Segunda-feira, mais um dia dos
senhores deste país à beira-mar plantado. O costume. E depois surgem “iluminados”
convencidos de que descobriram a pólvora e afirmam que para os pobres o regime,
dito democrático é uma ditadura. Como se os pobres não soubessem o que sentem
na pele todos os dias. Claro que vivemos em ditadura imposta por aqueles
senhores deste país à beira-mar plantado. Exemplos não faltam. São ainda mais
que a quantidade dos grandes vigaristas e ladrões nos vários poderes desta mascarada
carnavalesca enganosamente dita democracia. Sim, há um regime democrático… Mas
principalmente para os políticos profissionais e das ilhargas, assim como para todos
que possuem contas bancárias recheadas em Portugal e nos offshores paradisíacos,
que até são amigos (por conveniência) desses tais da política… Para o povinho é reservada a fachada da democracia, numa incessante obstinação de caçar votos com base em mentiras, em falsas promessas. Adiante.
O Curto contém expressões em 'barda' da anglofonia. Os britânicos isto, os britânicos aquilo, o Brexit
aqueloutro. Já aqui se disse - são uns cagões - porque é o vulgo dito de
imensos portugueses que se vêem afogados nas expressões da língua da rainha
carunchosa de Inglaterra, familiar histórica dos ladrões dos mares a que se chamavam
piratas, que foram promovidos a almirantes, enriquecidos, condecorados e
merecedores de estátuas póstumas pelos seus atos de pirataria, de massacres, de
esclavagismo e de roubos por todo o mundo. Gente fixe, julgam-se eles.
De lusofonia é que não vimos
quase nada que não seja invadido por anglofonia. É moderno. Instituto Camões
para quê e outras tretas para quê? Esqueçam o português escrito e falado,
promovam o inglês como nossa língua pátria. Que se lixe a lusofonia que
impingimos aos que anteriormente também roubámos e escravizámos… Sejamos todos
uns grandes cagões, como é o que ‘está a dar’ nesta modernidade de universitários exaustivamente tecnocratas que se apoderam de tudo e da vida de todos, considerando-se sábios que
ditatorialmente decidem de um modo “democraticamente estranho”, a revelarem-se
provincianos maloios que muito pouco ou nada sabem da vida dos povos e dos seus
quotidianos. Gentalhas que se julgam e sentem o rei na barriga, que trama milhões
no país, nos países. Mas é moderno. São os tais que se designam detentores do “conhecimento”
mas que de ditadores muito pouco ou nada lhes falta. Até nos hábitos e nas influências
que transportam para os órgãos de comunicação social e afins.
A retórica vai longa desnecessariamente.
Não há pingo de esperança de que “isto” mude.
Simplificando: a seguir disponha
do Curto do Expresso, que como outros jornais e correlativos é recheado dos tais cagões
que já são moléstia equiparável ao míldio nas uvas ou a moléstia das galinhas em 1958, por exemplo.
Bom dia… Ou deverá ser good
morning? (MM | PG)
Bom dia este é o seu Expresso
Curto
"The Uncivil War". E
propaganda purex
Vítor Matos | Expresso
Bom dia!
Vamos sentir falta dos
britânicos, é uma pena. Só mesmo os anglo-saxónicos para fazerem um filme sobre
o que aconteceu antes de se conhecer o resultado do acontecido. A semana
passada, o Sunday Times trazia uma entrevista com Dominique Raab, o ministro do
Brexit que se demitiu em choque com Theresa May, a dizer que se Bruxelas não
aceitasse um acordo "razoável" para o Reino Unido, os britânicos
deviam mostrar que estavam disponíveis para virar as costas e "ir
embora" em modo "hard Brexit". E oferecia a manchete ao jornal
dizendo que o país não devia fechar o acordo sem garantir que não seria
"subornado, "chantageado ou alvo de bullying" por parte de
Bruxelas. Acontece que o acordo foi fechado ontem com os governos do continente
unidos.
