg de restaurar a monarquia não poderia ser conciliado com os planos de Hitler. Ele recomendou que o Ministério das Relações Exteriores adotasse uma atitude de esperar para ver o novo governo.

O embaixador francês Andre François-Poncet chamou o gabinete Hitler-Papen-Hugenberg de “experiência ousada”, mas também sugeriu que seu governo permanecesse calmo e aguardasse novos desenvolvimentos. Quando encontrou Hitler na noite de 8 de fevereiro, durante uma recepção realizada pelo presidente alemão para o corpo diplomático, ficou aliviado. O novo chanceler parecia “aborrecido e medíocre”, uma espécie de Mussolini em miniatura.

O enviado suíço, Paul Dinichert, ouviu falar da nomeação de Hitler enquanto almoçava com algumas “personalidades alemãs elevadas”. Ele descreveu as reações em seu despacho para Berna assim: “As cabeças estavam abaladas. Quanto tempo isso pode durar?” “Poderia ter sido pior.” Dinichert reconheceu, corretamente, que Papen era o mestre de marionetes por trás da instalação do novo gabinete. Mas, como a maioria dos outros comentaristas, errou ao descrever o resultado: “Hitler, que por anos insistiu em governar sozinho, foi forçado, cercado ou constrangido (faça a sua escolha), junto com dois de seus discípulos, entre Papen e Hindenburg. ”

Raramente um projeto político foi revelado tão rapidamente como uma quimera como a idéia de que os conservadores “domariam” os nazistas. Em termos de astúcia tática, Hitler se elevava acima de seus aliados e oponentes. Em pouco tempo, ele os ultrapassou e os empurrou contra a parede, desalojando Papen de sua posição preferencial com Hindenburg e forçando Hugenberg a renunciar.

Hitler precisou de apenas cinco meses para estabelecer seu poder. No verão de 1933, os direitos fundamentais e a Constituição foram suspensos, os estados sofreram intervenção, os sindicatos foram esmagados, os partidos políticos banidos ou dissolvidos, a imprensa e o rádio enquadrados e os judeus despojados de sua igualdade perante a lei. Tudo o que existia na Alemanha fora do Partido Nacional-Socialista havia sido “destruído, disperso, dissolvido, anexado ou absorvido”, concluiu François-Poncet no início de julho. Hitler, afirmou, “ganhou o jogo com pouco esforço”. “Ele só teve que soprar – e o edifício da política alemã entrou em colapso como um castelo de cartas.”

* Cinejornal passado antes do início da projeção do filme. O equivalente alemão do antigo Canal 100 brasileiro.

A desenvoltura de Laurent Fabius


O Ministro dos Negócios dos Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, deu uma entrevista à Russia Today. Nesta, ele revela uma conversa telefónica com o seu homólogo francês, aquando da «Operação Serval» no Mali, Laurent Fabius.

«A França queria que o seu contingente no Mali obtivesse a aprovação do Conselho de Segurança da ONU para lutar contra essa ameaça terrorista. Laurent [Fabius] ligou-me e pediu-me para não nos opormos nele [...] Mas é preciso ter em mente, disse-lhe eu a ele, vocês vão reprimir as actividades de gente que armaram na Líbia. Ele riu-se e disse-me: «É a vida». E deve-se dizer, seja como for, que «é a vida» não é política. Evidentemente, é o princípio de dois pesos e duas medidas», declarou Serguei Lavrov.

Voltairenet.org | Tradução Alva

Além de bombas, mísseis nucleares USA em Itália?


Manlio Dinucci*

Como se podia temer, o abandono de facto do Tratado INF - concluído entre Washington e Moscovo no final da Guerra Fria - reinicia esta competição. Só que, desta vez, é ainda mais complicado, pois foram os Estados Unidos, os primeiros que violaram o Tratado, ao mesmo tempo que também transgrediam o Tratado de Não-Proliferação e que a Rússia, discretamente, antecipava o seu avanço tecnológico, fingindo que deixava o problema arrastar-se.

