segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Bom dia… Good morning…


Segunda-feira, mais um dia dos senhores deste país à beira-mar plantado. O costume. E depois surgem “iluminados” convencidos de que descobriram a pólvora e afirmam que para os pobres o regime, dito democrático é uma ditadura. Como se os pobres não soubessem o que sentem na pele todos os dias. Claro que vivemos em ditadura imposta por aqueles senhores deste país à beira-mar plantado. Exemplos não faltam. São ainda mais que a quantidade dos grandes vigaristas e ladrões nos vários poderes desta mascarada carnavalesca enganosamente dita democracia. Sim, há um regime democrático… Mas principalmente para os políticos profissionais e das ilhargas, assim como para todos que possuem contas bancárias recheadas em Portugal e nos offshores paradisíacos, que até são amigos (por conveniência) desses tais da política…  Para o povinho é reservada a fachada da democracia, numa incessante obstinação de caçar votos com base em mentiras, em falsas promessas. Adiante.

O Curto contém expressões em 'barda' da anglofonia. Os britânicos isto, os britânicos aquilo, o Brexit aqueloutro. Já aqui se disse - são uns cagões - porque é o vulgo dito de imensos portugueses que se vêem afogados nas expressões da língua da rainha carunchosa de Inglaterra, familiar histórica dos ladrões dos mares a que se chamavam piratas, que foram promovidos a almirantes, enriquecidos, condecorados e merecedores de estátuas póstumas pelos seus atos de pirataria, de massacres, de esclavagismo e de roubos por todo o mundo. Gente fixe, julgam-se eles.

De lusofonia é que não vimos quase nada que não seja invadido por anglofonia. É moderno. Instituto Camões para quê e outras tretas para quê? Esqueçam o português escrito e falado, promovam o inglês como nossa língua pátria. Que se lixe a lusofonia que impingimos aos que anteriormente também roubámos e escravizámos… Sejamos todos uns grandes cagões, como é o que ‘está a dar’ nesta modernidade de universitários exaustivamente tecnocratas que se apoderam de tudo e da vida de todos, considerando-se sábios que ditatorialmente decidem de um modo “democraticamente estranho”, a revelarem-se provincianos maloios que muito pouco ou nada sabem da vida dos povos e dos seus quotidianos. Gentalhas que se julgam e sentem o rei na barriga, que trama milhões no país, nos países. Mas é moderno. São os tais que se designam detentores do “conhecimento” mas que de ditadores muito pouco ou nada lhes falta. Até nos hábitos e nas influências que transportam para os órgãos de comunicação social e afins.

A retórica vai longa desnecessariamente. Não há pingo de esperança de que “isto” mude.

Simplificando: a seguir disponha do Curto do Expresso, que como outros jornais e correlativos é recheado dos tais cagões que já são moléstia equiparável ao míldio nas uvas ou a moléstia das galinhas em 1958, por exemplo.

Bom dia… Ou deverá ser good morning? (MM | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

"The Uncivil War". E propaganda purex

Vítor Matos | Expresso

Bom dia!

Vamos sentir falta dos britânicos, é uma pena. Só mesmo os anglo-saxónicos para fazerem um filme sobre o que aconteceu antes de se conhecer o resultado do acontecido. A semana passada, o Sunday Times trazia uma entrevista com Dominique Raab, o ministro do Brexit que se demitiu em choque com Theresa May, a dizer que se Bruxelas não aceitasse um acordo "razoável" para o Reino Unido, os britânicos deviam mostrar que estavam disponíveis para virar as costas e "ir embora" em modo "hard Brexit". E oferecia a manchete ao jornal dizendo que o país não devia fechar o acordo sem garantir que não seria "subornado, "chantageado ou alvo de bullying" por parte de Bruxelas. Acontece que o acordo foi fechado ontem com os governos do continente unidos.

Uma semana depois (ontem) o mesmo jornal trazia um artigo sobre outro Dominique, um amigo do já citado Dominique: trata-se de Dominique Cummings, ex-diretor de campanha do Vote Leave. Na verdade, a história era sobre Benedict Cumberbatch, o ator que faz o papel de Dominique Cummings no filme The Uncivil War - que está a ser rodado pelo Channel 4 sobre os bastidores do referendo do Brexit que nos trouxe até aqui. Sucede que Cumberbatch - o mais moderno dos Sherlock Holmes -, tem discutido com os guionistas por entender que a sua personagem, responsável por uma campanha recheada de fake news, e co-responsável por uma das decisões mais gravosas para o povo do Reino Unido, estará caracterizada de forma demasiado ligeira e positiva e devia ser mais obscura, "darker", escreve o jornal.