Uma semana depois (ontem) o mesmo
jornal trazia um artigo sobre outro Dominique, um amigo do já citado Dominique:
trata-se de Dominique Cummings, ex-diretor de campanha do Vote Leave. Na
verdade, a história era sobre Benedict Cumberbatch, o ator que faz o papel de
Dominique Cummings no filme The Uncivil War - que está a ser rodado
pelo Channel 4 sobre os bastidores do referendo do Brexit que nos trouxe até
aqui. Sucede que Cumberbatch - o mais moderno dos Sherlock Holmes -, tem
discutido com os guionistas por entender que a sua personagem, responsável por
uma campanha recheada de fake news, e co-responsável por uma das decisões
mais gravosas para o povo do Reino Unido, estará caracterizada de forma
demasiado ligeira e positiva e devia ser mais obscura, "darker",
escreve o jornal.
Ora esta é mais uma discussão em
cima de todas as outras discussões que os britânicos têm tido e, embora nos
possa parecer um pouco ligeira, tendo em conta a seriedade do que está em
causa, revela aquilo que está diante dos olhos de toda a gente: o Reino Unido
continua profundamente dividido quanto a um tema que vai mudar não só a vida
dos britânicos, mas a vida da Europa. Aquilo diz-nos respeito. Por isso ontem
foi um dia tão importante: a aparente ficção da saída do Reino Unido da União
Europeia tornou-se realidade de tal forma que os ficcionistas do Channel 4 a querem transformar já em
realidade ficcionada. O que se vê num écrã de televisão ou de cinema tem muito
mais força que a realidade. O título, The Uncivil War, cuja tradução direta
para o português é impossível, é totalmente apropriado. Por isso, Cumberbatch
quer que o guião seja reescrito. Afinal é o que hoje todos pedem. Nesta
história, toda a gente quer (ou gostaria) de reescrever o guião do mundo: os brexiters que
não estão contentes com o acordo do Brexit, os remainers que também
renegam o acordo e preferiam ficar na Europa, alguns como os trabalhistas e
Jeremy Corbyn até defendem um novo referendo por haver sinais de que a opinião
pública já mudou, assim como muitos europeus e até as instituições da União
Europeia.
Acontece que o mundo não se
escreve assim. "Os 27 aprovaram, está aprovado", escreve aqui a
Susana Frexes, correspondente do Expresso e da SIC em Bruxelas. "O Acordo
de Saída do Reino Unido da União Europeia está fechado e o recado para o
parlamento britânico é o de que não há margem para mais renegociações. Um
discurso de pegar ou largar feito à medida dos deputados conservadores,
unionistas e trabalhistas que continuam a contestar o tratado jurídico de
divórcio e a ameaçar chumbá-lo na Câmara dos Comuns".
O guião da Europa é claro. As 585
páginas do acordo para a saída dos britânicos são para valer, ponto final.
Reescrevê-las? Não, garantiu Jean-Claude Junker: "Aqueles que acham que ao
rejeitarem o acordo vão conseguir um melhor, ficarão dececionados." António
Costa secundou-o: "Fantasias" e "não há
alternativa". Angela Merkel descreveu assim o texto que está a dividir os
britânicos: "Criámos uma peça de arte diplomática".
Pode saber o que está previsto no
acordo da polémica neste
artigodo Miguel Prado onde se explica: "O que é afinal o Brexit? 10
pontos essenciais para compreender a declaração aprovada pela UE".
Agora a bola passa para o
Parlamento britânico. Theresa May ainda não tem garantido que o acordo vai ser
aprovado sequer pelos deputados do seu partido Conservador. Se chumbar, teremos
mais uma crise: seja o hard Brexit, ou uma crise no Governo britânico.
