quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Portugal | Habituados a esticar a corda


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

Importa antes de entrar no assunto dos deputados-fantasma, referir que a maioria não terá os comportamentos pouco ou nada éticos que perpassa toda a comunicação social.

No entanto, existe quem, sem qualquer espécie de pudor até por estar habituado a esticar a corda - a paciência dos cidadãos -, consiga estar em dois lados ao mesmo tempo, deixando deuses roídos de inveja.

Agora é a vez de um deputado do PS, Nuno Sá, que passou um dia em Famalicão, primeiro em visita a uma fábrica e depois, com a família, a assistir a marchas, e ao mesmo tempo esteve no Parlamento. Pelo menos é o que o deputado garante, mesmo perante os seus posts no Facebook a documentar o dia passado em Famalicão e mesmo perante a ausência de imagens do deputado no Parlamento.

Ainda assim, Nuno Sá afirma que abandonará o cargo caso seja confirmada alguma irregularidade, apesar da inexistência de diligências para aferir ou não essas irregularidades.

Mais: no princípio deste ano, Carlos César, Presidente do Partido Socialista e líder da bancada parlamentar asseverava que jamais aceitaria situações envolvendo as já tão famosas presenças-fantasma. Até se poderia dizer que no melhor pano cai a nódoa, mas nem sequer é o caso. 

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

Portugal | Coletes amarelos: esquerda, direita... ou nem por isso?


Em Portugal o "fenómeno" parece que pegou nos amarelos de colete, como em França e na Bélgica. Amanhã, sexta-feira, é o dia deles quererem "Parar Portugal", manifestam-se em 14 cidades, segundo é afirmado na comunicação social. Saber o que dizem pretender com esta ação pode ser muito diferente daquilo que na realidade têm em fito os organizadores e aderentes. Estes amarelos são de esquerda, de direita ou nem por isso? Alegam-se independentes? São simples cidadãos explorados e oprimidos? São da classe média, de camisa e gravata ou provenientes da ferrugem e da caliça? Populistas "encomendados"? Não sabemos. Pensamos que ninguém sabe, excepto eles, os organizadores.

O que dá para pensar é porque razão estes "organizadores" não se manifestaram visivelmente com semelhante ímpeto contra o governo troiquiano do ultraliberal do PSD/CDS, de Passos Coelho/Paulo Portas. Que isso dá para pensar não duvidamos. A nebulosa persiste e por tal "nunca fiando", ao menos para já. Veremos lá mais para a frente.

Aleatoriamente trazemos ao PG uma peça jornalística do Negócios, de que pode desfrutar a seguir. Não sem antes fazer notar que a comunicação social corporativista que temos lido se empenhou com ganas em divulgar por tudo, por nada e por "palha" este movimento "amarelo". Muito mais que, comparativamente, com a manifestação da TSU nos tempos quase neofascistas de Coelho/Portas/Cavaco... Tal observação e conclusão também é de fazer desconfiar acerca do que move a "Organização Amarela". É que nesse malfadado tempo tudo era bem pior e a sobrevivência de milhões estava realmente em sério risco,  com vidas em risco por via dos "cortes" do governo de má memória, principalmente os mais carenciados (número que cresceu a milhões). Não há semelhança com o caso atual. Apesar de o governo em Portugal não ser "perfeito" é mil vezes melhor que os troicanos proneofascistas daquela tão terrível época do passado recente.

De notar que aparentemente as reivindicações propaladas pelos coletes amarelos parecem minimamente justas e de acordo com maioria de pensamentos e vontades dos portugueses (caçar incautos?), contudo notamos também que Hitler e outros energúmenos da direita e  da extrema direita (outros populistas) recolheram assim os seus apoios para depois tornar as vidas dos povos num inferno. É sempre muito útil não esquecer tais pormenores. Como soi dizer-se: "Gato escaldado até de água fria tem medo".

Vamos ver o que isto dá. Era muito bom sabermos com rigor quem são os tais "amarelos" que surgiram quase do nada ou mesmo do nada. Vejam também a peça que dispomos a seguir, do Negócios. Pelo PG manifestamos o nosso sorriso amarelo, à cautela. (PG)

As oito reivindicações dos "coletes amarelos" portugueses

Inspiram-se no exemplo francês, garantem que são apartidários e pacíficos e exigem mudanças em áreas que vão desde o valor do salário mínimo nacional ao combate à corrupção. Esta sexta-feira, querem parar Portugal desde as 07h00.

As redes sociais, principalmente o Facebook e o WhatsApp, foram a plataforma usada por grupos de cidadãos de todo o País para criarem um movimento inspirado nos "coletes amarelos" de França. As várias manifestações, debaixo da bandeira "Vamos Parar Portugal", começam logo às 07h00 desta sexta-feira e já colocaram as autoridades em alerta, com a PSP a suspender folgas para reforçar a prevenção em todo o País, refere a Sábado.

Os organizadores garantem que são um grupo pacífico, que pretende alertar para os problemas do País. E divulgaram uma missiva que apresenta as suas oito reivindicações, onde exigem aumentos em várias áreas e também combate à corrupção.

No comunicado divulgado nas redes sociais, o Movimento dos Coletes Amarelos Portugal define-se como "pacífico, apartidário, sem fins lucrativos, de união e apoio a todos os grupos e indivíduos" que estejam "insatisfeitos com os variados problemas de actualidade" do País. Mais, esperam que estes grupos estejam "dispostos a protestar até que os mesmos [problemas] estejam resolvidos".

E que problemas são esses? No topo das exigências aparece a redução de taxas e impostos, como o IVA e o IRC, o "fim do imposto sobre produtos petrolíferos" (ISP) e "a redução para metade do IVA sobre combustíveis e gás natural". O MCAP pretende ainda a "redução das taxas sobre a electricidade, com incidência sobre as taxas de audiovisual e de emissão de dióxido de carbono". Neste primeiro ponto, exigem também a "concessão de incentivos, fiscais e outros, para as micro e pequenas empresas poderem pagar, com a correspondente taxação às grandes empresas e multinacionais, com base na sua margem de lucro.

No segundo ponto, é defendido o aumento do salário mínimo nacional para os 700 euros, sendo que a solução apresentada para sustentar esse valor é um "corte nas pensões acima de 2 mil euros." Um novo corte nas pensões, desta vez nas "milionárias acima de 5 mil euros", como o movimento as apelida, é a sugestão dada para atingir outro objectivo: o aumento do valor do subsídio de emprego e do seu tempo de duração.