B61-12, a nova bomba nuclear USA que substitui a B-61, inserida em Itália e noutros países europeus, começará a ser produzida em menos de um ano. Anuncia oficialmente a Administração Nacional de Segurança Nuclear (NNSA). Informa que, concluído com sucesso a revisão do projecto final, este mês começam na Pantex Plant no Texas, as actividades de qualificação da produção, a qual será autorizada a ter início em Setembro de 2019.

Em Março de 2020, entrará em funções a primeira unidade de produção, ou seja, começará a produção em série de 500 bombas. A partir desse momento, isto é, dentro de um ano e meio, os Estados Unidos começarão a instalar em Itália, Alemanha, Bélgica, Holanda e, provavelmente, noutros países europeus, em posição contra a Rússia, a primeira bomba nuclear do seu arsenal com um sistema de orientação que a conduz com precisão e dotada de capacidade penetrante para explodir no subsolo e assim, destruir os bunkers dos centros de comando. Dado que a Itália e os outros países, violando o Tratado de Não Proliferação, disponibilizam aos EUA, bases, pilotos e aviões para a instalação da B61-12, a Europa estará exposta a um risco maior, como primeira linha do crescente confronto nuclear com a Rússia.

Ao mesmo tempo, apresenta-se uma situação ainda mais perigosa: o regresso dos mísseis europeus, ou seja, mísseis nucleares semelhantes aos utilizados na década dos anos 80 pelos Estados Unidos na Europa (também em Itália), com a motivação oficial de defendê-la dos mísseis soviéticos. Esta categoria de mísseis nucleares de alcance intermédio (entre 500 e 5500 km), com base em terra, foi eliminada pelo tratado INF de 1987. No entanto, em 2014, a Administração Obama acusou a Rússia de ter experimentado um míssil de cruzeiro ( 9M729) da categoria proibida pelo Tratado. Moscovo nega que este míssil viola o tratado INF e, por sua vez, acusa Washington de ter instalado, na Polónia e na Roménia, rampas de lançamento de mísseis (as do “escudo”), que podem ser usadas para lançar mísseis de cruzeiro com ogivas nucleares.

A acusação feita por Washington a Moscovo, não apoiada por nenhuma prova, permitiu aos Estados Unidos lançar um plano destinado a instalar novamente, na Europa, mísseis nucleares de alcance intermediário com base em terra. A Administraçãp Obama já havia anunciado, em 2015, que “perante a violação da Rússia do Tratado INF, os Estados Unidos estão a considerar a instalação na Europa, de mísseis com base em terra”. O plano foi confirmado pela Administração Trump: no ano fiscal de 2018, o Congresso dos EUA autorizou o financiamento de “um programa de pesquisa e desenvolvimento de um míssil de cruzeiro lançado do solo a partir de uma plataforma móvel, a circular em estrada”. O plano é apoiado pelos aliados europeus da NATO.

O recente Conselho do Atlântico Norte, ao nível de Ministros da Defesa, no qual participou em representação da Itália, Elisabetta Trenta (M5S), declarou que “o tratado INF está em perigo devido às acções da Rússia", acusada de implantar “um sistema de mísseis desestabilizador, que constitui um sério risco para a nossa segurança”. Daí a necessidade de que “a NATO mantenha forças nucleares seguras, confiáveis e eficientes” (o que explica por que razão os membros da Aliança rejeitaram o Tratado da ONU sobre a Proibição das Armas Nucleares).

Prepara-se, assim, na Europa, o terreno para o acolhimento de mísseis nucleares norte-americanos de alcance intermédio com base em terra, perto do território russo. É como se a Rússia instalasse no México, mísseis nucleares destinados aos Estados Unidos.