TRÊS ANOS DE GOVERNO: PROPAGANDA
PUREX
Há poucas fotografias do
triunvirato da 'geringonça', mas esta é uma bela peça para eventualmente ser
usada como arma de marketing político, embora talvez nem todos os protagonistas
possam ver nela o mesmo sentido. António Costa a cumprimentar Catarina Martins,
mãos nos ombros, ela com o cachecol de "campeões" ao pescoço, enquanto Jerónimo
de Sousa olha embevecido, com a mesma faixa futebolística com as cores
nacionais sobre o blaser. Futebol, união, felicidade, a Europa é nossa mas
também campeões de outras coisas políticas, o sucesso da solução governativa, é
a mensagem que lá está. A fotografia pode ser vista aqui,
neste conjunto de 36 imagens, e é da autoria dos fotógrafos oficiais de São
Bento (Clara Azevedo ou Paulo Vaz Henriques). O Expresso publica uma
fotogaleria a preto e branco com bastidores destes três anos de Governo, onde
além das fotos de gabinete com o primeiro-ministro a estudar dossiês, vêmo-lo a
andar de avião, de bicicleta, de helicóptero, à boleia com Marcelo Rebelo de
Sousa, ou junto da mãe ou com a mulher, ou a beber um copo com amigos ou de
braços abertos, como se fosse voar. É o que Costa quer, em direção à maioria
absoluta. Por isso hoje está declarada a abertura da época eleitoral.
Para comemorar a longevidade
destes três anos de um Governo em que ao início poucos acreditavam, António
Costa responde esta manhã a um painel de cidadãos em Braga, à semelhança do que
fez no ano passado em Aveiro para dar uma ideia de abertura aos cidadãos e de
que presta contas aos portugueses. Em simultâneo, em Lisboa, o Parlamento
começa a votar o orçamento na especialidade. Na sexta-feira passada, assim que
acabou a visita do presidente angolano João Lourenço a Portugal, o
primeiro-ministro deu uma longa conferência de imprensa sem assunto
pré-determinado onde os jornalistas que aparecessem podiam colocar as perguntas
que entendessem. E hoje devemos ouvir Costa a repetir as mesmas respostas que
deu na sexta-feira. A máquina da propaganda está em marcha. A campanha
eleitoral já começou.
Se por um lado o
primeiro-ministro revela uma enorme segurança - lembram-se do último
primeiro-ministro que deu uma conferência de imprensa assim, livre e sem
limites de perguntas nem de tempo? -, por outro prova que o discurso eleitoral
está feito, preparado e blindado. Costa tem a conversa decorada, as garras
afiadas e os adversários identificados.
A campanha eleitoral está aí, mesmo
que o Orçamento do Estado ainda não tenha sido aprovado. Enquanto todas estas
iniciativas estavam em marcha, os socialistas realizavam as suas jornadas
parlamentares em Portimão, no Algarve, durante o fim-de-semana. António Costa
foi lá dizer aos parceiros de esquerda para não sentirem “a
tentação de apresentar propostas para eleitor ver”. Na sexta-feira já
criticara o Bloco de Esquerda por ter como objetivo "não o combate à
direita, mas enfraquecer o resultado eleitoral do PS". Já se percebeu há
meses qual é, para já, o alvo dos socialistas à sua esquerda.
Ao mesmo tempo, também no Algarve,
Carlos César ensaiava o discurso da maioria absoluta: a
direita “perdeu a cabeça” e a esquerda está “pouco preparada para a governação”,
disse aos deputados no encerramento das jornadas parlamentares. Esta
quinta-feira, dia 29, o Parlamento aprovará o Orçamento do Estado e António
Costa fará o discurso de encerramento. A seguir, todos os partidos estão livres
para começar a luta do novo ciclo. Todos em campanha até outubro de 2019.