No quarto ponto, surgem as alterações às pensões e reformas. O movimento exige que a pensão mínima suba para os 500 euros, voltando a defender que o meio para atingir o referido fim são os cortes nas pensões já antes referidas e de valores elevados. Neste caso, também a actividade política fica na pira do MCAP: "reforma para os políticos aos 66 anos de idade como, aliás, o restante dos portugueses, atento [sic] à premissa que ‘a política não é uma carreira’" e "fim imediato/corte das subvenções vitalícias para políticos".

No quinto ponto, aparece uma das "bandeiras" do movimento, que exige a adopção "imediata de medidas visíveis e expressas de combate contra a corrupção no Governo, na Administração Pública, nos serviços públicos" e nos sectores "empresarial e bancário". Segundo as contas do MCAP, as consequências da actividade criminosa económico-financeira custam "18 mil milhões de euros aos contribuintes" por ano. Deste modo, defendem a "criação de Código Penal mais rigoroso" e a criação de "unidades especializadas independentes na prevenção e combate à corrupção".

A actividade política é novamente escrutinada, defendendo-se que os políticos se passem a reformar aos 66 anos, que se reduza o número de deputados na Assembleia da República e que se adoptem "sistemas biométricos/leitura óptica/etc para registo de assiduidade/presença no Parlamento", numa alusão aos recentes casos de parlamentares com presenças-fantasma em plenário.

Além disso, este grupo de cidadãos quer também que haja uma averiguação imediata dos casos das "falsas moradas dos deputados com obrigação de reembolso". "Acabar com as mordomias de toda a classe política portuguesa" é o tópico que fecha o combate à corrupção.

Serviço Nacional de Saúde também entra na lista de preocupações dos "coletes amarelos" portugueses, que consideram que este "não consegue, actualmente, prestar um serviço de qualidade, uma vez que é completamente manipulados pelos lobbies da indústria farmacêutica e da clínica privada". Ainda assim, o movimento assume que se trata de um problema "profundamente enraizado no sistema económico global". Na sua missiva, os "coletes" pedem o fim da "prática antagónica existente entre as necessidades do doente e os lucros da indústria farmacêutica, entre o valor de uso e o valor de troca dos medicamentos, face ao poder de compra dos portugueses". O movimento deseja que, estas medidas, ajudem a "impedir o enriquecimento pessoal de políticos que servem os interesses da indústria farmacêutica".

O MCAP acusa "os sucessivos governos incompetentes" de terem destruído os sectores primário e secundário, "importantes pilares da Nação." Para o sector primário, defendem-se condições para que "a produção e exportação das matérias-primas passem a ter um valor agregado", como acontece por exemplo os produtos industrializados, "com o devido controlo da qualidade de produção, através da exploração de verdadeiros recursos da natureza."

No caso do sector secundário, o MCAP lembra que "países com um bom grau de desenvolvimento possuem uma significativa base económica concentrada no sector secundário", como tal, a exportação destes produtos "também poderá gerar riqueza para a indústria nacional".

O caderno de reivindicações fecha com medidas referentes ao direito à habitação e à luta pelo fim da crise imobiliária. O grupo quer "acabar com a especulação imobiliária" e reverter a penhora de imóveis, por parte da banca, "a famílias com rendimentos abaixo dos 10 mil euros por ano".

Negócios

Moçambique | Fotojornalista detido em Cabo Delgado promete ação contra militares


O fotojornalista Estácio Valói disse à DW que, junto com o pesquisador David Matsinhe e o seu assistente, pretendem processar os militares que os detiveram por dois dias na província de Cabo Delgado, em Moçambique.

Em Moçambique, o fotojornalista Estácio Valói, o pesquisador David Matsinhe e o seu assistente foram libertados nesta terça-feira (18.12) à tarde. Os três estiveram sob custódia militar por cerca de 48 horas na província nortenha de Cabo Delgado, depois de terem estado a trabalhar na região entre os distritos de Palma e Mocímboa da Praia.

Entretanto, o equipamento de trabalho e os telemóveis apreendidos pelos militares não lhes foram devolvidos. Os visados ponderam entrar com uma ação contra a brigada militar em causa por violação dos seus direitos.

DW África: Pode nos narrar as circunstância em que foram detidos?

Estácio Valói (EV): Fomos detidos em emboscada pelas Forças de Defesa Nacional, isto a 15 quilómetros de Palma, na estrada principal. Quando nos aproximamos, um grupo de mais de 20 militares mandaram-nos parar, apontando as armas todas, vieram cá e mandaram-nos sair de forma agressiva: "Saiam do caro, saiam do carro! Estávamos à vossa procura. Temos ordens dos nossos superiores, os mesmos que disseram que vocês poderiam ir a Chitolo, são os mesmo que disseram para que nós vos interpelássemos aqui”. Tinham armamento por todo lado. Cercaram o carro e tivemos que descer. A primeira coisa que eles disseram foi "mostrem as vossas câmeras; onde é que estão os vossos computadores?”.

Foram diretamente às minhas câmeras, confiscaram também o meu computador. Na mesma altura, ainda tínhamos os telefones nas mãos, exibíamos a credencial, a qual entregamos a eles. Ao mesmo tempo, vinha outro batalhão com mais de 30 militares e por detrás deles vinha o comandante-geral daquela área num dos blindados. Quando ele chegou, o cenário piorou. Disse-nos: "Vocês são pessoas não bem-vindas”. A seguir, dois militares entraram no nosso carro, porque estava eu, o David Matsinhe, da Amnistia Internacional, mais um assistente nosso, que é também o motorista. Levaram-nos dali de volta à Escola Primária de Quelimane. Quando lá chegamos, voltaram-se para nós e disseram que tínhamos que mostrar o que estava nos telefones. Nós recusamos e um dos capitães veio e disse: "Aqui vocês não têm direito nenhum. Vamos retirar todos os vossos direitos. É bom que nos deem as passwords dessas máquinas todas, caso contrário, aqui nós não brincamos com ninguém”. Ele continuou: "Aqui vocês vão morrer, porque esta zona está sob nossa proteção. Vão morrer e não vão saber como é que morreram e porque é que morreram”.

DW África: A informação que nos chegou através da imprensa e das agências de informação indica que Estácio Valói viajou na companhia de três jornalistas estrangeiros. Confirma isso?

EV: Não são exatamente três jornalistas estrangeiros. O único jornalista que lá estava sou eu. Temos o investigador da Amnistia Internacional, que é o David Matsinhe, e um dos nossos assistentes, que é motorista. Éramos nós três.

DW África: Sabe se o Matsinhe tinha autorização para fazer pesquisas para a Amnistia Internacional?

EV: O Matsinhe tinha autorização para fazer pesquisa a convite do Centro de Jornalismo de Investigação de Moçambique. Nós não fomos lá para fazer um trabalho para a Amnistia Internacional. O doutor Matsinhe é um académico, um pesquisador na área social. Então, como nós viemos olhar para a área social, achamos melhor convidá-lo para que se juntasse ao Centro de Jornalismo de Investigação de Moçambique, ao qual ele atendeu e veio cá e fomos juntos fazer isso.