Ora esta é mais uma discussão em cima de todas as outras discussões que os britânicos têm tido e, embora nos possa parecer um pouco ligeira, tendo em conta a seriedade do que está em causa, revela aquilo que está diante dos olhos de toda a gente: o Reino Unido continua profundamente dividido quanto a um tema que vai mudar não só a vida dos britânicos, mas a vida da Europa. Aquilo diz-nos respeito. Por isso ontem foi um dia tão importante: a aparente ficção da saída do Reino Unido da União Europeia tornou-se realidade de tal forma que os ficcionistas do Channel 4 a querem transformar já em realidade ficcionada. O que se vê num écrã de televisão ou de cinema tem muito mais força que a realidade. O título, The Uncivil War, cuja tradução direta para o português é impossível, é totalmente apropriado. Por isso, Cumberbatch quer que o guião seja reescrito. Afinal é o que hoje todos pedem. Nesta história, toda a gente quer (ou gostaria) de reescrever o guião do mundo: os brexiters que não estão contentes com o acordo do Brexit, os remainers que também renegam o acordo e preferiam ficar na Europa, alguns como os trabalhistas e Jeremy Corbyn até defendem um novo referendo por haver sinais de que a opinião pública já mudou, assim como muitos europeus e até as instituições da União Europeia.

Acontece que o mundo não se escreve assim. "Os 27 aprovaram, está aprovado", escreve aqui a Susana Frexes, correspondente do Expresso e da SIC em Bruxelas. "O Acordo de Saída do Reino Unido da União Europeia está fechado e o recado para o parlamento britânico é o de que não há margem para mais renegociações. Um discurso de pegar ou largar feito à medida dos deputados conservadores, unionistas e trabalhistas que continuam a contestar o tratado jurídico de divórcio e a ameaçar chumbá-lo na Câmara dos Comuns".

O guião da Europa é claro. As 585 páginas do acordo para a saída dos britânicos são para valer, ponto final. Reescrevê-las? Não, garantiu Jean-Claude Junker: "Aqueles que acham que ao rejeitarem o acordo vão conseguir um melhor, ficarão dececionados." António Costa secundou-o: "Fantasias" e "não há alternativa". Angela Merkel descreveu assim o texto que está a dividir os britânicos: "Criámos uma peça de arte diplomática".

Pode saber o que está previsto no acordo da polémica neste artigodo Miguel Prado onde se explica: "O que é afinal o Brexit? 10 pontos essenciais para compreender a declaração aprovada pela UE".

Agora a bola passa para o Parlamento britânico. Theresa May ainda não tem garantido que o acordo vai ser aprovado sequer pelos deputados do seu partido Conservador. Se chumbar, teremos mais uma crise: seja o hard Brexit, ou uma crise no Governo britânico.

TRÊS ANOS DE GOVERNO: PROPAGANDA PUREX

Há poucas fotografias do triunvirato da 'geringonça', mas esta é uma bela peça para eventualmente ser usada como arma de marketing político, embora talvez nem todos os protagonistas possam ver nela o mesmo sentido. António Costa a cumprimentar Catarina Martins, mãos nos ombros, ela com o cachecol de "campeões" ao pescoço, enquanto Jerónimo de Sousa olha embevecido, com a mesma faixa futebolística com as cores nacionais sobre o blaser. Futebol, união, felicidade, a Europa é nossa mas também campeões de outras coisas políticas, o sucesso da solução governativa, é a mensagem que lá está. A fotografia pode ser vista aqui, neste conjunto de 36 imagens, e é da autoria dos fotógrafos oficiais de São Bento (Clara Azevedo ou Paulo Vaz Henriques). O Expresso publica uma fotogaleria a preto e branco com bastidores destes três anos de Governo, onde além das fotos de gabinete com o primeiro-ministro a estudar dossiês, vêmo-lo a andar de avião, de bicicleta, de helicóptero, à boleia com Marcelo Rebelo de Sousa, ou junto da mãe ou com a mulher, ou a beber um copo com amigos ou de braços abertos, como se fosse voar. É o que Costa quer, em direção à maioria absoluta. Por isso hoje está declarada a abertura da época eleitoral.

