Gil Prata | Jornal de Notícias |
opinião
Diz o Ministério Público (MP) que
em causa estão factos suscetíveis de integrarem crimes de associação criminosa,
furto, detenção e tráfico de armas, terrorismo internacional e tráfico de
estupefacientes.
Porém, agora já se diz ter sido
desvalorizado, desde o início, o eventual crime de terrorismo internacional,
apesar de esta informação contrariar tudo o que desde há 18 meses tem sido
publicado. Certo é que, desde então, estão por investigar os crimes que efetivamente
ocorreram com o desaparecimento do material de guerra nos paióis nacionais de
Tancos, em 27 de junho de 2017, ou em consequência desse furto.
A investigação deste facto, que
determinou a atualidade política, judiciária e militar, parece ter desdenhado
do ordenamento jurídico nacional aprovado pelo órgão de soberania competente.
Já dissemos antes que havia
grande probabilidade deste furto ter sido evitado, não obstante as deficiências
de segurança militar existentes na altura. Falhou a comunicação neste caso
concreto, apesar da relevância da matéria, e impediu-se assim o incremento de
medidas de segurança militar ativas e passivas.
Falhada a prevenção, havia que
investir na investigação em obediência ao normativo legal. Mas, também este não
foi respeitado por quem tem de garantir o respeito pela legalidade. Crimes
tipificados com natureza especial foram travestidos de crimes comuns para,
destra forma, afastar o órgão de polícia criminal (OPC) primariamente
competente para a sua investigação - a Polícia Judiciária Militar (PJM) -
deferindo-a a outro órgão de polícia criminal, quando essa investigação deveria
ter sido efetuada em cooperação institucional de ambas as polícias judiciárias
e sob a dependência funcional do MP, tal como a lei de organização da
investigação criminal (LOIC) estabelece.
O direito penal militar
constitui, desde 2004, um direito penal especial em razão dos bens jurídicos
tutelados. Conforme consagra o próprio Código Penal no seu artigo 40.º, a
aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos. A especialidade do
direito penal militar, codificado no código de justiça militar (CJM), é-lhe
concedida precisamente pelos tipos de bens jurídicos que visa proteger.
Assim, o CJM consagra que
constitui crime estritamente militar o facto lesivo dos interesses militares da
defesa nacional e dos demais que a Constituição comete às Forças Armadas. A
LOIC e o CJM atribuem competência específica à Polícia Judiciária Militar para
a investigação dos crimes estritamente militares, não prevendo a possibilidade
desta investigação ser deferida a qualquer outro OPC.
Mas parece haver autoridades
judiciárias que ignoram ou não estão motivadas para proteger os interesses
militares da defesa nacional. Aliás, até parece denotar-se algum complexo em
relação ao universo do que é militar.
Em 27 de junho de 2017 foram
cometidos crimes que são indesmentivelmente de natureza militar. Por
determinação do MP, ficou a PJM impedida de proceder a diligências de
investigação e não foram investigados por qualquer outro OPC, talvez porque a
lei também os impede.
Então, eventuais crimes de furto
de material de guerra, comércio ilícito de material de guerra, entrada ou
permanência ilegítimas em instalação militar, dano em bens militares, extravio
de material de guerra, abandono de posto, violação de segredo de Estado ou de
corrupção ativa e passiva para a prática de ato ilícito deixaram desde há 18
meses de ser investigados em consequência do despacho da PGR que determinou a
apensação do processo inicialmente investigado pela PJM no processo investigado
pela PJ, OPC incompetente em razão do tipo de crimes.
Pensamos que não será necessário
fazer-se mais referências ao resultado nefasto de tal decisão.
Salvo melhor opinião, continua a
constatar-se nesta investigação a violação de ordenamento jurídico estruturante
da justiça penal militar aprovado pelo órgão legislativo por excelência, a
Assembleia da República. Consideramos que a tramitação irregular do processo e
a indevida qualificação dos crimes poderá ter consequências no mesmo,
invocáveis em qualquer fase do processo.
*Coronel paraquedista, ex-juiz militar,
ex-subdiretor da PJM e docente da Academia Militar
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