Manlio Dinucci* | Voltaire net. org | Tradução Maria Luísa de Vasconcellos | Fonte Il Manifesto (Itália)

Na foto: Elisabetta Trenta

Armazenamento de CO2 no fundo do mar ganha força na Noruega


Captura e armazenamento de gás carbônico, ou CCS, é criticada por ser cara e vista como mera desculpa para continuar exploração de combustíveis fósseis. Mas há quem aposte na tecnologia.

Para aqueles que pensavam que instalar painéis solares, plantar árvores e comprar um carro elétrico bastaria, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, publicado este mês, foi um impressionante grito de alerta.

O mundo está enfrentando uma catástrofe climática, e mudanças urgentes e inéditas são necessárias, diz o documento. Isso inclui o processo de captura e armazenamento de gás carbônico (CCS, em inglês), uma tecnologia repleta de problemas no passado.

O CCS é extremamente caro, e críticos afirmam que ele não passa de uma desculpa para a indústria de combustíveis fósseis continuar operando normalmente, em detrimento da evolução de alternativas renováveis. Porém, na Noruega, a tecnologia vem ganhando impulso – o que não surpreende, dados os contínuos planos do país de explorar suas enormes reservas de petróleo.

"O desafio do clima é tão grande que temos de usar todas as ferramentas à disposição", afirma Trude Sundset, presidente da Gassnova, a companhia estatal norueguesa responsável pela busca de soluções de CCS para o futuro.

A produção de energias renováveis cresce rapidamente, mas muitas indústrias, como as de cimento e aço, emitem vastas quantidades de dióxido de carbono em seus processos produtivos. É aí que a tecnologia de captura e armazenamento de carbono aparece como a única solução, já que a outra alternativa seria encerrar completamente a produção, argumenta Sundset.

"Podemos colocar quantos painéis solares quisermos em todas as fábricas de cimento que quisermos – ainda assim teremos emissões de CO2 muito altas nessa indústria", constata. "E a única solução que conhecemos hoje é capturar o dióxido de carbono e armazená-lo no subterrâneo", explica.

Com apoio do governo norueguês, a Gassnova agora está nos estágios finais de um projeto piloto que poderá concluir as primeiras unidades de captura completa de carbono numa fábrica de cimento, assim como a primeira unidade de incineração de lixo. Cada unidade capturaria 400 mil toneladas anuais de CO2, o equivalente às emissões de 171 mil automóveis.

"O próprio processo de fabricar cimento emite muito CO2, e a produção total de cimento no mundo representa entre 5% e 7% do total anual de emissões de carbono", calcula Per Brevik, diretor de sustentabilidade e combustíveis alternativos na Heidelberg Cement Northern Europe, fábrica que faz parte do projeto piloto da Gassnova.

A fábrica, que fica a duas horas de carro da capital norueguesa, Oslo, já testou vários métodos de captura de gás carbônico e espera que uma solução completa esteja funcionando até 2024. "Tiraremos o CO2 do gás da chaminé, o condicionaremos e armazenaremos no fundo do Mar do Norte", detalha Brevik.

A ideia de remover CO2 do ar para armazená-lo em rochas porosas sob o leito marinho não é nova. A empresa estatal de energia da Noruega, Equinor, opera uma unidade de CCS numa de suas plataformas de gás natural no Mar do Norte desde 1996, provando que a tecnologia funciona.

Esse projeto específico faz sentido economicamente graças ao imposto de 52 euros por tonelada de CO2 emitida em instalações de petróleo e gás offshore. A Equinor teria pagar 105 mil euros por dia para poder liberar o gás carbônico na atmosfera, o que faz da tecnologia CCS uma alternativa mais barata.

"O problema é que não existe um modelo de negócios para isso em terra firme", diz Sverre Overa, diretor de projetos na Equinor. O imposto europeu atual de CO2 é de menos de 20 euros por tonelada, apesar de haver previsões de que o valor deverá aumentar em 2019.

Talvez de forma um pouco paradoxal, a experiência da Noruega com a exploração offshore de petróleo e gás poderá trazer benefícios para o meio ambiente. A Gassnova está usando esse conhecimento tecnológico para preparar uma infraestrutura de armazenamento de CO2 que poderia ser implementada em toda a Europa.