Para comemorar a longevidade destes três anos de um Governo em que ao início poucos acreditavam, António Costa responde esta manhã a um painel de cidadãos em Braga, à semelhança do que fez no ano passado em Aveiro para dar uma ideia de abertura aos cidadãos e de que presta contas aos portugueses. Em simultâneo, em Lisboa, o Parlamento começa a votar o orçamento na especialidade. Na sexta-feira passada, assim que acabou a visita do presidente angolano João Lourenço a Portugal, o primeiro-ministro deu uma longa conferência de imprensa sem assunto pré-determinado onde os jornalistas que aparecessem podiam colocar as perguntas que entendessem. E hoje devemos ouvir Costa a repetir as mesmas respostas que deu na sexta-feira. A máquina da propaganda está em marcha. A campanha eleitoral já começou.

Se por um lado o primeiro-ministro revela uma enorme segurança - lembram-se do último primeiro-ministro que deu uma conferência de imprensa assim, livre e sem limites de perguntas nem de tempo? -, por outro prova que o discurso eleitoral está feito, preparado e blindado. Costa tem a conversa decorada, as garras afiadas e os adversários identificados.

A campanha eleitoral está aí, mesmo que o Orçamento do Estado ainda não tenha sido aprovado. Enquanto todas estas iniciativas estavam em marcha, os socialistas realizavam as suas jornadas parlamentares em Portimão, no Algarve, durante o fim-de-semana. António Costa foi lá dizer aos parceiros de esquerda para não sentirem “a tentação de apresentar propostas para eleitor ver”. Na sexta-feira já criticara o Bloco de Esquerda por ter como objetivo "não o combate à direita, mas enfraquecer o resultado eleitoral do PS". Já se percebeu há meses qual é, para já, o alvo dos socialistas à sua esquerda.

Ao mesmo tempo, também no Algarve, Carlos César ensaiava o discurso da maioria absoluta: a direita “perdeu a cabeça” e a esquerda está “pouco preparada para a governação”, disse aos deputados no encerramento das jornadas parlamentares. Esta quinta-feira, dia 29, o Parlamento aprovará o Orçamento do Estado e António Costa fará o discurso de encerramento. A seguir, todos os partidos estão livres para começar a luta do novo ciclo. Todos em campanha até outubro de 2019.

OUTRAS NOTÍCIAS

António Costa continua a ser António Costa. Ana Sá Lopes assina o editorial no Público onde evidencia a falta de empatia do primeiro-ministro. "Foi por falta de empatia que Costa reagiu como reagiu aos incêndios do ano passado, foi por falta de empatia que quando abriu pela primeira vez a boca para falar da queda da estrada de Borba, depois de vários dias em silêncio, o que lhe ocorreu dizer foi que não havia 'evidência de responsabilidades do Estado'". Não é uma embirração de jornalistas. Há um padrão. O próprio Marcelo Rebelo de Sousa - o sr. empatia - já o tinha notado ontem, com uma declaração meio jurídica, mas que tem tudo de política e até pessoal. O Presidente foi a Borba, o primeiro-ministro não foi, e se Costa acha que o Estado não tem responsabilidadesMarcelo acha que sim e explica-o, como noticiou ontem aqui a Ângela Silva: "O professor de Direito e o aluno. Marcelo e Costa em fricção sobre Borba".

Se o caso de Borba vai continuar a fazer correr tinta, também o dosestivadores do Porto de Setúbal, que reúnem pela primeira vez esta segunda-feira com o Governo. A ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, convidou este domingo 13 entidades para aquela que será a primeira reunião entre o Governo, a administração do Porto de Setúbal e os sindicatos para discutir a situação dos estivadores.

As votações do Orçamento do Estado na especialidade começam hoje. As principais incógnitas são as carreiras dos professores e o IVA das touradas - que vão continuar a dar que falar até porque o PS está a preparar um diploma para haver touradas sem sangue - mas também a possibilidade de a Autoridade Tributária passar a dispor de dados que estão apenas na posse do Banco de Portugal: se depender dos deputados do PS, a proposta do Bloco de Esquerda pode ser aprovada, para controlar os contribuintes que aderiram a três perdões fiscais que permitiram legalizar seis mil milhões de euros escondidos no estrangeiro e amnistiaram os crimes fiscais associados. Resta saber o que pensa António Costa.

