quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Moçambique | Fotojornalista detido em Cabo Delgado promete ação contra militares


O fotojornalista Estácio Valói disse à DW que, junto com o pesquisador David Matsinhe e o seu assistente, pretendem processar os militares que os detiveram por dois dias na província de Cabo Delgado, em Moçambique.

Em Moçambique, o fotojornalista Estácio Valói, o pesquisador David Matsinhe e o seu assistente foram libertados nesta terça-feira (18.12) à tarde. Os três estiveram sob custódia militar por cerca de 48 horas na província nortenha de Cabo Delgado, depois de terem estado a trabalhar na região entre os distritos de Palma e Mocímboa da Praia.

Entretanto, o equipamento de trabalho e os telemóveis apreendidos pelos militares não lhes foram devolvidos. Os visados ponderam entrar com uma ação contra a brigada militar em causa por violação dos seus direitos.

DW África: Pode nos narrar as circunstância em que foram detidos?

Estácio Valói (EV): Fomos detidos em emboscada pelas Forças de Defesa Nacional, isto a 15 quilómetros de Palma, na estrada principal. Quando nos aproximamos, um grupo de mais de 20 militares mandaram-nos parar, apontando as armas todas, vieram cá e mandaram-nos sair de forma agressiva: "Saiam do caro, saiam do carro! Estávamos à vossa procura. Temos ordens dos nossos superiores, os mesmos que disseram que vocês poderiam ir a Chitolo, são os mesmo que disseram para que nós vos interpelássemos aqui”. Tinham armamento por todo lado. Cercaram o carro e tivemos que descer. A primeira coisa que eles disseram foi "mostrem as vossas câmeras; onde é que estão os vossos computadores?”.

Foram diretamente às minhas câmeras, confiscaram também o meu computador. Na mesma altura, ainda tínhamos os telefones nas mãos, exibíamos a credencial, a qual entregamos a eles. Ao mesmo tempo, vinha outro batalhão com mais de 30 militares e por detrás deles vinha o comandante-geral daquela área num dos blindados. Quando ele chegou, o cenário piorou. Disse-nos: "Vocês são pessoas não bem-vindas”. A seguir, dois militares entraram no nosso carro, porque estava eu, o David Matsinhe, da Amnistia Internacional, mais um assistente nosso, que é também o motorista. Levaram-nos dali de volta à Escola Primária de Quelimane. Quando lá chegamos, voltaram-se para nós e disseram que tínhamos que mostrar o que estava nos telefones. Nós recusamos e um dos capitães veio e disse: "Aqui vocês não têm direito nenhum. Vamos retirar todos os vossos direitos. É bom que nos deem as passwords dessas máquinas todas, caso contrário, aqui nós não brincamos com ninguém”. Ele continuou: "Aqui vocês vão morrer, porque esta zona está sob nossa proteção. Vão morrer e não vão saber como é que morreram e porque é que morreram”.

DW África: A informação que nos chegou através da imprensa e das agências de informação indica que Estácio Valói viajou na companhia de três jornalistas estrangeiros. Confirma isso?

EV: Não são exatamente três jornalistas estrangeiros. O único jornalista que lá estava sou eu. Temos o investigador da Amnistia Internacional, que é o David Matsinhe, e um dos nossos assistentes, que é motorista. Éramos nós três.

DW África: Sabe se o Matsinhe tinha autorização para fazer pesquisas para a Amnistia Internacional?

EV: O Matsinhe tinha autorização para fazer pesquisa a convite do Centro de Jornalismo de Investigação de Moçambique. Nós não fomos lá para fazer um trabalho para a Amnistia Internacional. O doutor Matsinhe é um académico, um pesquisador na área social. Então, como nós viemos olhar para a área social, achamos melhor convidá-lo para que se juntasse ao Centro de Jornalismo de Investigação de Moçambique, ao qual ele atendeu e veio cá e fomos juntos fazer isso.

DW África: A título pessoal, não em nome da Amnistia Internacional?

EV: Sim, veio a título pessoal, sim. Não em nome da Amnistia Internacional.

DW África: Os vossos equipamentos não vos foram devolvidos, que medidas tomaram visando a recuperação desse material?

EV: Temos alguns advogados que vão entrar em contato com o Ministério do Interior, porque foi isso o que eles disseram: "Querem o vosso equipamento? Vão ter que esperar. Contatem o Ministério do Interior”. Ou seja, o mesmo Ministério do Interior que nos autorizou a entrar em Chitolo. Então agora estamos nesse processo todo.

DW África: Face a esta atuação duvidosa das Forças de Defesa e Segurança, têm intenção de entrar com uma ação contra esses militares?

EV: Essa é uma questão que não podemos descorar. Sim, nós vamos entrar com uma ação contra estes militares, porque achamos que estamos num Estado de direito. Muito mais além do que é a liberdade de imprensa é a de expressão. E o tratamento que nós tivemos foi de ameaça de morte.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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