O dióxido de carbono capturado será liquefeito e transportado por navio para uma unidade na costa oeste da Noruega. De lá, poderá ser canalizado para o Mar do Norte e bombeado cerca de 3 mil metros abaixo, para dentro de formações rochosas porosas.

"Se conseguirmos estabelecer nossa própria infraestrutura, indústrias no Reino Unido, na Alemanha e em outros lugares verão que, se capturarem as suas emissões, poderão realmente enviá-las para algum lugar e alguém garantirá que o CO2 está armazenado de forma segura", diz Sundset, da Gassnova.

Insiders da indústria afirmam que já existe interesse no modelo de CCS norueguês em outras empresas por toda a Europa. "A Noruega é, certamente, uma das pioneiras do CCS na Europa, e realmente mostrou que CCS pode ser usado como tecnologia que ajuda a reduzir emissões de CO2 em escala industrial", pondera Luke Warren, da Zero Emission Platform (Plataforma Zero Emissões, em tradução livre), uma organização que defende os interesses da indústria de CCS e de grupos de pesquisa sobre o assunto e que também aconselha a Comissão Europeia sobre a tecnologia.

Governos anteriores na Noruega arquivaram projetos de CCS em larga escala, mas o governo atual forneceu os fundos necessários para os projetos piloto até agora. Em sua última proposta de orçamento, em outubro, o governo separou mais 71 milhões de euros para duas unidades completas de captura de CO2 e para a infraestrutura de armazenamento de dióxido de carbono sob o fundo do Mar do Norte até 2021.

O custo total foi estimado em 1,6 bilhão de euros. As empresas de energia Equinor, Shell e Total já estão envolvidas no desenvolvimento do projeto de CCS da Noruega, arcando com parte dos custos, em conjunto com o Estado norueguês. Mas ainda é preciso esperar para ver quem pagará a maior parte da conta.

Lars Bevanger (rk) | Deutsche Welle

Estado do oeste alemão é reduto fundamentalista islâmico


Há mais salafistas na Renânia do Norte-Vestfália do que em qualquer outro estado alemão. Movimento tornou-se menos visível, mas continua se transformando e crescendo, num mundo paralelo e autônomo.

"Repita comigo", diz ao microfone o alemão convertido ao islã e pregador salafista Pierre Vogel. E, incentivada por uma multidão efusiva na zona de pedestres da cidade de Offenbach, em Hessen, é justamente isso o que a jovem faz: repete as palavras da confissão de fé islâmica.

A cena se passou em 2010, mas, assim como outras do ápice da missionaria salafista na Alemanha, ela se encontra até hoje no Youtube. Até 2016, o movimento religioso se apresentava publicamente de forma autoconfiante e agressiva. No contexto da controversa ação LIES! (Leia!), homens barbados, de calças bufantes e túnicas brancas, como Vogel, distribuíam grátis traduções do Corão em língua alemã, em praças e zonas de pedestres, sobretudo do oeste do país.

Nos centros das cidades, eles pregavam abertamente uma interpretação radical do islã. Em "seminários islâmicos", muitos foram convertidos, por todo o país. E também o tempo livre era passado em churrascos ou jogos de futebol com os irmãos de fé, num mundo paralelo.

Salafismo: a dura palavra do Corão

O salafismo é uma vertente extremamente retrógrada do islamismo. Seus adeptos interpretam o Corão de modo literal e se orientam exclusivamente pela forma como o profeta Maomé e seus seguidores imediatos viveram o islã. A ideologia fundamentalista é o solo para uma anticultura extremista que visa, acima de tudo, isolar-se.

Dentro da gama salafista, há muitos fiéis que só desejam viver sua visão rígida do islã no âmbito privado e espiritual. Uma parcela considerável, no entanto, é composta por salafistas políticos, que almejam um Estado religioso fundamentalista.