OUTRAS NOTÍCIAS
António Costa continua a ser
António Costa. Ana Sá Lopes assina o editorial no
Público onde evidencia a falta de empatia do primeiro-ministro. "Foi
por falta de empatia que Costa reagiu como reagiu aos incêndios do ano passado,
foi por falta de empatia que quando abriu pela primeira vez a boca para falar
da queda da estrada de Borba, depois de vários dias em silêncio, o que lhe
ocorreu dizer foi que não havia 'evidência de responsabilidades do
Estado'". Não é uma embirração de jornalistas. Há um padrão. O próprio
Marcelo Rebelo de Sousa - o sr. empatia - já o tinha notado ontem, com uma
declaração meio jurídica, mas que tem tudo de política e até pessoal. O
Presidente foi a Borba, o primeiro-ministro não foi, e se Costa
acha que o Estado não tem responsabilidades, Marcelo
acha que sim e explica-o, como noticiou ontem aqui a Ângela Silva: "O
professor de Direito e o aluno. Marcelo e Costa em fricção sobre Borba".
Se o caso de Borba vai continuar
a fazer correr tinta, também o dosestivadores do Porto de Setúbal, que reúnem
pela primeira vez esta segunda-feira com o Governo. A ministra do Mar, Ana
Paula Vitorino, convidou este domingo 13 entidades para aquela que será a
primeira reunião entre o Governo, a administração do Porto de Setúbal e os
sindicatos para discutir a situação dos estivadores.
As votações do Orçamento do
Estado na especialidade começam hoje. As principais incógnitas são as
carreiras dos professores e o IVA das touradas - que vão continuar a dar que
falar até porque o PS está a preparar um diploma para haver touradas
sem sangue - mas também a possibilidade de a Autoridade
Tributária passar a dispor de dados que estão apenas na posse do Banco de
Portugal: se depender dos deputados do PS, a proposta do Bloco de Esquerda
pode ser aprovada, para controlar os contribuintes que aderiram a três perdões
fiscais que permitiram legalizar seis mil milhões de euros escondidos no
estrangeiro e amnistiaram os crimes fiscais associados. Resta saber o que pensa
António Costa.
Qual é a parte do não há dinheiro
que ainda não perceberam? Todas somadas, as propostas da oposição valem €5,7
mil milhões, diz o Governo. Mas a margem para cedências não
ultrapassa os €50 milhões.
Afinal, a Santa Casa da
Misericórdia chegou a estar com um contrato preparado para entrar no Montepio,
com uma primeira tranche de 170 milhões de euros para ficar com 9,18% do
capital, avança o Jornal
de Negócios. Em Dezembro de 2017, há apenas um ano, havia um esboço do
contrato de compra de acções com data, preço, pormenores. Mas o negócio havia
de cair pelo lado político.
Enquanto o Governo festeja os
seus sucessos, há uma frente negra que continua a ser notícia. A CP
continua sem soluções e agrava-se a crise na ferrovia. Todos
os dias há comboios suprimidos e outros que somam atrasos porque o
material está encostado nas oficinas. Medidas anunciadas tardam em
concretizar-se e empresa não está preparada para enfrentar o pico de procura do
Natal, escreve o Público.
Há políticos que rapidamente
entregam todo o capital de que dispunham. Graça
Fonseca, a ministra da Cultura, depois das declarações sobre as touradas e
a civilização, manifestou alívio por não ler os jornais portugueses há quatro
dias. Detalhe: é a ministra que tutela a comunicação social...
O Exército aceitou candidatos
com nota negativa para o curso de sargentos dos quadros permanentes,
noticia o Diário de Notícias. O curso iniciou-se há poucas semanas na Escola de
Sargentos do Exército, que Marcelo Rebelo de Sousa visita esta segunda-feira.
Não é de hoje, mas de
sexta-feira: se ainda não leu, veja este belíssimo texto do Bernardo
Ferrão sobre a sua experiência pessoal e recente nos hospitais: "Como
eu ganhei o Euromilhões no SNS."