Qual é a parte do não há dinheiro que ainda não perceberam? Todas somadas, as propostas da oposição valem €5,7 mil milhões, diz o Governo. Mas a margem para cedências não ultrapassa os €50 milhões.

Afinal, a Santa Casa da Misericórdia chegou a estar com um contrato preparado para entrar no Montepio, com uma primeira tranche de 170 milhões de euros para ficar com 9,18% do capital, avança o Jornal de Negócios. Em Dezembro de 2017, há apenas um ano, havia um esboço do contrato de compra de acções com data, preço, pormenores. Mas o negócio havia de cair pelo lado político.

Enquanto o Governo festeja os seus sucessos, há uma frente negra que continua a ser notícia. A CP continua sem soluções e agrava-se a crise na ferrovia. Todos os dias há comboios suprimidos e outros que somam atrasos porque o material está encostado nas oficinas. Medidas anunciadas tardam em concretizar-se e empresa não está preparada para enfrentar o pico de procura do Natal, escreve o Público.

Há políticos que rapidamente entregam todo o capital de que dispunham. Graça Fonseca, a ministra da Cultura, depois das declarações sobre as touradas e a civilização, manifestou alívio por não ler os jornais portugueses há quatro dias. Detalhe: é a ministra que tutela a comunicação social...

O Exército aceitou candidatos com nota negativa para o curso de sargentos dos quadros permanentes, noticia o Diário de Notícias. O curso iniciou-se há poucas semanas na Escola de Sargentos do Exército, que Marcelo Rebelo de Sousa visita esta segunda-feira.

Não é de hoje, mas de sexta-feira: se ainda não leu, veja este belíssimo texto do Bernardo Ferrão sobre a sua experiência pessoal e recente nos hospitais: "Como eu ganhei o Euromilhões no SNS."

O realizador italiano Bernardo Bertolucci morreu aos 77 anos de doença prolongada. Foi autor de filmes como O Último Tango em Paris, Os Sonhadores ou O Último Imperador que lhe valeo os óscares de melhor realizador e melhor argumento adaptado em 1987.

O Presidente da Ucrânia propôs a lei marcial depois da captura de navios pela Rússia. E com a escalada de tensão o Conselho de Segurança da ONU reúne hoje de emergência.

O México vai deportar 500 migrantes da caravana que está a caminho dos Estados Unidos da América, por terem tentado atravessar a fronteira "de forma violenta", disse o ministro do Interior mexicano.

As autoridades indianas estão a enfrentar dificuldades para recuperar o corpo de John Chau, o missionário norte-americano morto por uma tribo remota do Índico.

Na Nova Zelândia, 145 baleias deram à costa. As autoridades ainda estão a tentar salvar cerca de metade que estão vivas, mas é uma tarefa difícil e prepararam-se para eutanasiar os animais para lhes pôr fim ao sofrimento.

FRASES DO DIA

"Deputados deviam assumir com mais rigor a sua função", diz o constitucionalista Jorge Miranda ao Negócios.
"Uma coisa ótima de estar em Guadalajara há quatro dias é que não vejo jornais portugueses", afirmou a ministra da Cultura, Graça Fonseca.
"Rio terá de deixar a política se culpa no processo da escarpa ficar comprovada", avançou o ex-vereador Paulo Morais numa entrevista ao Jornal de Notícias.
"Não foram os problemas que desapareceram. Foram os moderados que desistiram de procurar soluções", escreve o social-democrata Miguel Pinto Luz no Público.
MANCHETES DO DIA
Público: "Governo não resolve crise na CP e supressão de comboios agrava-se"
JN: "Escolas só reaproveitam 10% dos manuais usados"
Correio da Manhã: "Berardo deixa buraco de 280 milhões na Caixa"
i: "Braga. Tribunal liberta núcleo duro de gangue violento"
Negócios: "Santa Casa teve contrato para pôr 170 milhões no Montepio"

O QUE ANDO A LER

Todos os anos vou como um peregrino ao Festival de BD da Amadora (que este ano foi entre 26 de outubro e 11 de novembro) para completar coleções, comprar novidades ou descobrir antiguidades, mas desta vez saí de lá mais surpreendido do que o costume com um livro: não levei só heróis habituais como o Corto Maltese, o Árabe do Futuro ou um Paul Auster no saco das compras, mas também monges de clausura visitados por um autor português com raizes no Alentejo que vive em Londres e tem dúvidas existenciais sobre Deus e a religião: Deserto/Nuvem(editora Chili com Carne) é uma novela gráfica original. Primeiro, porque é dois livros num só, que começam em cada uma da capas, ou melhor, em cada uma das contracapas: Deserto é sobre as visitas do autor, Francisco Sousa Lobo, ao Convento da Cartuxa, e a relação com os poucos e velhos monges com votos de silêncio que ainda lá vivem; Nuvem dá forma a 20 cartas de caráter sobretudo filosófico enviadas a um monge cartuxo; a ligá-los, uma planta desdobrável do convento dá ao livro uma textura de velho incunábulo, de lombada cosida à mão. É um belo objeto.