Eles rejeitam leis terrenas, como a Lei Fundamental (Constituição) alemã. Só a sharia vale, na condição de "lei divina". A partir daí, os limites do aceitável se ampliam para os salafistas de tendência jihadista, deixando-os prontos a usar violência por sua visão de um Estado islâmico.

Menor visibilidade

Hoje não há mais estandes da LIES!. Em 2016, o Ministério do Interior da Alemanha proibiu a associação Die Wahre Religion (A verdadeira religião), que organizara a distribuição dos livros sagrados.

Segundo o órgão federal de segurança interna Bundesverfassungsschutz (BfZ), ela "defendia uma ideologia que exclui radicalmente a ordem constitucional, legitimava o jihad armado e proporcionava uma rede de recrutamento e concentração para fundamentalistas islâmicos jihadistas, assim como para quem quisesse partir para a Síria ou para o Iraque, por motivação jihadista-fundamentalista".

De resto, quase não se veem mais salafistas radicais em público na Alemanha. Mas eles não desapareceram. "A maioria das atividades se realiza fora da visão da sociedade majoritária", constata Kaan Orhon, conselheiro do centro de desradicalização Hayat, que age em nível nacional.

O nome Hayat não consta de nenhuma das campainhas da casa no centro de Bonn, e também na internet não há nenhum endereço, só um número de telefone. Para a clientela da central, o anonimato é essencial, pois Orhon trabalha com gente radicalizada, que abandonou o salafismo ou o jihadismo ou retornou a ele.

"A conquista de novos seguidores transcorre cada vez mais por contatos privados ou online", registra Orhon. E a comunicação se dá por canais do Whatsapp ou Telegram, o que dificulta para os agentes da polícia e do serviço secreto o trabalho de vigiar a cena radical.

"O salafismo se propõe missionar e ganhar novos membros", diz Burkhard Freier, diretor do órgão de segurança interna do estado da Renânia do Norte-Vestfália. A catequese em público diminuiu significativamente, de fato, mas a doutrinação continua, embora, ressalva Freier, "os números não cresçam mais tanto assim".

Renânia do Norte-Vestfália, reduto salafista

Em nenhum outro estado alemão moram mais salafistas do que na Renânia do Norte-Vestfália, e em nenhum outro tantos se radicalizaram ao ponto de partir para o território do praticamente derrotado "Estado Islâmico" (EI): de lá eram 300 de um total de menos de mil jihadistas.

Além disso, praticamente todos os atentados ou tentativas dos últimos anos foram perpetrados por indivíduos radicalizados através do salafismo. Um deles foi Anis Amri, que, no mais sangrento atentado islamista já praticado no país, em 19 de dezembro de 2016, investiu com um caminhão contra uma feira de Natal em Berlim, matando 12 transeuntes.

"Claro que nem todo salafista é automaticamente um terrorista, mas todo terrorista islâmico já foi um salafista" foi uma frase várias vezes repetida durante as entrevistas à DW, partindo das mais diversas pessoas que se ocupam com o movimento fundamentalista – de funcionários de segurança interna, professores de escola, a conselheiros de centros de desradicalização ou de integração de Bonn, cidade considerada um dos redutos do salafismo na Renânia do Norte-Vestfália.

No estado mais populoso da Alemanha, os meios salafistas contam 3 mil adeptos, dos quais cerca de 800 classificados como potencialmente violentos segundo o departamento de segurança interna local. As mulheres perfazem 12% de todos os salafistas do estado. Entre os que partiram para o Iraque, a percentagem delas é mais do dobro, 28%.

Por isso, mulheres e crianças salafistas estão agora sob observação intensa do Estado alemão, em especial as retornadas do "califado" derrotado. Em Bonn, os filhos dos ex-foreign fighters já frequentam escolas e jardins-de-infância. Em nome deles, Kaan Orhon, da Hayat, pede uma "infraestrutura de ajuda, como psicólogos infantis especializados em traumas, mas também capazes de lidar com aspectos religiosos".