DW África: A título pessoal, não em nome da Amnistia Internacional?

EV: Sim, veio a título pessoal, sim. Não em nome da Amnistia Internacional.

DW África: Os vossos equipamentos não vos foram devolvidos, que medidas tomaram visando a recuperação desse material?

EV: Temos alguns advogados que vão entrar em contato com o Ministério do Interior, porque foi isso o que eles disseram: "Querem o vosso equipamento? Vão ter que esperar. Contatem o Ministério do Interior”. Ou seja, o mesmo Ministério do Interior que nos autorizou a entrar em Chitolo. Então agora estamos nesse processo todo.

DW África: Face a esta atuação duvidosa das Forças de Defesa e Segurança, têm intenção de entrar com uma ação contra esses militares?

EV: Essa é uma questão que não podemos descorar. Sim, nós vamos entrar com uma ação contra estes militares, porque achamos que estamos num Estado de direito. Muito mais além do que é a liberdade de imprensa é a de expressão. E o tratamento que nós tivemos foi de ameaça de morte.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

Nyusi indulta 1498 reclusos porém ignora mais de 2 mil detidos ilegalmente em Moçambique


Pela segunda vez na nossa história o Presidente Filipe Nyusi decidiu “indultar 1498 cidadãos condenados”, no entanto ignorou que nas superlotadas cadeias de Moçambique existem mais de 2 mil reclusos em prisão preventiva ilegal.

À falta de novidades para apresentar à Nação e numa evidente tentativa de reduzir a população prisional, que excede em mais de 350 por cento a sua capacidade, o Chefe de Estado voltou a recorrer ao populismo. “(...)movido pelo espírito de humanismo e compaixão, o respeito e protecção da pessoa humana, e pela solidariedade que caracteriza o Estado de Direito democrático e a sociedade moçambicana, e os moçambicanos em geral, movido pela firme convicção da capacidade de regeneração, reabilitação e reinserção do Homem, princípios e valores fundamentais imanentes da política criminal do país, e movido pelo espírito de clemência, mais uma vez ao abrigo da alínea i do artigo 159 da Constituição da República de Moçambique, já pela segunda vez, decidimos, no âmbito da nossa governação inclusiva, pensamos naqueles nossos irmãos que apesar de terem em algum momento prevaricado hoje buscam o caminho da redenção e da ressocialização através de medidas de reabilitação bem sucedidas e implementadas pelo nosso sistema penitenciário, tomamos a decisão de indultar 1498 cidadãos condenados, constante da lista devidamente elaborada depois de um trabalho profundo e especializado”.

Quando apresentou o seu 1º Estado da Nação o Presidente Nyusi também indultou 1000 reclusos, todavia sem problemas de reinserção e à falta de oportunidades de emprego uma parte significativa regressou ao crime tendo as autoridades policiais reportado a detenção de vários deles poucos meses depois.

Não são conhecidos os critérios objectivos que conduziram a lista dos presos que serão indultados no entanto teria sido mais simples a equipa presidencial começar por tirar dos estabelecimentos prisionais os mais de 6 mil reclusos que se encontra-se em situação de prisão preventiva e dentre os quais a Ordem dos Advogados identificou pelo menos 2.251 está em situação de detenção ilegal.

Adérito Caldeira | @Verdade

Angola | Cânticos natalícios


Luísa Rogério | Jornal de Angola | opinião

O tempo fez a sua parte. Correu célere. Registamos acontecimentos inolvidáveis. Há quem diga que vivemos um ano histórico em Angola. O resumo é aliciante. Os telejornais rivalizam com telenovelas e com o rei futebol. Mesmo sem o suporte de sondagens tecnicamente sustentadas os indicadores informais sugerem que a política doméstica lidera as audiências. Mas as questões sociais não ficam muito atrás. Angola fala e as makas nossas de cada dia se repercutem antes do amanhecer seguinte. Na “new media”, nas conversas ao pé da orelha que perfazem, na verdade, a rede social mais antiga do mundo, os assuntos do ano esquentaram o ambiente.

Em todo caso, os balanços são ainda precoces. Num país como o nosso, onde os acontecimentos superam a velocidade de implacáveis furacões, é recomendável esperar-se pelos derradeiros dias do ano para fazer avaliações definitivas. A anunciada entrevista colectiva do Presidente João Lourenço, marcada para sexta-feira (20), promete esquentar o ambiente político. Ou talvez não. Aqui ao lado, na República Democrática do Congo, as eleições gerais têm lugar no domingo. Crentes e agnósticos, cada um a seu modo, convocam santos, intercessores e analistas em busca de sinais de estabilidade. Auguramos que o bom senso vença as incertezas. Entretanto, o Natal está às portas.

A árvore está montada. A cidade engalanada parece outra, sobretudo à noite quando as luzes se acendem. O trânsito menos complicado não se compara à azáfama dos anos que precederam a persistente crise económica. Praticamente ninguém corre atrás de cabaz nenhum porque agora quase nada é dado. Só a esperança de Angola deixar de ser o país do futuro adiado é renovada de graça. Em tempo de mudança é primordial resgatar também o verdadeiro espírito da festa motivada pela comemoração do nascimento de Jesus Cristo que, segundo os anais, terá iniciado há mais de mil e seiscentos anos no dia 25 de Dezembro. 

Vivemos a época da celebração do nascimento de Jesus Cristo, instituída pela Igreja Católica no ano 350, por intermédio do Papa Julio I. Apesar de a Bíblia não precisar o dia de nascimento da figura que deu origem ao Cristianismo, a data é feriado em quase todo mundo cristão. É cada vez mais frequente ver-se em países não cristãos a árvore de Natal, um dos símbolos maiores da festividade, se calhar, em respeito ao costume que transcende barreiras religiosas. Há a inegável componente mercantilista, quase tão antiga quanto a humanidade. Independentemente do poder de compra e de ostentação das famílias o Natal tende a ser um pretexto bom de reencontro familiar para a maior parte dos cristãos e até ateus. 

O espírito natalino é oportunidade de ouro para se apregoar a paz. Diz-se, com alguma razão, que o diabo anda à solta entre nós. A violência atinge números assustadores. A morte de mulheres e meninas mobiliza a sociedade. Embora não se restrinja à camada feminina é certo que esta continua a ser vulnerável. As estatísticas não mentem. Morrem infinitamente mais mulheres do que homens devido à violência doméstica. Os algozes geralmente moram muito perto. Amorosos maridos, namorados ou ex-companheiros de sonho transformam-se em algozes cruéis. Matam friamente. Às vezes de maneira premeditada. Negam, negam e negam ao ponto de surpreender psicopatas cadastrados. Quando assumem, justificam a barbárie com motivos passionais. Ou seja, evocam verdadeiras razões que a razão desconhece. Desgraçadamente, há quem os apoie em nome do hediondo princípio de lavagem da honra com sangue.