Mas não só. Sousa Lobo leva-nos em visita aos claustros, aos hábitos dos monges, à rotina e à perplexidade: seja-se religioso ou não, aquelas vidas suprimidas pelo silêncio naqueles espaços deixam-nos incrédulos. "Abdicam do humano em favor do etéreo?", questiona o desenhador (e arquiteto) numa das cartas. O próprio autor está em cima do muro entre os crentes e os não crentes, mas tenta compreender o ponto de vista dos enclausurados e exprime um assombro perante aquela resiliência e desistência da vida comum: "Há uma nuvem entre mim e os monges, uma admiração profunda deste lado", escreve. Francisco Sousa Lobo ganhou o prémio para o Melhor Álbum Português de BD em 2018. Percebe-se porquê. É merecido.

Mas nem só com novidades me deixei surpreender. A Cidade de Vidro (Asa), do escritor nova-iorquino Paul Auster - com desenhos de Paul Karasik e David Mazzucchelli - já foi editado em 2006, mas só o li agora. É a história de uma obsessão que leva a uma loucura, e que acaba como libertação. Um escritor de policiais torna-se num dos seus próprios personagens e aceita uma missão para investigar um caso estranhíssimo - inverosímil mas verdadeiro - que se torna a sua verdadeira vida. O próprio Paul Auster, autor do argumento, aparece a meio desta narrativa que não sei por que razão levei tantos anos a descobrir. É um pequeno grande livro (com destaque para o prefácio de Art Spiegelman, o célebre autor de Maus).

Riad Sattouf é o Árabe do Futuro (Teorema), um cartonista meio francês meio sírio que em 2014 editou o primeiro volume de uma novela gráfica onde conta a sua própria biografia - muito ao estilo precursor de Persépolis, a obra de Marjane Satrapi que já ficou famosa sobre a experiência de crescer no Irão dos ayatollas. Em Portugal, já vamos no terceiro volume do testemunho de vida desta uma criança de mãe francesa e pai sírio, que passa pela Líbia de Kadhafi e depois pela Síria de Bashar al-Assad, nos anos oitenta, com cruzamentos e viagens a Paris - onde se espanta com a civilização.

A viver hoje em Paris - o autor chegou a ser cartonista do Charlie Hebdo -, Riad Sattouf só começou a publicar a história depois da morte do seu pai, talvez a personagem mais forte dos livros: era um árabe moderno, ou era o que parecia no início desta série de novelas gráficas, mas quando regressou à sua aldeia Natal na Síria com a família, começou a mostrar-se dividido entre a tradição e a modernidade. As condições de vida eram uma tragédia mesmo para um professor universitário como o pai de Riad, mas eram sobretudo uma catástrofe para a sua mulher parisiense que nem um fogão conseguia ter, a não ser depois de obrigar o marido a comprar um aparelho em contrabando.

A realidade violenta nas escolas, a forma como as famílias funcionam - homens que assassinam as filhas solteiras que engravidam - a procura de um patrocinador no regime para subir na carreira, o ódio aos judeus como inimigos e demónios desde a infância, está tudo lá. Não é só uma biografia. É uma reportagem em três livros profundamente políticos.

Para terminar, uma edição de luxo de um clássico pela Arte de Autor, que já tinha colocado nos escaparates uma belíssima versão de A Balada do Mar Salgado: Corto Maltese a preto e branco, neste caso, o terceiro volume desta coleção, "Sempre um pouco mais longe", a tradução do italiano, de cinco histórias exóticas do aventureiro nos trópicos da América do Sul. Seja como for, Corto é sempre Corto.

Hoje fico por aqui. Espero que tenha uma boa segunda-feira e uma excelente semana.

Portugal | Os trabalhadores que se cuidem!


A proposta do Governo de alteração ao Código do Trabalho prossegue o caminho de destruição de direitos.