Preocupação com as crianças

Como encarregada de integração de Bonn, Coletta Manemann igualmente se ocupa dos "combatentes retornados" e seus filhos. "Em todos os casos, quando há famílias envolvidas, o juizado da juventude, creches e escolas primárias precisam ser sensibilizados. Precisamos, por um lado, dar uma chance, aos que retornam, de reencontrar seu lugar na sociedade. Mas precisamos também estar vigilantes para que eles não continuem tentando radicalizar as crianças e jovens aqui."

Varia de caso para caso o posicionamento com que as mulheres retornam das regiões de crise Síria e Iraque. Algumas conseguiram desligar-se, estando em parte desiludidas e decepcionadas. Mas outras continuam funcionando como portadoras da ideologia salafista do EI: "Por vezes é difícil determinar quem temos diante de nós, se uma desertora desiludida ou um altamente radical elemento de risco", observa Kaan Orhon.

Essa classificação é ainda mais difícil quando as autoridades alemãs não dispõem de dados suficientes para iniciar uma ação penal, por exemplo por "apoio a uma organização terrorista estrangeira", nos termos do parágrafo 129b do Código Penal do país. Nesse caso, não há sanções obrigando as "combatentes retornadas" a conversarem com conselheiros como Kaan Orhon.

"Assistência a presos" perigosa

O processo de coleta de provas é, em geral, mais fácil com os retornados do sexo masculino que lutaram ativamente, apareceram em vídeos de propaganda ou se vangloriaram de seus atos nas redes sociais. Nos presídios alemães, cresce o número de integrantes dos meios extremistas islâmicos. Desde 2013, a Procuradoria Geral abriu inquéritos contra 24 que retornaram do território do EI no Iraque ou Síria.

A resposta dos salafistas é sua assim chamada "assistência aos presos". "Do ponto de vista das autoridades de segurança, essa forma de ajuda representa um grande perigo", aponta Freier.

Neste caso, "assistência" significa, concretamente, que os presos recebem visitas ou correspondência de "irmãos e irmãs" muçulmanos; na internet coletam-se contribuições para presentes ou doações para a família do presidiário, criando um clima de proximidade, cuidado e conforto religioso. A finalidade é sempre a mesma: "As pessoas devem ser mantidas no meio e não serem ressocializadas na prisão", critica o especialista estadual em segurança interna.

Para Kaan Orhon, a assistência aos presos é "o mais importante campo de crescimento" da cena salafista. "Há sempre mais gente de que é preciso cuidar, nem é preciso se expor muito, pessoalmente. É exatamente isso que esse meio procura, no momento: formas de ação que tenham grande efeito, mas que se possam fazer em relativo anonimato."

"Astros" do movimento em Bonn

Entre os focos de salafismo na Renânia do Norte-Vestfália estão cidades como Mönchengladbach, Wuppertal, Dinslaken, Dortmund, mas também a antiga capital da República Federal da Alemanha, Bonn. Nela os salafistas alemães têm sido repetidamente manchete.

Como em 2012, quando uma manifestação de radicais islâmicos resultou em violência por o partido de extrema direita Pro NRW ter exposto caricaturas do profeta Maomé num comício. Durante a contramanifestação dos salafistas radicais, um jovem acabou por ferir dois policiais gravemente a faca.

Foi também de Bonn que os irmãos Yassin e Mounir Chouka partiram, já em 2008, para a zona de fronteira afegã-paquistanesa e lá posaram para um vídeos de ameaça, em que também conclamavam a atentados na Alemanha.

Em Bonn também vive o pregador Abu Dujana, um dos líderes da ação LIES!. E foi Bonn que os stars do movimento salafista visitaram com frequência, entre eles o ex-pugilista ruivo e possivelmente o mais influente entre os convertidos alemães, Pierre Vogel.