O realizador italiano Bernardo
Bertolucci morreu aos 77 anos de doença prolongada. Foi autor de
filmes como O Último Tango em Paris, Os Sonhadores ou O Último Imperador que
lhe valeo os óscares de melhor realizador e melhor argumento adaptado em 1987.
O Presidente da Ucrânia propôs a lei
marcial depois da captura de navios pela Rússia. E com a escalada
de tensão o Conselho de Segurança da ONU reúne hoje de emergência.
O México vai deportar 500 migrantes da caravana que está a caminho dos Estados Unidos da América, por terem tentado atravessar a fronteira "de forma violenta", disse o ministro do Interior mexicano.
As autoridades indianas estão a enfrentar dificuldades para recuperar o corpo de John Chau, o missionário norte-americano morto por uma tribo remota do Índico.
Na Nova Zelândia, 145 baleias deram à costa. As autoridades ainda estão a tentar salvar cerca de metade que estão vivas, mas é uma tarefa difícil e prepararam-se para eutanasiar os animais para lhes pôr fim ao sofrimento.
O México vai deportar 500 migrantes da caravana que está a caminho dos Estados Unidos da América, por terem tentado atravessar a fronteira "de forma violenta", disse o ministro do Interior mexicano.
As autoridades indianas estão a enfrentar dificuldades para recuperar o corpo de John Chau, o missionário norte-americano morto por uma tribo remota do Índico.
Na Nova Zelândia, 145 baleias deram à costa. As autoridades ainda estão a tentar salvar cerca de metade que estão vivas, mas é uma tarefa difícil e prepararam-se para eutanasiar os animais para lhes pôr fim ao sofrimento.
FRASES DO DIA
"Deputados deviam assumir
com mais rigor a sua função", diz o constitucionalista Jorge Miranda ao
Negócios.
"Uma coisa ótima de estar em
Guadalajara há quatro dias é que não vejo jornais portugueses", afirmou a
ministra da Cultura, Graça Fonseca.
"Rio terá de deixar a
política se culpa no processo da escarpa ficar comprovada", avançou o
ex-vereador Paulo Morais numa entrevista ao Jornal de Notícias.
"Não foram os problemas que
desapareceram. Foram os moderados que desistiram de procurar soluções",
escreve o social-democrata Miguel Pinto Luz no Público.
MANCHETES DO DIA
Público: "Governo não
resolve crise na CP e supressão de comboios agrava-se"
JN: "Escolas só reaproveitam
10% dos manuais usados"
Correio da Manhã: "Berardo
deixa buraco de 280 milhões na Caixa"
i: "Braga. Tribunal liberta
núcleo duro de gangue violento"
Negócios: "Santa Casa teve
contrato para pôr 170 milhões no Montepio"
O QUE ANDO A LER
Todos os anos vou como um
peregrino ao Festival de BD da Amadora (que este ano foi entre 26 de outubro e
11 de novembro) para completar coleções, comprar novidades ou descobrir antiguidades,
mas desta vez saí de lá mais surpreendido do que o costume com um livro: não
levei só heróis habituais como o Corto Maltese, o Árabe do Futuro ou um Paul
Auster no saco das compras, mas também monges de clausura visitados por um
autor português com raizes no Alentejo que vive em Londres e tem dúvidas
existenciais sobre Deus e a religião: Deserto/Nuvem(editora Chili com
Carne) é uma novela gráfica original. Primeiro, porque é dois livros num só,
que começam em cada uma da capas, ou melhor, em cada uma das contracapas: Deserto é
sobre as visitas do autor, Francisco
Sousa Lobo, ao Convento da Cartuxa, e a relação com os poucos e velhos
monges com votos de silêncio que ainda lá vivem; Nuvem dá forma a 20
cartas de caráter sobretudo filosófico enviadas a um monge cartuxo; a ligá-los,
uma planta desdobrável do convento dá ao livro uma textura de velho incunábulo,
de lombada cosida à mão. É um belo objeto.