Joaquim Dionísio | AbrilAbril | opinião

Proposta de Lei apresentada pelo Governo (Proposta de Lei n.º 136/XIII) insiste na desregulação dos horários de trabalho, na precarização dos vínculos contratuais laborais e na desvalorização da contratação coletiva. Não é, ao contrário do que diz o trio Governo, patrões, UGT, uma melhoria do regime atual é a continuação da sua fragilização, agora encoberta por um outro discurso.

Com efeito, esta proposta ainda prossegue o ataque iniciado com a lei dos despedimentos e dos contratos a prazo de Cavaco Silva, em 1989, acentuado pelos Códigos do Trabalho de 2003 (do governo de Durão Barroso) e de 2009 (do governo de Sócrates) e por toda a legislação produzida pelo governo PSD/CDS-PP, no período da troica.

A linha é ainda a mesma. Mas o objetivo é, agora, o da consolidação do caminho feito na fragilização e/ou na eliminação de direitos conquistados no período imediatamente a seguir ao 25 de Abril, inscritos na Constituição de 1976, na legislação ordinária e na contratação coletiva.

O ataque a essas conquistas assentou sempre no argumento de uma suposta rigidez das leis laborais saídas daquele período e tem perseguido três objetivos essenciais: o reforço do poder patronal na relação de trabalho; a destruição de direitos conquistados; e, o embaratecimento dos salários. Assim, se a facilitação dos despedimentos é um meio de reforço do poder patronal, a desregulação dos horários, o aumento do tempo de trabalho, a caducidade da contratação coletiva e a precarização dos vínculos contratuais laborais, são, também e essencialmente, os instrumentos de redução dos salários e de destruição de direitos.

O Governo do PSD/CDS-PP e a troica, fiéis intérpretes dos interesses e objectivos do grande capital e da direita neoliberal, aproveitaram a crise para fazer um verdadeiro terrorismo legislativo no plano laboral, com o encurtamento dos prazos para alcançarem mais rapidamente a caducidade das convenções, a criação do banco de horas individual, a prorrogação sucessiva dos contratos a prazo, a redução das indemnizações por despedimento e por caducidade dos contratos a termo, generalizando a precariedade. Tudo isto, ao mesmo tempo que cortavam os salários e as pensões.

Hoje, esperava-se que o Governo não fosse tentado a seguir a linha que ele próprio criticara no início do mandato e que se mostrasse coerente com a reposição de salários, pensões e outros direitos retirados pelo Governo PSD/CDS. Isto é, que não fosse tentado a fazer algo que, estando nos genes do PS, sabe ser errado.

Na verdade, a Proposta de Lei não inova e, sobretudo não melhora nada. Desde logo ignora, porque não repõe, o princípio do tratamento mais favorável. O que não é coisa pouca, se tivermos presente que este princípio, sendo estruturante do direito do trabalho, também constituiu um elemento indispensável à proteção do trabalhador, em caso de recurso à justiça. E o que diz a Proposta sobre o princípio do tratamento mais favorável? Nada! Ou melhor, diz muito. Diz que os seus autores, por omissão, veem o contrato de trabalho numa perspetiva civilista e o direito do trabalho como uma subespécie do direito civil1. Também por isto, a não reposição do princípio do tratamento mais favorável é indesculpável para os autores da Proposta e é inaceitável na perspetiva Constitucional.

Quanto à precariedade, a Proposta de Lei é um verdadeiro logro: reduz o prazo máximo de duração dos contratos, quando o verdadeiro problema não tem a ver com o este prazo, mas com a natureza da relação e com a questão de saber se ela é, ou não, temporária. Generaliza os chamados contratos de curta duração não escritos e alarga o período experimental para trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração, permitindo que, durante 6 meses, estes trabalhadores possam ser despedidos sem indemnização ou compensação, instituindo assim uma nova forma de precariedade.

Quanto ao banco de horas individual o modelo encontrado é verdadeiramente extraordinário porquanto o que faz é criar um novo banco de horas grupal, que impõe o cumprimento das regras desse “novo banco” a trabalhadores que não as podem cumprir. Mas o que define bem o modelo proposto é o facto de ser o patrão que “elabora o regime do banco de horas” e que convoca o referendo aí previsto! Sem participação, nomeadamente, sindical, o que é revelador do pensamento que sustenta a Proposta e o chamado acordo de concertação social que a precedeu e que teve o voto contra da CGTP-IN.

