A proposta do Governo de
alteração ao Código do Trabalho prossegue o caminho de destruição de direitos.
Joaquim Dionísio | AbrilAbril |
opinião
Proposta de Lei apresentada pelo
Governo (Proposta de Lei n.º 136/XIII) insiste na desregulação dos horários de
trabalho, na precarização dos vínculos contratuais laborais e na desvalorização
da contratação coletiva. Não é, ao contrário do que diz o trio Governo,
patrões, UGT, uma melhoria do regime atual é a continuação da sua fragilização,
agora encoberta por um outro discurso.
Com efeito, esta proposta ainda
prossegue o ataque iniciado com a lei dos despedimentos e dos contratos a prazo
de Cavaco Silva, em 1989, acentuado pelos Códigos do Trabalho de 2003 (do
governo de Durão Barroso) e de 2009 (do governo de Sócrates) e por toda a
legislação produzida pelo governo PSD/CDS-PP, no período da troica.
A linha é ainda a mesma. Mas o
objetivo é, agora, o da consolidação do caminho feito na fragilização e/ou na
eliminação de direitos conquistados no período imediatamente a seguir ao 25 de
Abril, inscritos na Constituição de 1976, na legislação ordinária e na
contratação coletiva.
O ataque a essas conquistas
assentou sempre no argumento de uma suposta rigidez das leis laborais saídas
daquele período e tem perseguido três objetivos essenciais: o reforço do poder
patronal na relação de trabalho; a destruição de direitos conquistados; e, o
embaratecimento dos salários. Assim, se a facilitação dos despedimentos é um
meio de reforço do poder patronal, a desregulação dos horários, o aumento do
tempo de trabalho, a caducidade da contratação coletiva e a precarização dos
vínculos contratuais laborais, são, também e essencialmente, os instrumentos de
redução dos salários e de destruição de direitos.
O Governo do PSD/CDS-PP e a
troica, fiéis intérpretes dos interesses e objectivos do grande capital e da
direita neoliberal, aproveitaram a crise para fazer um verdadeiro terrorismo
legislativo no plano laboral, com o encurtamento dos prazos para alcançarem
mais rapidamente a caducidade das convenções, a criação do banco de horas
individual, a prorrogação sucessiva dos contratos a prazo, a redução das
indemnizações por despedimento e por caducidade dos contratos a termo,
generalizando a precariedade. Tudo isto, ao mesmo tempo que cortavam os
salários e as pensões.
Hoje, esperava-se que o Governo
não fosse tentado a seguir a linha que ele próprio criticara no início do
mandato e que se mostrasse coerente com a reposição de salários, pensões e
outros direitos retirados pelo Governo PSD/CDS. Isto é, que não fosse tentado a
fazer algo que, estando nos genes do PS, sabe ser errado.
Na verdade, a Proposta de Lei não
inova e, sobretudo não melhora nada. Desde logo ignora, porque não repõe, o
princípio do tratamento mais favorável. O que não é coisa pouca, se tivermos
presente que este princípio, sendo estruturante do direito do trabalho, também
constituiu um elemento indispensável à proteção do trabalhador, em caso de
recurso à justiça. E o que diz a Proposta sobre o princípio do tratamento mais
favorável? Nada! Ou melhor, diz muito. Diz que os seus autores, por omissão,
veem o contrato de trabalho numa perspetiva civilista e o direito do trabalho
como uma subespécie do direito civil1. Também por isto, a não reposição do
princípio do tratamento mais favorável é indesculpável para os autores da
Proposta e é inaceitável na perspetiva Constitucional.
Quanto à precariedade, a Proposta
de Lei é um verdadeiro logro: reduz o prazo máximo de duração dos contratos,
quando o verdadeiro problema não tem a ver com o este prazo, mas com a natureza
da relação e com a questão de saber se ela é, ou não, temporária. Generaliza os
chamados contratos de curta duração não escritos e alarga o período
experimental para trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados
de longa duração, permitindo que, durante 6 meses, estes trabalhadores possam
ser despedidos sem indemnização ou compensação, instituindo assim uma nova
forma de precariedade.
Quanto ao banco de horas
individual o modelo encontrado é verdadeiramente extraordinário porquanto o que
faz é criar um novo banco de horas grupal, que impõe o cumprimento das regras
desse “novo banco” a trabalhadores que não as podem cumprir. Mas o que define
bem o modelo proposto é o facto de ser o patrão que “elabora o regime do banco
de horas” e que convoca o referendo aí previsto! Sem participação, nomeadamente,
sindical, o que é revelador do pensamento que sustenta a Proposta e o chamado
acordo de concertação social que a precedeu e que teve o voto contra da
CGTP-IN.
Quanto à caducidade das
convenções coletivas, a Proposta mantém tudo na mesma procurando consolidar o
“terreno conquistado” pelo patronato em matéria de direitos dos trabalhadores.
Depois, para não mexer no sacrossanto regime da caducidade, inventa um acordo
de empresa, que não é outorgado pelas partes abrangidas, o que vai
necessariamente suscitar problemas de aplicação deixando, como alternativa, o
que resta da caducidade nas situações em que ocorra a extinção das associações
patronais.
Tudo isto sob um discurso
maquilhado que, cinicamente, apresenta a “dinamização da contratação colectiva”
como um objectivo, para esconder a dimensão do ataque.
Como sabemos, as sucessivas
modificações na legislação do trabalho, incluindo as dos Códigos de 2003 e
2009, foram feitas no limite da Constituição e, frequentemente, violando-a de
forma mais ou menos escondida. Umas vezes as inconstitucionalidades foram
apreciadas e declaradas como tal, outras ainda se mantêm a aguardar uma
iniciativa num qualquer processo judicial. É o caso da caducidade das
convenções coletivas, em que o Acórdão do TC 306/2003, considerou pressuposto
da sua conformação com a Constituição “o entendimento de que a caducidade da
eficácia normativa da convenção não impede que os efeitos desse regime se
mantenham quanto aos contratos individuais de trabalho celebrados na sua
vigência e às respetivas renovações”. Esta orientação jurisprudencial do TC não
foi seguida pelo Código de 2009, e continua a não ser seguida nesta Proposta.
Neste sentido o menos que se pode
dizer é que, quer na matéria da caducidade da convenção colectiva, quer na do
banco de horas, em que o patrão assume o papel principal na preparação da
decisão, quer no alargamento do período experimental, há um longo caminho a
percorrer pela luta criadora dos trabalhadores portugueses.
Fica assim claro que a Proposta
de Lei n.º 136/XIII apresentada pelo Governo, não foi feita a pensar na
correção das injustiças, mas na consolidação de medidas que promovem a
precariedade, que atacam a contratação coletiva, que mantêm a facilitação do
despedimento e que reforçam a posição patronal na relação de trabalho.
*O autor escreve ao abrigo do
Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)
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