Como falar tranquilamente sobre a montagem do Presépio, da “caça” do musgo e de todos momentos felizes que nos remetem para o passado? A zungueira que vendeu o pinheiro artificial de formato triangular foi selvaticamente espancada. Mãe e filha que encontravam na venda ambulante o sustento da sobrevivência foram assassinadas, apenas uma semana depois de uma menina ter perdido a vida em circunstâncias igualmente trágicas. Para os familiares e amigos próximos das vítimas da violência o Natal será uma reunião marcada pela tragédia. Provavelmente, a ceia não terá os mesmos condimentos. Os lamentos vão substituir os cânticos que exaltam a “noite de paz” em que “cantam anjos em redor”. O grito de revolta tem que ecoar alto na marcha contra a matança de mulheres convocada para domingo, 23 de Dezembro. Depois, da marcha talvez sobre ânimo para comemorar a quadra natalícia e finais felizes.

Angola | Problema: Repatriados regressam às zonas diamantíferas


Estrangeiros ilegais que abandonaram áreas de garimpo na Lunda-Norte, no quadro do processo de repatriamento voluntário, estão a regressar de forma clandestina, denunciaram ontem as autoridades tradicionais do povoado de Macuia, em Calonda, município do Lucapa.

À imprensa, à margem da visita que o governador da Lunda-Norte, Ernesto Muangala, efectuou àquela região para constatar o andamento da “Operação Transparência”, os sobas Alberto Ndjimi e Cassacala Ngunda confirmaram que os estrangeiros identificados como cidadãos da República Democrática do Congo (RDC) continuam a regressar e, no período nocturno, fazem o garimpo, com  o patrocínio dos chamados “boss” e com a conivência de agentes da ordem destacados no local. 

Os sobas, citados ontem pela Angop, pedem às autoridades competentes a tomada de “atitudes mais sérias e responsáveis”, denunciando que têm sido vítimas de maus tratos de invasores estrangeiros. O director do Gabinete Provincial dos Recursos Minerais, Hermenegildo Gomes,  que integrou a comitiva do governador provincial, confirmou haver já zonas livres de  garim-po, o que representa que a “Operação Transparência” continua a combater pequenos focos de garimpeiros.

De iniciativa do Executivo, a “Operação Transferência” prevê expulsar do país todo o estrangeiro em situação migratória irregular e aquele que financia a exploração ilegal de diamantes, além de punir os cidadãos nacionais que auxiliam a imigração ilegal, pondo em risco a soberania angolana e a economia nacional. 

O Governo reafirmou o desafio de combater a imigração ilegal, exploração e tráfico ilícito de diamantes até 2020, com a execução da "Operação Transparência", assumida pelos órgãos de Segurança e ordem interna.

Depois de reorganizar a exploração semi-industrial,  o Governo passará o processo aos angolanos, sobretudo jovens da província, para reduzir o desemprego daquela faixa etária.

Jornal de Angola

De quem é Emanuel Macron devedor?


Thierry Meyssan*

Apresentam muitas vezes o Presidente Macron como um Rothschild Boy. É exacto, mas acessório. Thierry Meyssan mostra que ele deve a sua campanha eleitoral sobretudo a Henry Kravis, o patrão de uma das maiores sociedades financeiras globais, e à OTAN; uma enorme dívida que pesa hoje em dia sobre a solução da crise dos Coletes Amarelos.

Emmanuel Macron não estava destinado à política. Jovem, pensava tornar-se filósofo, depois alto-funcionário, depois banqueiro de negócios. Para atingir os seus fins, ele frequentou as fadas madrinhas do Tio Sam : a French-American Foundation e o German Marshall Fund dos Estados Unidos.

Foi neste quadro, que ele reencontrou Henry e Marie-Josée Kravis na sua residência de Nova Iorque [1]. Os Kravis, apoiantes indefectíveis do Partido Republicano dos EUA, contam-se entre as grandes fortunas mundiais que jogam à política fora do holofote da imprensa. A sua firma, KKR, é, junto com a Blackstone e o Grupo Carlyle, um dos principais fundos de investimento no mundo.

«A curiosidade de Emmanuel pela can do attitude, essa capacidade em dizer-se a si mesmo que se queremos podemos, era fascinante. Mas há uma vontade de saber, de compreender o que acontece, sem no entanto imitar ou copiar, que o faz permanecer muito francês», declara agora Marie-Josée Drouin (Madame Kravis) [2].

Munido com a dupla recomendação dos Kravis e de Jean-Pierre Jouyet [3], ele integra o circulo fechado da equipa de campanha de François Hollande. Num “e-mail” dirigido à Secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, o Director da planificação política, Jake Sullivan, nomeia entre os quatro principais membros da equipa de campanha do candidato socialista, o então desconhecido Emmanuel Macron. Ele precisa que Macron deverá tornar-se Director-geral das Finanças («the top civil servant at the Finance Ministry») [4].

No entanto, assim que François Hollande foi eleito, Emmanuel Macron tornou-se o adjunto do Secretário-geral do Eliseu, uma função mais política. Parece que ele ambicionava suceder a Jean-Pierre Jouyet como director da Caisse des Dépôts et Consignations, cargo que caiu, em Maio de 2014, para o Secretário-geral do Eliseu. Alguns dias depois, ele é convidado para o Clube de Bilderberg sob proposta do casal Kravis. Lá, irá fazer uma violenta intervenção, num inglês perfeito, contra... o seu chefe, François Hollande. De regresso a Paris, demite-se do seu posto.

Os casal Kravis está entre os principais pilares do Bilderberg, do qual Marie-Josée Drouin-Kravis é administradora. Contrariamente a uma ideia feita, o Bilderberg não é um lugar de decisão. Os seus arquivos atestam que foi criado pela CIA e pelo MI6, depois tornou-se um órgão de influência da OTAN, a qual assegura directamente a sua segurança [5]. Tendo a intervenção de Macron sido bem recebida, ele acaba por tornar-se um dos homens da OTAN em França.

Depois de ter deixado a política não deseja voltar mais. Ele explica ao seu séquito, em muitas ocasiões, que pretende tornar-se professor universitário. Com a ajuda do ensaísta Alain Minc (nomeado membro do Bilderberg em 2008), ele obtêm um lugar na Universidade de Berlim e um outro na London School of Economics, mas não consegue ser contratado para Harvard.