Mas não só. Sousa Lobo leva-nos
em visita aos claustros, aos hábitos dos monges, à rotina e à perplexidade:
seja-se religioso ou não, aquelas vidas suprimidas pelo silêncio naqueles
espaços deixam-nos incrédulos. "Abdicam do humano em favor do
etéreo?", questiona o desenhador (e arquiteto) numa das cartas. O próprio
autor está em cima do muro entre os crentes e os não crentes, mas tenta
compreender o ponto de vista dos enclausurados e exprime um assombro perante
aquela resiliência e desistência da vida comum: "Há uma nuvem entre mim e
os monges, uma admiração profunda deste lado", escreve. Francisco Sousa
Lobo ganhou o prémio para o Melhor Álbum Português de BD em 2018. Percebe-se
porquê. É merecido.
Mas nem só com novidades me
deixei surpreender. A Cidade de
Vidro (Asa), do escritor nova-iorquino Paul Auster - com
desenhos de Paul Karasik e David Mazzucchelli - já foi editado em 2006, mas só
o li agora. É a história de uma obsessão que leva a uma loucura, e que acaba
como libertação. Um escritor de policiais torna-se num dos seus próprios
personagens e aceita uma missão para investigar um caso estranhíssimo -
inverosímil mas verdadeiro - que se torna a sua verdadeira vida. O próprio Paul
Auster, autor do argumento, aparece a meio desta narrativa que não sei por que
razão levei tantos anos a descobrir. É um pequeno grande livro (com destaque
para o prefácio de Art Spiegelman, o célebre autor de Maus).
Riad Sattouf é o Árabe do
Futuro (Teorema), um cartonista meio francês meio sírio que em 2014 editou
o primeiro volume de uma novela gráfica onde conta a sua própria biografia -
muito ao estilo precursor de Persépolis, a obra de Marjane Satrapi que já ficou
famosa sobre a experiência de crescer no Irão dos ayatollas. Em Portugal, já
vamos no terceiro volume do testemunho de vida desta uma criança de mãe
francesa e pai sírio, que passa pela Líbia de Kadhafi e depois pela Síria de
Bashar al-Assad, nos anos oitenta, com cruzamentos e viagens a Paris - onde se
espanta com a civilização.
A viver hoje em Paris - o autor
chegou a ser cartonista do Charlie Hebdo -, Riad
Sattouf só começou a publicar a história depois da morte do seu pai,
talvez a personagem mais forte dos livros: era um árabe moderno, ou era o que
parecia no início desta série de novelas gráficas, mas quando regressou à sua
aldeia Natal na Síria com a família, começou a mostrar-se dividido entre a
tradição e a modernidade. As condições de vida eram uma tragédia mesmo para um
professor universitário como o pai de Riad, mas eram sobretudo uma catástrofe
para a sua mulher parisiense que nem um fogão conseguia ter, a não ser depois
de obrigar o marido a comprar um aparelho em contrabando.
A realidade violenta nas escolas,
a forma como as famílias funcionam - homens que assassinam as filhas solteiras
que engravidam - a procura de um patrocinador no regime para subir na carreira,
o ódio aos judeus como inimigos e demónios desde a infância, está tudo lá. Não
é só uma biografia. É uma reportagem em três livros profundamente políticos.
Para terminar, uma edição de luxo
de um clássico pela Arte de Autor, que já tinha colocado nos escaparates uma
belíssima versão de A Balada do Mar Salgado: Corto Maltese a
preto e branco, neste caso, o terceiro volume desta coleção, "Sempre
um pouco mais longe", a tradução do italiano, de cinco histórias
exóticas do aventureiro nos trópicos da América do Sul. Seja como for, Corto é
sempre Corto.
Hoje fico por aqui. Espero que
tenha uma boa segunda-feira e uma excelente semana.
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