Quanto à caducidade das convenções coletivas, a Proposta mantém tudo na mesma procurando consolidar o “terreno conquistado” pelo patronato em matéria de direitos dos trabalhadores. Depois, para não mexer no sacrossanto regime da caducidade, inventa um acordo de empresa, que não é outorgado pelas partes abrangidas, o que vai necessariamente suscitar problemas de aplicação deixando, como alternativa, o que resta da caducidade nas situações em que ocorra a extinção das associações patronais.

Tudo isto sob um discurso maquilhado que, cinicamente, apresenta a “dinamização da contratação colectiva” como um objectivo, para esconder a dimensão do ataque.

Como sabemos, as sucessivas modificações na legislação do trabalho, incluindo as dos Códigos de 2003 e 2009, foram feitas no limite da Constituição e, frequentemente, violando-a de forma mais ou menos escondida. Umas vezes as inconstitucionalidades foram apreciadas e declaradas como tal, outras ainda se mantêm a aguardar uma iniciativa num qualquer processo judicial. É o caso da caducidade das convenções coletivas, em que o Acórdão do TC 306/2003, considerou pressuposto da sua conformação com a Constituição “o entendimento de que a caducidade da eficácia normativa da convenção não impede que os efeitos desse regime se mantenham quanto aos contratos individuais de trabalho celebrados na sua vigência e às respetivas renovações”. Esta orientação jurisprudencial do TC não foi seguida pelo Código de 2009, e continua a não ser seguida nesta Proposta.

Neste sentido o menos que se pode dizer é que, quer na matéria da caducidade da convenção colectiva, quer na do banco de horas, em que o patrão assume o papel principal na preparação da decisão, quer no alargamento do período experimental, há um longo caminho a percorrer pela luta criadora dos trabalhadores portugueses.

Fica assim claro que a Proposta de Lei n.º 136/XIII apresentada pelo Governo, não foi feita a pensar na correção das injustiças, mas na consolidação de medidas que promovem a precariedade, que atacam a contratação coletiva, que mantêm a facilitação do despedimento e que reforçam a posição patronal na relação de trabalho.

*O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)

Portugal | Histórias de um Estado que falha


Inês Cardoso* | Jornal de Notícias | opinião

Helena fala com a cautela das terras pequenas em que tudo se sabe e os temas difíceis acabam tantas vezes evitados. Helena fala com uma tranquilidade quase estranha perante a tragédia que ganhou espaço para Borba nas televisões, habituada que está a alternativas escassas.

"Se as pedreiras fecham, morremos de fome. Se não fecham, morremos em acidentes como o da estrada."

R. fala com mais medo, é normal que além do apelido esconda o nome. Acaba de regressar da zona espanhola de La Rioja, onde a Guardia Civil tem desmantelado sucessivas redes de trabalhadores portugueses explorados por portugueses. R. foi com a promessa de um bom salário e voltou com apenas 140 euros. Mesmo assim, o pai arriscou e partiu com os mesmos patrões. E R. confessa a dúvida sobre se um dia voltará a fazer o mesmo. "Se não tivesse outra hipótese não sei."

As duas reportagens estão no JN e na "Notícias Magazine" de ontem. São exemplos de um Portugal que é pequeno mas ainda assim tão cheio de diferentes países dentro. De um interior que não é um lugar definido pela distância, mas um imenso território de esquecimento, de falta de oportunidades, que se rende aos empregos possíveis mesmo quando são arriscados, ou mal pagos, ou oferecidos em condições e falhas que escapam ao que a lei teoriza e a fiscalização deveria evitar.

Em Borba os serviços públicos falharam, como falham sempre que deixam populações desprotegidas. Falharam os ministérios da Economia e do Ambiente. Falharam as autarquias. Mas não é sério Rui Rio ou Assunção Cristas virem a correr criticar o que o Estado devia ter feito mas não fez. Os dois partidos que lideram estavam no Governo quando, em 2014, se escreveu preto no branco sobre o risco de uma estrada que acabou mesmo por ruir.

O Estado falha todos os dias. E nós falhamos sempre que não o dissermos e não colocarmos mais exigência aos serviços públicos.

*Diretora-adjunta

Na foto: Pedreira de Borba. Ao certo não se sabe exatamente quantos vítimas pereceram no desmoronamento da estrada abandonada por todos e que era uma ratoeira para os transeuntes, para os automobilistas.

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