Orientação simplista

Mas também Vogel tem estado mais recolhido. Ele continua pregando regularmente em seu canal do Youtube ou pontificando sobre a verdadeira fé no Facebook, mas agora não fica mais diante das escolas de Tannenbusch, bairro de Bonn com alta percentagem de estrangeiros e 10% de muçulmanos.

Antes isso acontecia regularmente, relata o professor de origem iraniana Aziz Fooladvand, que leciona estudos islâmicos nessa escola. Vogel esperava na rua até a aula acabar para então interpelar diretamente os escolares.

"Minha tarefa mais importante é dar aos alunos a sensação de que aqui na aula eles são livres. Quero lhes oferecer um espaço para debate", explica Fooladvand. "Eles precisam entender que religião não é um elemento estático, mas um processo dinâmico."

Para muitos alunos, sobretudo os originários de sociedades patriarcais e de camadas sociais menos cultas, essas são ideias totalmente inéditas. O professor nota problemas de identidade sobretudo entre os jovens de origem estrangeira.

"Eles não sabem: sou alemão, sou estrangeiro? Sou muçulmano, sou europeu?" Esse é um momento crítico, em que os adolescentes são muito vulneráveis, também às mensagens dos salafistas. "No movimento, eles se reencontram, de repente têm um papel, pertencem a um grupo elitista. Os salafistas lhes dão uma orientação."

Uma orientação bem simplista: uma olhada nas páginas de Facebook de salafistas mostra como é dominante a questão o que é proibido, o que é permitido? O que é haram, o que é halal?

Tarefa para toda a sociedade

Bernd Bauknecht também leciona estudos islâmicos numa escola de Bonn e conhece bem o ambiente privado de seus alunos. "Por vezes ocorre de eu ter dois ou talvez três crianças de uma família em que há uma tendência a ideias salafistas."

Para ambos os docentes, a luta em torno dos jovens cidadãos é uma tarefa de toda a sociedade. Pois, uma vez "contaminados", é muito difícil ter acesso a eles. Mas Bauknecht está convencido que as medidas das autoridades estatais, assim como dos centros de prevenção e desradicalização da sociedade civil estão surtindo efeito.

"Quando, uns três anos atrás, um adolescente colocava a palavra-chave 'islã' numa máquina de busca, das dez primeiras respostas, cinco eram de cunho salafista. Não porque eles fossem tantos assim, mas porque usavam o recurso de maneira muito esperta." Agora, diz o professor, numerosos ativistas do Youtube minam a primazia de interpretação religiosa dos salafistas, na linguagem dos jovens: pragmáticos, abertos, tranquilos.

Crescendo no escuro

No total, o movimento salafista da Alemanha mudou muito desde seus primórdios, em 2003-04, analisa Freier. "De início tínhamos principalmente uma cena de língua alemã", cuja principal meta, no estágio inicial, era o trabalho missionário. Muitos desses protagonistas eram "analfabetos religiosos", que pouco sabiam sobre o islã, mesmo se vindos de uma família muçulmana.

Ao longo dos anos, o meio se tornou cada vez mais propenso à violência. "O ponto alto foram as viagens rumo à Síria, quando a questão não era mais transformar a nossa democracia, mas erguer um Estado de califado no Oriente Médio."

Segundo o chefe de segurança interna da Renânia do Norte-Vestfália, desde o declínio militar do "Estado Islâmico" nota-se uma nova dinâmica. "Atualmente formam-se famílias salafistas inteiras que gradativamente consolidam o movimento. Neste ínterim, nós temos aqui um salafismo que não precisa mais de califado, nem trabalho ideológico de fora. Ele progride cada vez mais na direção de um extremismo interno."

A cena se isolou, para continuar crescendo numa sociedade paralela. Diferente da época em que os salafistas ainda se postavam nas praças e, em plena rua, recitavam a confissão de fé para os novos convertidos.

Matthias von Hein (av) | Deutsche Welle

Mais lidas da semana