Ora, em Agosto de 2014 —três meses após ter «deixado a política»—, é nomeado por François Hollande, sob proposta de Jean-Pierre Jouyet (nomeado membro do Bilderberg em 2009), Ministro da Economia, da Indústria e do Digital.

Num livro aparecido em 2018, François Hollande assegura que esta escolha foi ideia sua [6]. É possível, mas isso supõe que não terá sido informado da intervenção de Macron no Bilderberg. Ora, um dos seus ministros e amiga, Fleur Pélerin havia lá estado como convidada.

Em Dezembro de 2014, Henry Kravis estabeleceu sua própria agência de Serviços Secretos, o KKR Global Institute. Nomeia para a sua chefia o antigo Director da CIA, o General David Petraeus. Este vai prosseguir com os meios privados de Kravis (o fundo de investimento KKR) —e sem informar disso o Congresso— a operação «Timber Sycamore», que o Presidente Barack Obama havia iniciado. Trata-se do mais importante tráfico de armas da História, envolvendo pelo menos 17 Estados e significando várias dezenas de milhar de toneladas de armas, no valor de biliões (bilhões-br) de dólares [7]. Deste modo, Kravis e Petraeus são os principais fornecedores do Daesh (E.I.) [8].

O Presidente do Bilderberg, o francês Henri de Castries, convida o vice-presidente da Câmara (Prefeito-br) de Havre, Édouard Philippe, para a reunião anual, que se realiza dessa vez, em Junho de 2015, na Áustria. Ele será de novo convidado, na Alemanha desta vez, em Maio de 2016. Durante a campanha presidencial em França, Henri de Castries e Édouard Philippe serão apoiantes de François Fillon. Deixá-lo-ão cair quando Jean-Pierre Jouyet [9] forneceu ao Canard enchaîné os documentos financeiros reunidos pela Inspecção das Finanças sobre os empregos duvidosos da Srª Fillon [10]. Os dois aliam-se então a Emmanuel Macron.

Em Abril 2016, Emmanuel Macron funda a sua formação política —“En Marche!”— cujo marketing é decalcado do Kadima !, o partido pretensamente nem-de-direita nem-de esquerda de Ariel Sharon. O seu programa, esse, declina as notas da canção da OCDE [11] e as do Instituto Montaigne, do qual Henri de Castries é o presidente. Foi, aliás, nas instalações do Instituto que ele foi criado. Mas Castries faz crer a Fillon que não apoia Macron e que tal é uma pura coincidência. Ele irá, aliás, fazer-lhe crer durante meses que ele está pronto a ser seu Primeiro-ministro.

Inicialmente, o financiamento do “En Marche!” não é controlado. É uma simples associação que pode receber doações do estrangeiro. Os nomes dos doadores não são transmitidos ao fisco. O arquimilionário Henry Kravis é um deles.

Durante a sua campanha, Emmanuel Macron encontra-se regularmente com o antigo presidente do FMI, Dominique Strauss-Kahn («DSK»). Estas sessões de trabalho serão negadas até serem reveladas pelo Le Parisien, muito mais tarde, o tempo necessário até a sua imagem de pervertido sexual ter sido atenuada. DSK (nomeado como membro do Bilderberg em 2000) traz, ao mesmo tempo, o apoio do Alto-funcionalismo público e do Patronato francês; a aliança sociológica que içara ao colo o regime colaboracionista de Philippe Pétain e que se refundara, nos anos 80, em torno da Fundação Saint-Simon.

Em Junho de 2018, o Ministro da Educação Nacional e da Juventude, Jean-Michel Blanquer foi convidado por proposta de Henri de Castries para a reunião anual do Bilderberg, que se realiza, desta vez, em Itália. Este jurista, especialista em direito constitucional, esteve sempre ligado à ciência política e à pedagogia. Ele foi um dos três directores centrais do Ministério da Educação e, depois, director da prestigiosa École Supérieure des Sciences Economiques et Commerciales (ESSEC). E, já conhecia há muito tempo Castries, que costumava visitar no Institut Montaigne.

Assim que a crise dos “coletes amarelos” começou em França [12], torna-se rapidamente evidente que o problema é profundo e não pode ser resolvido sem pôr em causa a globalização financeira, o que o Presidente Macron não pode fazer. Durante a sua campanha eleitoral, surpreendera os seus doadores, durante um jantar em Nova York, ao por em questão a financiarização da economia. Era pura retórica eleitoral. Foi logo posto na linha pelos Kravis: a financiarização, é o que autoriza as «compras com alavancagem» (leverage buy-out) —(compras alavancadas, ou seja, financiadas com o dinheiro de terceiros- ndT)— as quais lhes permitiram tornarem-se o que são hoje.

Convêm pois que face aos “coletes amarelos”, o Presidente Macron sacrifique o seu Primeiro-ministro, como vítima expiatória, aquando das próximas eleições (as Europeias de Maio de 2019, que estarão já perdidas). Mas, além de ter que aguentar mais cinco meses ainda, por quem substituí-lo ? Quando se deve o financiamento da sua campanha eleitoral e a escolha do seu primeiro-ministro à OTAN, será impensável substituí-lo sem pedir indicação à Aliança. Assim, o candidato ideal para esta posição seria mesmo Jean-Michel Blanquer.

Thierry Meyssan* | Voltaire.net.org | Tradução Alva

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
[1] Este encontro teve lugar provavelmente em 2007. Em seguida, Emmanuel Macron visitou-os por sistema aquando das suas deslocações aos Estados Unidos, enquanto que Henry Kravis o recebia nos seus escritórios da avenida Montaigne quando vinha a Paris.
[2] «Quand Emmanuel Macron découvrait l’Amérique à 29 ans» («Quando E.Macron descobria a América aos 29 anos»- ndT), François Clemenceau, Le Journal du Dimanche, 22 avril 2018.
[3] Jean-Pierre Jouyet é um amigo pessoal de François Hollande e de Nicolas Sarkozy. Dirigiu a Inspecção Geral das Finanças de 2005 a 2007. Era então o superior hierárquico de Emmanuel Macron.
[4] «Hollande Team», e-mail by Jake Sullivan, May 10, 2012. Fonte : Wikileaks.
[5] “O que Você ignora sobre o Grupo de Bilderberg”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Komsomolskaïa Pravda (Rússia) , Rede Voltaire, 23 de Setembro de 2012.
[6] Les leçons du pouvoir, François Hollande, Stock, 2018.
[7] “Milhares de milhões de dólares de armas contra a Síria”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 18 de Julho de 2017.
[8] “Penhorar transnacionais para reconstruir a Síria ?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 14 de Agosto de 2018.
[9] Jean-Pierre Jouyet ficou amigo de Henri de Castries no final dos seus estudos na Escola Normal de Administração (ENA, Promotion Voltaire). Foi lá que eles conheceram François Hollande.
[10] Contrariamente à versão oficial, as informações do Canard enchaînénão são o fruto de uma investigação jornalística. O conjunto do dossier foi fornecido, de uma só vez, ao semanário por Jean-Pierre Jouyet, em violação do segredo fiscal.
[11] A Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico (OCDE) é um dos dos organismos saídos do Plano Marshall. O outro, é a OTAN.
[12] “Como o Ocidente devora os seus filhos”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 5 de Dezembro de 2018.

"Um país rico não pode ter trabalhadores pobres"


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

A frase em epígrafe foi proferida por Pedro Sánchez que anunciou uma subida no salário mínimo de 22%, a maior desde 1977. O que esta frase significa é, no essencial, o reconhecimento que o desenvolvimento dos países não pode ser feito à custa da disseminação da pobreza; o que esta frase tem implícito é o risco que as sociedades correm se deixarem essa pobreza grassar. Sánchez percebeu isto; Macron ainda não, embora, por força das manifestações dos coletes amarelos, tenha vindo a anunciar o aumento do salário mínimo em cem euros.

A pobreza hoje não se fica naquelas franjas mais fragilizadas da população, hoje essa pobreza toca e ameaça atingir o que é considerado a classe média. Os salários baixos, estagnados e sem perspectivas de aumentar, o desemprego e a precariedade, aliados ao constante enfraquecimento do Estado Social, está a acordar essa classe média, com consequências que os franceses vão começando a compreender melhor. Quem aproveita ou até certo ponto promove esse despertar é outra questão que merece também ela profunda reflexão.

Macron não percebeu nem percebe, talvez consequência da sua formação precisamente na banca, que de facto "um país rico não pode ter trabalhadores pobres", não só essa pobreza representa a antítese do desenvolvimento como potencia revoltas. De resto, Macron pertence aos  que apesar de terem criado uma crise viram-se a salvo da mesma, enquanto o ónus dessa mesma crise passou para os Estados e para as suas populações. Pensar que as pessoas esquecem isso é pura ingenuidade.

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

Consumismo, pesadelo sem fim?


Empresas estabeleceram controle orwelliano sobre necessidades e desejos das populações. Em resposta, busca-se agora a experiência social compartilhada

William Mebane, em Other News | Outras Palavras | Tradução: Marianna Braghini|Imagem: Banksy, Caçadores de Carrinhos (2004)

Os primeiros bens genéricos foram aqueles baseados em um único modelo universal. O modelo preto T, da Ford, é o exemplo clássico. A produção em massa permitiu uma enorme economia de escala e com redução de custos nunca antes realizada. A função básica do transporte rodoviário de pessoas foi satisfeita.Mas empresas temiam que, com produtos genéricos, todas as necessidades seriam logo satisfeitas e pouco restaria para produzir. Um primeiro passo para superar isso foi a introdução de mais escolhas, de acordo com a capacidade de compra. Uma grande diferenciação de produtos foi introduzida por meio das diferenças de preço e qualidade.

Os bens serviam a uma mesma função básica, mas uma média muito superior de preços foi possível pela introdução de bens de luxo (de classe alta). Os psicólogos ensinaram a empresários e marqueteiros como condicionar e manipular as emoções e necessidades de consumidores, conseguindo que eles comprassem coisas de que não precisavam. Os produtos poderiam ser propagandeados como se prometessem maior status social, ou sugestionassem uma ansiedade na mente do consumidor e apresentassem um produto que a aliviassem.

As empresas, interagindo com as observações da pirâmide de Maslow, começaram a suprir necessidades mais secundárias por meio de uma variedade de qualidades e preço. Isso seria mais socialmente aceitável se todos tivessem já satisfeito suas necessidades primárias de alimentação, vestimenta, moradia e educação. Obviamente, não era e nem é o caso. Mas com a desculpa de que a maré crescente da economia “levantaria todos os barcos”, foi dada uma atenção limitada ao excesso de bens não primários e serviços que eram produzidos e consumidos. Além disso, as empresas procuravam impulsionar a ascendente mobilidade de bens, passando dos básicos aos extraordinários, como num espelho da mobilidade social crescente. Isso funcionou bem quando de fato existia mobilidade social, do pós-II Guerra Mundial até os anos 1970.

Com o avanço dos processamentos informatizados, e mais tarde da Internet, os hábitos, compras, preferências e psicologia de indivíduos puderam ser identificados, medidos e classificados. Agora, os produtos podiam mirar um indivíduo único, de acordo com suas necessidades particulares e com grande precisão. Ao mesmo tempo, a produção, com a ajuda da automação, pôde introduzir uma ampla variação dentre os próprios produtos. Como as preferências eram extremamente diversas e uma necessidade secundária poderia sersatisfeita de infinitas maneiras, o potencial de demanda explodiu. As empresas não mais temiam um excesso de oferta. Os consumidores cedem seus dados de consumo e aos indivíduos são constantemente fornecidas (bombardeadas) propagandas e produtos que mais se adequam a eles. É difícil resistir à compra, e muitas famílias se envolvem em considerável dívida para que isso se viabilize. O consumismo triunfou, satisfazendo precisamente desejos individuais únicos. É claro que há a importante questão de renda e desigualdade de renda, mas a satisfação de consumo parece tão completa que o problema de salários estagnados do rendimento médio da família trabalhadora veio à baila apenas nas últimas décadas.

Esse novo consumismo evoluiu em favor de uma satisfação instantânea, de curto prazo: exemplos incluem todos os computadores e videogames, entretenimento de todos os tipos que estão disponíveis no Youtube. Há um interesse renovado em séries de TV superdramáticas com uma direção bem profissional, que oferecem episódios curtos (30 minutos) mas satisfatórios, como a NCIS e House of Cards. A própria televisão evoluiu para serviços on demand (sob demanda) e compete com programas e filmes, disponíveis de imediato, ofertados pela Netflix. O interesse em produtos mais difíceis e exigentes — como livros – declinou particularmente na geração mais jovem. Livrarias e pequenos cinemas estão fechando em todos os lugares.

Em vez disso, os armazéns e a entrega rápida da Amazon estão revolucionando o comércio com uma ampla seleção de produtos, preços baixos e entregas em um ou dois dias. O consumo instantâneo é possível. Também a maneira de produção e marketing de produtos da moda evoluiu com a Zara (Inditex), testando o mercado nas lojas e por meio de uma produção acelerada, provendo, em algumas semanas,os modelos aceitos. Finalmente, temos mídias sociais na forma do Facebook, WhatsApp, Instagram e Twitter, que realizam contato instantâneo, envio de mensagens e serviços.

Obviamente, a internet e os celulares revolucionaram as comunicações, tornando as conexões com pessoas, as informações e os produtos/serviços extremamente fáceis. A Nokia, que produziu inicialmente o celular mais vendido, tinha imaginado ofertar apenas serviços essenciais; entretanto, a decisão da Apple, de se abrir para aplicativos de terceiros, desencadeou centenas de milhares de novos serviços online, disponíveis nos smartphones. Isso somado ao ascenso da Amazon, que propôs uma rapidez até então desconhecida de entregas (até no mesmo dia) de milhões de produtos, combinado com a propaganda individualizada, constitui um nível de consumismo sem precedentes e extremamente individualizado.

Ao mesmo tempo, para conseguir mais compradores em potencial, essas mídias tiveram que entreter mais, ser melhor modeladas, chocantes e, em uma única palavra, viciantes. E o futuro de realidade virtual irá nos mergulhar em mundos artificiais convincentes, não necessariamente de nossa escolha. Novamente, o potencial é enorme, sem excluir as novas formas de arte, mas a oportunidade em propaganda é gigantesca, já que esta terá controle da realidade.

Mesmo adultos, não conseguimos ficar fora do telefone dia e noite. Talvez não seja surpreendente que os país que trabalham em empresas de tecnologia do Vale do Silício tenham se tornado mais restritivos ao uso de serviços móveis por seus filhos, numa indicação do excesso. A própria Apple começou a introduzir aplicativos para monitorar e limitar o uso.

Ainda está para ser visto qual tipo de relações de longo prazo entre pessoas este novo sistema irá favorecer. E, mais importante, a questão é qual controle podemos ter – enquanto consumidores e cidadãos – sobre o design dos novos sistemas. Iremos deixá-los, como sempre, sob controle das empresas?

Essa evolução de consumismo ocorreu dentro do contexto de globalização, onde economias de escala extremamente grandes são possíveis para países com grandes mercados internos e portanto com a possibilidade de produzir para estes – e então exportar para o resto do mundo a baixos custos. Até produtos complexos como o iPhone, com mais de 300 componentes, são produzidos por intermédio de terceirização da produção, nas melhores fábricas do mundo todo. Quanto a produtos menos complexos, como painéis solares, quase todos podem ser produzidos e exportados do maior mercado interno, a China. O controle de tecnologia e do acesso aos mega mercados internos dificulta a competição por atores mais limitados, como a indústria italiana. Milhões de postos de trabalho italianos foram perdidos por meio da realocação das fábricas no Oeste Europeu e Ásia. Por consequência da concentração de centros de produção, a partir dos quais se exporta e controla a tecnologia, a globalização definiu um novo conjunto de ganhadores e um grande conjunto de perdedores; criando desemprego em muitos setores e países onde atores minoritários não conseguem competir.

Os maoires perdedores continuam a ser as nações emdesenvolvimento, que na verdade não estão se desenvolvendo: a fome aumentou de 460 milhões de pessoas, em 1974, para 800 milhões atualmente e a pobreza é a mesma medida em 1984: aproximadamente 1 bilhão de pessoas sem nenhuma melhora em mais de 35 anos. Quase todos os ganhos na redução da pobreza relativa estiveram em um lugar, a China. Se uma linha mais alta de pobreza for utilizada – a de cinco dólares ao dia –, o número de pessoas pobres chega a 4,3 milhões, ou mais de 60% da humanidade. A saída líquida de recursos financeiros do mundo em desenvolvimento foi negativa em 26,5 trilhões de dólares entre 1980 e 2012, como confirma o relatório de 2016 da Global Financial Integrity and Center for Applied Research na Escola Norueguesa de Economia. Os países desenvolvidos são a rede de devedores das nações em desenvolvimento, o que exacerba bastante a situação de fome e pobreza. Justamente o oposto do que seria de esperar. O modelo de “desenvolvimento” proposto pelos ricos aos pobres na verdade ajuda os ricos. A pobreza tem mais a ver com a relação entre os pobres e os ricos e evoluiu para novas formas desde o passado colonial. Para superar a fome e pobreza no Sul global, este mecanismo precisa ser radicalmente mudado. “Por décadas nos contaram uma história: que a pobreza é um fenômeno natural e será erradicada por meio de ajudas. É um conto confortante, mas ignora as forças políticas mais amplas em jogo. Os países pobres são pobres porque são integrados no sistema global em termos desiguais e as “assitências” apenas ajudam a esconder isso.” Hickel, J. (2017).

Depois de décadas de intensa produção e consumo individualizados, talvez alguns de nós estejamos buscando alguma coisa. Há algo esquecido nas trocas e experiências sociais. É a intensa interação humana, geralmente entre muitas pessoas, que é compartilhada e altamente valorizada. Pode ser, por exemplo, uma viagem a um local primitivo e a chance de conversar e trocar ideiascom os que lá vivem. Pode ser um grupo da aula de culinária para norte-americanos na Toscana. A experiência é construída em torno das relações que podem ser estabelecidas localmente. Uma experiência muito importante é o compartilhamento direto de culturas diversas, da música à dança, à arte, à arquitetura, à antropologia. É claro que esta cultura pode ser compartilhada indiretamente e vendida como um produto ou vídeo. Existe um continuumentre a experiência direta e uma experiência indireta menos envolvente. Geralmente, a experiência direta é sentida como mais única, e enriquecida por inúmeros detalhes e acontecimentos locais. Há uma diferença entre subir os degraus da Torre de Pisa e ver a fotografia. Há muita diferença entre experienciar o Palio de Siena e assistir ao vídeo. O turismo é defato uma área onde a oferta de experiências pode reforçar seu valor. O que é requerido são mais programas locais, atividades e trocas pessoais. Outro exemplo de experiência é a educação colaborativa. Todos somos experts em algo, ou queremos conhecer mais de algo: esta é a base de criar valores por meio de seminários e compartilhar variadas formas de cultura entre amigos e conhecidos.

É claro que a experiência pode envolver muitas contradições e problemas. Geralmente em concertos de música clássica ou sessões de jazz, há uma alegria compartilhada entre os músicos e ouvintes. Este pode não ser sempre o caso; o provedor ou facilitador da experiência compartilhada pode não necessariamente compartilhar da alegria. Ele ou ela deverá ser adequadamente recompensado. No melhores casos, o facilitador da experiência deverá estimular os participantes a um nível profundo de troca, que deverá também ser satisfatório ao facilitador. Isso requer habilidades consideráveis em psicologia. É necessário treinamento para prover um nível alto de experiência. Há também uma parte da psicologia que investiga os picos de experiência dos indivíduos.

Uma característica chave da experiência, é que envolve quase sempre uma troca entre pessoas e portanto nos leva pra longe da forma individualista de consumismo. Outro elemento chave da experiência é que pode ser aplicada a qualquer atividade ou interesse. Isso possui uma variedade de formas, como os produtos individualizados. Significa que o espaço para experiências sociais é também infinito. E, é claro, experiências sociais não são uma novidade cultural e histórica. Os gregos valorizavam-nas bastante por meio de seu amor pela música, dança, histórias épicas, tragédia, comédia, filosofia e sua participação na democracia direta. Ainda que tivessem escravos, a maioria dos gregos não proclamava ou buscava uma acumulação excessíva de riqueza material.

O ponto é que nós podemos substituir consumismo frenético de produtos e serviços individualizados com as experiências criadas emgrande parte localmente e com uma pegada ecológica muito mais leve. Isso irá nos beneficiar como indivíduos e globalmente. Podendo ser uma parte essencial da evolução da sustentabilidade.

As experiências e trocas sociais podem ser um antídoto parcial ao globalismo. Não precisam ser produzidas em massa para exportação nos mega mercados. Elas satisfazem um das maiores necessidades da pirâmide de Maslow, ao passo que provêm ocupações e as necessidades primárias de todos os facilitadores locais.

Entretanto, isso requer uma mudança cultural significativa ao reconhecimento da importância fundamental das relações sociais. Um exemplo pode ser encontrado no turismo, que pode ser, e frequentemente é, uma jornada de hotel em hotel, com contato limitado com a população local. “É quinta feira, devemos estar na Bélgica.” Ou pode evoluir, contando com guias locais, diálogo com as populações e hospedagem com famílias locais, para aprendere compartilhar suas culturas.

Nas cidades, isso implica desenvolvimento amplo de oportunidades sociais e habilidades. Pode tomar a forma de amizade, em atividades como clubes de livro, grupos de discussão e viagens coletivas. Pode envolver ativismo político, educação adulta contínua ou trabalho em organizações voluntárias. Implica escutar seu cônjuge, vizinhos, amigos e conhecidos.

A evidência empírica apoia os benefícios de experiências e relações sociais. Nos estudos internacionais sobre felicidade, argumentou-se (Bjornskov 2003; Vermuri and Constanza 2006; Bjornskovet al 2008) que países felizes têm alto capital social e fortes redes de amizade. Um estudo notável por DiTella e MacCulloch (2008) explora o Paradoxo de Easterlin, referindo-se ao fato de que os dados sobre felicidade são tipicamente estáveis, independentemente de aumento considerável de renda. Eles aferiram as respostas sobre felicidade, dadas por aproximadamente 350 mil pessoas vivendo nos países da OCDE. Apesar das vastas mudanças concretas no padrão de vida, entre 1975 e 1997, muito poucas contribuições à felicidade podem ser atribuídas ao aumento na renda. Em compesação, elas estão negativamente correlacionadas com o número médio de horas trabalhadas, degradação ambiental (medida pelas emissões de óxido de enxofre), crime, abertura ao comércio, inflação e desemprego.

O famoso estudo de Harvard sobre Desenvolvimento Adulto, sumarizado por Mineo L. (2017), relata: “a pesquisa, que durou quase 80 anos, provou que abraçar a comunidade nos leva a viver mais e ser mais felizes. As relações próximas, mais do que o dinheiro ou a fama, são o que mantém as pessoas felizes em sua vidas, o estudo revelou. Aqueles laços protegem as pessoas dos descontentamentos da vida, ajudam a atrasar algum declínio físico ou mental e são melhores preditores de vidas longas e felizes do que classe social, nível de QI ou até mesmo genes. Essa descoberta provou-se verdade tanto entre os membros de Harvard quanto entre participantes das cidades do interior”. Em animais, a sociabilidade é uma reação de sobrevivência às pressões da evolução. Talvez o ser humano deva ser considerado um animal sob pressão evolucionária.

A conclusão é que o reconhecimento da importância de experiências e relações sociais pode nos ajudar a refrear o consumismo individualista e permitir que mais recursos sejam dedicados a necessidades primárias e sociais. Os consumidores, empresários e governos precisam ser mais inteligentes e entender as escolhas em jogo, o que pode apoiar uma resposta mais efetiva ao risco das mudanças climáticas.

* William Mebane, foi dIretor do Ente Nacional de Eficiência Energética da Itália

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Jorge Rocha | opinião

Firmeza é a atitude revelada pelo governo perante o surto grevista, e é essa a atitude judiciosa a tomar perante a tentativa de uns poucos pretenderem colher só para si os dividendos de uma evolução positiva da economia, que, dentro dos limites de manter certas as contas do Estado, deverão ser distribuídos pelo maior número possível de portugueses.

Apesar de alguns amigos facebookianos imitarem o inenarrável secretário-geral da UGT no pânico quanto às consequências de tanto protesto, constato a usura de tais formas de luta e sinais de, em muitas delas, verificarem-se recuos estratégicos pelos efeitos nefastos na reação progressiva dos portugueses perante situações extremamente desproporcionadas entre elas e os danos coletivos provocados.

Há, igualmente, coincidências que não passam despercebidas: a instrumentalização dos enfermeiros numa altura em que os interesses privados e das misericórdias arriscam ser beliscados por uma Lei de Bases da Saúde, que possa impor a complementaridade e a subordinação da sua «contribuição», em vez do seu carácter supletivo, que tanto agrada a Marcelo por deixar tudo exatamente na mesma, ou seja na contínua sangria de recursos do SNS para encher os bolsos dos que fazem obsceno negócio. Ou ainda as reivindicações dos caciques dos bombeiros voluntários que, não só querem evitar verem-se marginalizados do lucrativo fornecimento dos meios de combate a incêndios como se querem livrar de quem lhes possa auditar as contas.

É porque tais argumentos podem e devem ser utilizados no momento certo mostrando aos portugueses o que está verdadeiramente em causa, que não me assustam as greves e muito menos a muralha intransponível, com que o governo as enfrenta. À exceção da luta dos estivadores de Setúbal, que tinha fundamento para se considerar justificada, todas as demais não encontram resposta assertiva do governo, que mantém o princípio de optar por dar mais a muitos, mas considera irresponsável dar tudo a todos.

No momento de depositarem o voto na urna, os eleitores preferirão quem lhes promete a continuidade de um processo, que lhes tem garantido a melhoria da qualidade de vida, do que quem se cola oportunisticamente aos supostos descontentes e, ou lhes cortaram direitos e remunerações, quando estiveram no poder, ou se escusam a cumprir regras europeias, sabendo de sobra o que tal significaria quanto à impossibilidade de conseguir os necessários créditos para financiar o Estado.

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